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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

CIÊNCIA

Filtering by Tag: Memória Gustativa Residual

Memória gustativa: Um copo de água e um café

Thiago Sousa

Certamente você já deve ter ouvido falar que em nosso cérebro temos diversos campos de memória, cada qual com sua especialidade. E armazenar experiências envolvendo os nossos sentidos é o que permitirá uma precisão ao comparar algo e uma grande riqueza para descrevê-lo.

 As nossas experiências vividas mesclam sentimentos e sensações, permitindo que, ao nos lembrarmos de qualquer uma delas, nosso corpo reaja como se estivesse novamente passando pela mesma situação. Muitas vezes ao passar por algum lugar, por exemplo, um maravilhoso cheiro de bolo saindo de algum forno nos faz lembrar de uma tia que era uma “boleira” de primeira, fazendo nossa boca se encher de água!

É nossa Memória Olfativa (= Nariz) resgatando experiências deliciosas…

Por outro lado, nossa Memória Gustativa (= Boca) também nos recria momentos maravilhosos. Ou não. Principalmente quando se trata dos Sabores Básicos (Doce, Salgado, Ácido, Amargo e Umami), que são percebidos especificamente na boca pelas diferentes papilas da língua. Seu modo de trabalhar é muito interessante: sempre a última sensação é a que se torna referência para a próxima. É a chamada Memória Gustativa Residual.

Vejamos: você já deve ter observado que as cafeterias em geral tem oferecido juntamente com oespresso ou um belo cafezinho um pequeno copo com água, não?

Pois bem, a água é a nossa Bebida Neutra ou Neutralizadora, pois sua passagem pela língua faz o enxague, que nada mais seria do que uma boa lavada dos nossos Sensores de Sabores Básicos(= as Papilas). Ou seja, a partir deste momento, é como se você apertasse a tecla “reset” dos sensores, de modo que eles ficam “zerados” em termos de medição de presença de qualquer substância que desse um dos Sabores Básicos.

Um bom exemplo: depois de beber uma limonada, que tem na acidez sua principal característica, se o próximo líquido for a água, é bem fácil de perceber que a acidez se dilui, ou seja, vai se tornando gradativamente mais fraca à medida que você continua a beber água. Porém, a primeira sensação a cada novo gole de água é a de que a acidez é mais alta do que após a ingestão da água.

Da mesma forma, se você tivesse ficado apenas numa saladinha temperada com limão e depois pedisse um café, o fato da acidez ter ficado na sua Memória Gustativa Residual poderia gerar uma distorção na sua interpretação da intensidade da acidez do café, podendo lhe parecer menos ácido ou, então, sem acidez!

Sim, o copo de água acaba desempenhando um papel importante para degustarmos, em seguida, o café.

Mas, atenção: isso vale para cafés de boa a alta qualidade!

Imagine que você já lavou a boca e agora vai tomar umespresso. Se no blend desse café tiver Grãos Imaturos ou os chamados Verde Cana, que conferem adstringência (= sensação de boca ressecada, “apertando”) na Finalização (= sensação que fica na boca após engolir o café), ou, ainda pior, algum problema que cause o sabor Amargo (sim, o Amargor é o CONTRAPONTO da Doçura, que é tudo de bom!) essas sensações ficarão mais evidentes!

Portanto, se o blend for de qualidade duvidosa ou inferior, o efeito de se enxaguar a boca antes de beber o café é perverso…

A qualidade do café está diretamente ligado à sua DOÇURA, ou seja, sua quantidade de açúcares nos grãos após torrados. Se a quantidade de açúcares for bem menor do que a ideal e substâncias que podem conferir sabores desagradáveis (principalmente o AMARGO) estiverem em maior presença, a experiência não vai lhe estimular a uma repetição. Apenas para lembrar: somos muito mais sensíveis ao sabor Amargo do que ao Doce (na impressionante proporção de 10.000:1).

Outra evidência: quanto pior o café, mais açúcar é adicionado (= consumido), desequilibrando, novamente, o sabor da bebida…