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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

CIÊNCIA

O ar que nos permite viver

Ensei Neto

Pontões, Norte do Espírito Santo.

A Natureza é um grande laboratório e tem uma mecânica de funcionamento que é simplesmente perfeita, sempre trabalhando sob rigorosa harmonia.
Tudo na Natureza tende ao Equilíbrio. Nem de mais, nem de menos.
Apenas produz para o que basta!

 Dentro dessa lógica, o ar que nos dá a vida é, ao mesmo tempo, aquele que nos tira.

O oxigênio é fundamental para que permaneçamos vivos; no entanto, o processo de envelhecimento nada mais é do que o resultado de uma série de reações de oxidação, que leva à falência das células e, portanto, ao inevitável fim da vida.

 A fruta do cafeeiro, como se sabe, é classificada como não climatérica, que significa que só atinge o amadurecimento enquanto estiver ligada à planta e, por isso, é o momento em que também se torna, digamos, independente a partir de sua senescência ou envelhecimento. Esta fase, após ficar madura ou cereja, fica representada pelo estágio passa, com a progressiva desidratação natural da fruta.

 

Os processos de pós colheita podem ser resumidos, de forma simplificada, numa única operação: secagem das sementes.

A dinâmica ou velocidade de secagem define se subprocessos adicionais podem ocorrer, principalmente aqueles ligados à fermentação.

 A umidade da fruta madura fica em torno de 50% m/m, sendo que na polpa esse teor é maior. São constituintes da polpa, também, açúcares, proteínas e outras substâncias em menor quantidade.

Num processo de secagem que segue um ritmo normal, basicamente ficam garantidos os grupos de substâncias formados durante o seu ciclo da fruta, conhecido como ciclo fenológico, que são os açúcares, resultado da fotossíntese e pelo acúmulo via metabolismo basal, e os ácidos, principalmente o cítrico, produzido durante a respiração.

Essa dupla dinâmica garante uma gama de sabores e aromas denominados de básicos ou clássicos, que todo excelente café deve apresentar na xícara.

 

Se a secagem for lenta ou muito lenta, há margem para que um grupo marginal contribua para a formação de sabores e aromas por sínteses diversas, que são os processos fermentativos. Fungos, leveduras e bactérias podem chegar, apoquetar e começar a trabalhar, exercendo seu fascinante poder de converter açúcares em substâncias que despertarão nosso olfato e paladar.

Sim, a fermentação nada mais é do que resultado de uma secagem feita em câmera lenta.

 Detalhe: não pode ser excessivamente lenta.

Os defeitos capitais, o conhecido Trio Calafrio PVA – Preto ou Podre, Verde e Acético ou Ardido, à exceção do Verde, são decorrentes da morte da semente. O ácido acético ou vinagre é formado depois que o Saccharomyces Cerevisae transformou o açúcar em álcool e, em seguida, o Acetobacter faz a síntese acética. Sendo um ácido bastante agressivo, mata a semente do cafeeiro, literalmente transformando um lote candidato a potencial maravilha num desastrado ceviche vegano. Morte acética.

 Se a fermentação anaeróbica se prolongar demais, a semente morre por asfixia pura e simplesmente. Não se esqueça de que a semente é um indivíduo que deve permanecer vivo até o momento da sua torra e o que certifica que assim continua é sua respiração.

Como todo ser vivo, respira oxigênio para devolver gás carbônico. Costumo dizer que as sementes não podem ficar indefinidamente com o “nariz entupido”. É morte certa, que traz à tiracolo o apodrecimento.

 Observe que esses dois defeitos capitais são devidos à semente morta.

Semente apodrecida com típica coloração preta.

 

A secagem “porteira adentro”, feita pelo cafeicultor, tem como princípio preservar os bons atributos dos grãos de café por meio da diminuição do processo metabólico (leia-se respiração e todas suas consequências...), descrito como estado de dormência. Respira-se, mas muito lentamente.

O teor de umidade que representa a quantidade de água livre é altamente relevante. Como fica entre as células da semente, caso esteja em quantidade maior do que a ideal, aloja-se muito próximo à superfície, facilitando e, portanto, aumentando o processo respiratório.

O branqueamento do grão é o equivalente ao branqueamento pelo qual pessoas que falecem passam também. Outro ponto que aponta a estreita similaridade entre o café e os humanos.

 A armazenagem tem papel muito relevante, como comentado acima: preservar os atributos que vão apaixonar as pessoas por esse lote de café.

Todo o cuidado é importante para que essa condição seja plenamente satisfeita. Umidade relativa do ar no ponto certo, temperatura ambiente idealmente para baixo dos 25ºC.

 Todo estresse é um problema, diminuindo a vida do grão de café.

Que nesta safra a morte dos grãos de café seja evitada!

Esse é o ponto!

 

Sobre sistemas, métodos e tirashizushi

Ensei Neto

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Um dos meus pratos prediletos da cultura dos meus avós, que têm origem japonesa, é o Tirashizushi, que é arroz temperado especialmente para o sushi com uma cobertura de pedaços de diferentes peixes e frutos do mar servidos numa tigela.
Esse prato era, originalmente, feito com as partes não aproveitadas para o sashimi, que são fatias de peixe cru cirurgicamente preparadas, ou o clássico niguirizushi, composto por uma porção de arroz temperado delicadamente compactado com uma fatia selecionada de peixe cru. Como todos os pratos conhecidos, sofreu uma natural evolução, e hoje é um prato que ganhou os mais nobres ingredientes com o rigor estético nipônico.

Tirashizushi. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal.

Tirashizushi. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal.

O arroz é a base desse grande prato. A variedade típica da culinária japonesa tem como seu correspondente no Brasil o catete, que é redondo, plantado em tabuleiros, portanto, sob inundação. Os dois tipos mais utilizados desse importante cereal podem são, além do catete ou redondo, os longos finos, também conhecidos como arroz agulhinha, que é o preferido pela grande maioria dos brasileiros.

O tipo agulhinha tem como característica após o seu cozimento formar uma estrutura molecular que lembra algo gelificado, o que explica o seu comportamento “soltinho” no prato. É possível ser frito em óleo porque sua capacidade de reter água é muito baixa.
Os redondos, por sua vez, depois de cozidos mantém estrutura amorfa, ou seja, ficam amolecidos e, como consequência, o amido ganha quase consistência de cola, que o pessoal por aqui dá o apelido de arroz “juntos venceremos”. O Arboreo, “primo” italiano da variedade Hoshi Hikari, japonesa, é indicado para o preparo de risotos porque também possui excelente capacidade de retenção de água.

Preparar o shari envolve método, que nada mais é do que seguir fielmente um roteiro de preparação: lavar o arroz, deixar por um tempo sob água, cuja quantidade é calculada a partir da capacidade de retenção do arroz escolhido, cozinhar, fazer o resfriamento em uma cuba de madeira, que absorve eventual excesso de água, para, quando se atingir a temperatura ideal, adicionar a solução com o mágico tempero e fazer a mistura delicadamente. Cada cozinheiro tem sua receita particular, sendo a base sakê, açúcar, sal e vinagre, fundamental para facilitar o trabalho manual com o arroz.

Observe que existe uma metodologia ou, digamos, uma regra que é seguida pelo sushiman ao preparar o arroz que fará composição com o sushi e até o tirashizushi. Um ou outro profissional pode fazer variações, porém deve se observar se o resultado se aproxima ou não do original. 

Existem diversos métodos de preparo de café disponíveis no mercado, cada um com os seus equipamentos e materiais que compõem o chamado sistema. 

É muito importante notar que existe, em grande parte, confusão com os conceitos Método e Sistema entre os profissionais do café.  
Quando é feita referência a um método, espresso ou ibriq, por exemplo, entende-se que existe um conceito estabelecido e um roteiro de execução, conhecido também como protocolo.

Para ilustrar, o ibriq, considerado como o primeiro método de preparo de café, é uma infusão e que a solução de água com o pó de café dissolvido sofre ebulição por 3 vezes antes de ser servido. Numa cafeteria, todo esse protocolo deve ficar descrito numa ficha técnica correspondente.

Baristas do Yemen preparando Ibriq. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal.

Baristas do Yemen preparando Ibriq. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal.

 O sistema é o conjunto composto pelo utensílio e acessórios para a execução do método. Retomando o exemplo do café preparado pelo método conhecido por árabe, turco ou iemenita, o seu principal utensílio é o ibriq, que é um jarro metálico com a boca mais estreita que seu fundo com um cabo para seu manejo junto ao fogo. A geometria do jarro facilita a decantação do pó do café finamente moído após a terceira fervura, tornando o líquido limpo e pronto para servir. 

 No último dia 25 de janeiro, quando a cidade de São Paulo comemorou 466 anos de fundação, foi realizada a 1ª Copa Hario V60 de São Paulo, reunindo um expressivo número de competidores.

O sistema Hario foi apresentado ao mundo barista em 2005 durante a Feira da então SCAA – Specialty Coffee Association of America, realizada em Seattle, WA. Foi uma feliz combinação de fatores que levou esse sistema ao rápido estrelato já naquele evento: o fato de Seattle ser quase uma ponte aérea com Tokyo, fez com que a maior presença de japoneses naquela feira ocorresse; foi a celebração do acordo de cooperação entre as associações SCAA e SCAJ, esta do Japão; e, como cereja do bolo, o campeão do WBC foi o barista japonês Hiroyuki Kadowaki, que empregou em seu blend um brasileiro Cerrado Mineiro e um etíope Yirgacheffe.

O sistema Hario V60 é composto por um porta filtro que é um cone invertido com, digamos, o bico cortado, criando um enorme furo. Tem estrias em discreto vórtex para facilitar o escoamento do café filtrado. 
O cone tem um ângulo entre sua lateral e um eixo vertical de 60º (que no plano assume a forma de um triângulo equilátero) e, por essa razão, tem no manual de instruções do V60 a indicação de se verter a água no centro para que o pó de café se acomode nas laterais do filtro, onde ocorre a filtração propriamente dita.

Loucos por café (a partir da esquerda): Felipe Machado, Fabio Suzaki, Tulio de Souza, Luiz Ligabue e eu, Ensei Neto.

Loucos por café (a partir da esquerda): Felipe Machado, Fabio Suzaki, Tulio de Souza, Luiz Ligabue e eu, Ensei Neto.

O vencedor da competição foi o barista paraibano Túlio Fernando de Souza, que seguiu à risca a forma de uso recomendada pelo fabricante, uma vez que o sistema era o Hario V60. 

Método Hario V60 do barista Túlio de Souza: segundo o protocolo Hario. Foto: Túlio de Souza.

Método Hario V60 do barista Túlio de Souza: segundo o protocolo Hario. Foto: Túlio de Souza.

É claro que cada pessoa pode adotar uma “licença poética” ao utilizar esse sistema ou outro qualquer, porém, no caso de uma competição, pesou o fato de que, além do estudo de como dosar o fluxo de água para se obter a mais eficiente extração dos melhores sabores do café, o Túlio se destacou entre os competidores ao atender fielmente à metodologia ou protocolo do método.

A lição que fica é esta: preparar café, de forma profissional, exige conhecimento, disciplina e metodologia para que os resultados sejam consistentes.

 

O melhor torrador do mundo

Ensei Neto

Amostragem durante torra. Foto: Ensei Neto.

Amostragem durante torra. Foto: Ensei Neto.

Foi o físico e matemático inglês James Maxwell que comprovou que a luz se propaga na forma de onda eletromagnética, ainda no Século XIX. Essa afirmação foi fundamental para estabelecer base para correlacionar as cores e suas respectivas características ondulatórias, definindo-se, inclusive a quantidade de energia associada.
Uma das aplicações mais interessantes desses conceitos é a análise de cores de uma chama. Como se sabe, a chama nada mais é do que a visualização da reação de combustão, que basicamente pode ser representada pela equação

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Nessa equação, em particular, estamos considerando como combustível um típico derivado de petróleo, que pode ser desde o chamado gás encanado, composto por metano e etano, ou o GLP, que é fornecido em botijões, e é uma mistura de propano e butano.
E aí começa a fazer sentido a importância da escolha do combustível para se fazer essa combustão: quanto menor é a sua molécula, ou seja, mais curta for a cadeia, mais eficiente tende a ser a reação, resultando tão somente em gás carbônico, água e energia. Por outro lado, se a molécula do combustível for grande, isto é, de cadeia longa, a reação tende a perder eficiência, resultando na chamada “combustão ou queima incompleta”, que tem como elemento resultante adicional o carbono, representado pela fuligem que se forma.
Uma alternativa para minimizar esse efeito é ter uma melhor combinação com o oxigênio.

 As cores observadas numa chama têm relação direta com a maior ou menor eficiência da combustão, de forma que onde a reação ocorre de forma perfeita, a cor tende a ser de azulada a branca (principalmente na parte chamada de “alma”), enquanto que se a reação for incompleta, a coloração vai do alaranjado ao avermelhado, muitas vezes com a ponta negra, denunciando a presença da fuligem.

A chama de cor alaranjada tem temperatura por volta dos 450ºC a 500ºC, enquanto a chama azul atinge 1.200ºC. Incrível, não, essa diferença olímpica?!

A partir deste ponto, vamos retornar um pouco à questão da luz e sua natureza ondulatória. 
O chamado espectro visível da luz compreende frequências que compõem o arco íris, para facilitar a compreensão, e suas 7 cores: Vermelho, Alaranjado, Amarelo, Verde, Azul, Anil (Azul Escuro) e Violeta. Frequências que ficam abaixo da cor vermelha são conhecidas como infravermelho; já as frequências superiores à da violeta, recebem o nome de ultravioleta. 
Observe que frequência (que corresponde à intensidade ou força da onda) do infravermelho é bastante baixa e, por consequência, sua onda possui uma amplitude (que é, digamos, o tamanho da onda) grande. É por isso que nos fornos para dourar ou gratinar trabalham com uma fonte de infravermelho, cuja ação é mais superficial.

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Por outro lado, a luz do sol é fonte de ondas com frequência ultravioleta, daí a recomendação de se usar protetor solar que ameniza os efeitos violentos dos UV-A e UV-B, que são potentes e de pequena amplitude, o que os torna muito penetrantes. 
Se na chama a coloração predominante é a azul, tenha certeza de que a combustão está indo muito bem. Ao contrário, se a cor alaranjada predominar, a reação certamente não está sendo das mais eficientes.

A torra do café tem seu início entre o Yemen e a Etiópia, numa clássica discussão sobre onde esse processo aconteceu primeiro, tal qual a origem do tango, que tem a disputa intelectual entre a Argentina e o Uruguai.
Nos primórdios da torra do café, estimado entre 1.100 e 1.200 anos atrás, era empregada uma vasilha plana em material cerâmico, antes de se utilizar o torrador em formato esférico confeccionado em metal. As sementes cruas são esparramadas na vasilha e mexidas com uma espátula enquanto ficam sobre o fogo.

Utilizar uma vasilha plana ou levemente abaulada para torrar café é também um privilégio brasileiro, costume ainda muito arraigado no interior do Nordeste, onde recebe o divertido nome de “caco”, segundo minha grande amiga e companheira de viagem Ana Rita Suassuna, assim como é típico da Etiópia.  

Um “caco” entregue pela Ana Rita Suassuna à ceramista Gisele Gandolfi, da Muriqui. Foto: Ensei Neto.

Um “caco” entregue pela Ana Rita Suassuna à ceramista Gisele Gandolfi, da Muriqui. Foto: Ensei Neto.

O uso do torrador bola foi sequência natural e engloba alguns conceitos simplesmente geniais. O espírito criativo das pessoas, quando respaldados pela Ciência, mesmo que de forma intuitiva, promove o avanço tecnológico.
Os povos do Oriente Médio dominam há séculos o trabalho de metalurgia e confeccionar uma esfera metálica com um eixo para fazer sua movimentação não foi tarefa tão complicada...

A esfera é a forma geométrica em que qualquer regime de forças fica com distribuição equilibrada. Ao incluir movimento com um eixo centralizado em velocidade adequada, cria-se excelente distribuição de massa das sementes de café, que se comportam como fluido, condição fundamental para que o processo de torra ocorra perfeitamente.

Ao se colocar a quantidade recomendada de café cru, em torno de 2/3 do volume do torrador, as condições ideais de trabalho ficam praticamente completas. É muito interessante observar que o volume de café, proporcionalmente ao do torrador bola, cria condição que tecnicamente recebe o nome de inércia térmica alta, fazendo com que a fase de desidratação seja suficientemente longa, contribuindo de forma decisiva para um melhor resultado sensorial da bebida. 

Ao se iniciar a fase que denomino de Q1, quando as reações químicas passam a acontecer e a reação mais importante é a da quebra de amido, a dinâmica térmica é ainda lenta o suficiente para que tudo ocorra de forma eficiente e perfeita!

 A finalização da torra, que denomino como fase Q2, quando a reação de Pirólise é predominante, segue a dinâmica de todos os equipamentos inclusive os de alta tecnologia. 
O torrador bola, como no trabalho maravilhoso que as Mulheres de Divinolândia fazem, pede sensibilidade para definir a quantidade de energia que é dada a cada momento, levando a uma bela coreografia de aproximar e afastar o “bola” do fogo, assim como escolher a lenha a ser utilizada a cada momento faz parte do espírito do jogo.
O resultado surpreende os incrédulos!

Ah, sobre o melhor torrador do mundo... é aquele que você pode adquirir! 

 

  

 

A água persistente

Ensei Neto

Num treinamento especial que ministrei recentemente, uma dúvida aparentemente atroz surgiu entre os participantes, todos com graduação em engenharia de excelentes escolas, alguns com mestrado inclusive: comentaram que encontraram em alguns textos, alguns considerados referência no mercado, que “a desidratação das sementes poderia se estender entre 150ºC e 180ºC.”

 Como já havia lido a literatura citada, foi bastante confortável para comentar sobre essa incrível afirmação. Afinal, como se sabe, a água, nas condições normais de pressão (1 atm), evapora a precisos 100ºC.
Mas, como é que a água poderia persistir líquida a estupendos 50ºC acima de seu ponto de ebulição?    

 A torra da semente do cafeeiro é um processo fundamental para que se possa fazer a extração e, finalmente, se deliciar com sua bebida. É uma transformação que envolve aspectos físicos e químicos que se cerca de muita magia, porém com rigor científico como qualquer fenômeno da natureza. 

Costumo dividir o processo de torra em 2 fases: uma, a Fase Física, quando ocorrem apenas eventos de natureza física, e a Fase Química, quando as reações que caracterizam a torra propriamente acontecem.

Divisões do processo de torra da semente do cafeeiro: Fase F, Fase Q (Etapas Q1 e Q2). Ensei Neto.

Divisões do processo de torra da semente do cafeeiro: Fase F, Fase Q (Etapas Q1 e Q2). Ensei Neto.

A Fase Física, que chamo de Fase “F”, basicamente é quando ocorre a desidratação da semente. Quando a fruta do cafeeiro é colhida madura, o teor de água corresponde a aproximadamente 50% em peso, não muito diferente na semente. 
Segue-se a secagem da semente para que ela fique com umidade entre 10,5% m/m a 11,0% m/m, que é a ideal para o seu período de armazenamento. Com essa umidade, a semente entra em modo “dormência”, com baixa probabilidade de morrer antes do tempo.
Sim, a semente tem de continuar viva para ser torrada. Se estiver morta, o sabor resultante é sempre pífio, prevalecendo o gosto de celulose. Caso queira saber como é esse gosto, pegue um guardanapo de papel e deixe na boca, umedecendo. É esse o tal gosto da semente que teve morte morrida...

Uma secagem bem conduzida pelo cafeicultor tem como resultado a umidade, que recebe o nome de Água Livre porque está livre, leve e solta entre a estrutura celular da semente, localizada na parte central, como apresento nesta foto. 

Semente com secagem correta. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal.

Semente com secagem correta. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal.

A parte mais clara da semente demonstra que o teor de umidade é muito menor, de modo que a possibilidade de oxidação se torna mais remota.

Lembro que “o que nos dá a vida, também nos tira.” 

O envelhecimento, que inevitavelmente leva à falência dos nossos órgãos, nada mais é do que um progressivo processo de oxidação ou ação do oxigênio, que é o mesmo que, ironicamente, nos faz viver. É, o preço para viver é alto...

Nas condições normais de armazenamento da semente, a água livre está no estado líquido. E outro detalhe importante: essa água é simplesmente água, ou água pura. Portanto, sabe-se tudo sobre suas características e, também, como é o seu comportamento em diferentes momentos.
No processo de torra, pode-se admitir que há um fluxo contínuo de energia que é levado pelo ar aquecido ao interior do cilindro deitado, levando-se em conta o modelo mais utilizado no mercado. Neste caso, estamos considerando que o cilindro possui isolamento térmico, de forma que o mecanismo de troca de calor predominante é a Convecção.

Para refrescar a memória, a convecção é a troca de energia térmica (ou calor, simplificando...) que ocorre entre dois fluidos. Essa troca de calor se torna ainda mais eficiente se os fluidos estiverem em sentidos contrários, isto é, um indo ao encontro do outro. Essa é a grande idéia que justifica o fato de a maior parte dos torradores serem cilindros deitados.

Apesar de ser muito complicado fazer cálculos para se projetar um cilindro deitado, com as pás internas bem desenhadas e uma correta velocidade de giro desse cilindro, o conjunto funciona incrivelmente bem, de modo que as sementes do cafeeiro se comportam como um fluido, que passa a trocar calor com o ar quente, que neste caso faz o papel de outro fluido, vindo do queimador.

Dentre todas as substâncias que compõem a semente, a água apresenta uma característica que é muito importante: é disparado quem tem a maior capacidade de absorver energia. Quando o ambiente começa a esquentar, é a água livre quem primeiro absorve essa energia.
À medida que a água livre vai se aquecendo, um outro evento físico começa a acontecer: ela começa a se movimentar pelos vãos existentes entre as células, que recebem o nome de interstícios. Como é um caminho tortuoso e relativamente estreito, o fenômeno que ocorre é o que se denomina de difusão por capilaridade, turbinada pela diferença de temperatura, entre outros mecanismos.

Migração da Água Livre para a superfície. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal

Migração da Água Livre para a superfície. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal

A água livre começa a se concentrar na superfície da semente, quando adquire tonalidade mais escura (ao que dou o nome de “efeito camiseta branca molhada”). Só que o ar bastante aquecido (entre 400ºC e 500ºC, a depender do equipamento) transfere energia suficiente para a água que atingiu os mágicos 100ºC (a 1 atm), iniciando a ebulição. 
Sendo a semente um sistema aberto, toda sua água livre se evapora. Ao final deste evento, é que se inicia a Fase Química da torra, quando ocorrem as reações químicas.

Mas, e a água que foi detectada a mais de 150ºC?

Se há uma situação em que podem ocorrer eventos químicos que apresentam como produto de reação a Água, uma em particular é que pode fornecer essa água passível de ser detectada: a Pirólise.
A Pirólise é uma reação de combustão ou decomposição de açúcar e, como tal, tem como produtos gás carbônico, água e muita energia. É uma reação que pede muita energia para ocorrer, assim como libera outro tanto para o ambiente.

C6H12O6+ 6 O2  =======> 6CO2+ 6H2O + Energia

Modernamente, sabe-se que essa água, detectada em ensaios realizados nos anos 1990, certamente é decorrente da reação de pirólise. 

A evolução do conhecimento faz com que novas perspectivas sejam utilizadas para compreender um mesmo fenômeno, daí a atualização técnica ser tão importante.  

A altitude, a densidade e o casco duro

Ensei Neto

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O cafeeiro é originário das florestas da Etiópia, humildemente instalado debaixo das sombras de grandiosas árvores. De lá, atravessando o Mar Vermelho, sobe as impressionantes montanhas iemenitas, até cordilheiras de fazerem perder literalmente o fôlego  e que integra a paisagem de Jabal Bura.
Estou falando de grandes altitudes e altitudes ainda maiores!

Há uma crença de que as sementes dos cafeeiros de grande altitude têm maior densidade e que suas paredes celulares são mais duras, o que torna o seu processo de torra mais exigente em termos de quantidade de energia. Ou, simplesmente, há que se usar de “mais fogo”...

Para melhor compreensão do que significa a “densidade da semente do café”, há que se considerar alguns aspectos básicos sobre o funcionamento do cafeeiro, conjunto de mecanismos conhecido por Fisiologia, juntamente com a estrutura química resultante. 

Deve ser lembrado que o desenvolvimento da semente está perfeitamente sincronizado com o da fruta do cafeeiro, que tem o que se chama de ciclo anual. Cada substância formada ao longo desse ciclo, que obedece uma linha lógica de demanda de energia, contribui para a determinação da densidade da semente. 


De forma simplificada, a densidade da semente é equivalente à média ponderada das substâncias que a formam. Por exemplo, a densidade da Glicose é de 1,54 g/ml, o que nos permite inferir que quanto mais açúcar houver na fruta e, por consequência, na semente, maior será a densidade desta. A partir desta constatação, fica claro o porquê se deve colher preferencialmente apenas frutas maduras.

 Frutas saudáveis ocorrem em plantas sadias e que sofreram pouco estresse. Cafeeiros que levam uma vida muito agitada, com pouca trégua entre muitos ataques de insetos, ou cheia de aborrecimentos e doenças, definitivamente têm frutas com potencial medíocre devido ao menor acúmulo de açúcar.
Por outro lado, a altitude do cafezal pode interferir positivamente na formação de reserva de açúcares. 

A atmosfera terrestre, a grosso modo, é uma combinação de Oxigênio e Nitrogênio, sendo que ao nível do mar a proporção é de 29:71. Quanto maior a altitude, essa proporção se modifica dramaticamente, pois o oxigênio é mais denso que o nitrogênio, de forma que este último aumenta consideravelmente sua participação na atmosfera. 

Com menor quantidade de oxigênio disponível, o processo respiratório das plantas tende a ser mais lento como forma de adaptação. A respiração lenta faz com que o ciclo da fruta se alongue naturalmente, de forma que a acumulação de açúcares se torna mais eficiente. 

Ao final, frutas adocicadas têm sementes com mais açúcares, que, como conseqüência, tendem a apresentar maior densidade do que outras de plantas cultivadas a menor altitude.

Em relação à parede celular das sementes ficar mais “dura” em razão da altitude pode-se dizer que tende a ser mais uma lenda rural...
Os habitantes de locais a grandes altitudes são, sim, preparados para baixas temperaturas e restrição de oxigênio decorrentes da menor pressão atmosférica.

Estruturas celulares tendem a ganhar maior resistência quando são expostas à maior pressão, como é o caso de animais que habitam o fundo do mar. A cada 10 m de profundidade, dobra-se a pressão em relação à que existe ao nível do mar. É por isso que os chamados seres abissais tem estrutura e arquitetura para poder suportar essas pressões elevadíssimas. 

O principal efeito da altitude é, sem dúvida, a possibilidade de um perfil de ácidos de maior complexidade se formar na semente, expressando-se ricamente na bebida. Além de intensidade acima do normal do ácido cítrico, vêm junto o ácido málico e, eventualmente, o fosfórico. 

Posso afirmar que essa combinação na xícara fica incrível!

A torra do café e a acidez

Ensei Neto

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Convivendo com verdadeiros mestres do churrasco no Brasil, Uruguai e Argentina, construí um aprendizado maravilhoso sobre carnes, fogo e manejo. 
Parece trivial, no entanto há um profundo tratado técnico sobre a escolha das carnes para cada finalidade, por exemplo, entre um cozido e um grelhado. 

Naturalmente, tudo começa pela seleção da raça do gado, que pode ser decisiva para um excepcional resultado no prato. O gado zebuíno tem como característica acumular gordura na parte externa das peças, como pode ser observada num clássico contra filé, enquanto que raças como Angus também acumulam gordura no tecido, formando desenho cujo contraste lembra o do mármore, daí receber o adjetivo “marmorizada”. Nesse quesito, o gado japonês Wagyu é considerado por muitos especialistas o melhor do mercado.

Para preparar um cozido de panela, a escolha recai para carnes fibrosas como o músculo, enquanto que as mais irrigadas, como a sempre magnífica dupla filé e contra filé do corte chamado Bife Ancho tem de ir para a grelha sobre fogo forte. A inversão leva a resultados medíocres nos sabores e texturas.

Turma de Coffee Hunters 2016 torrando cafés para avaliação sensorial.

Turma de Coffee Hunters 2016 torrando cafés para avaliação sensorial.

Um dos temas mais discutidos ultimamente entre os coffee experts de plantão tem sido sobre a acidez do café. Algumas pessoas acreditam que a acidez de um determinado lote de café é determinada na torra, tanto para que se ressalte quanto para se minimizar sua presença. Porém, da mesma forma que no caso das carnes, tudo depende para o que você pretende fazer. Em uma linha mais direta, o que  importa é, como sempre, a matéria prima.

Para uma melhor compreensão do que estou comentando, é fundamental saber como os ácidos são formados na semente do cafeeiro. Existem 4 ácidos que podem fazer parte da composição das sementes: o Cítrico, que é o mesmo do limão e da laranja; o Málico, encontrado também na maçã e na pêra, e que quando percebido na bebida é um sinalizador de cafeeiros plantados em grandes altitudes; o Lático, fundamental numa coalhada e no iogurte, que é incorporado na semente em processos fermentativos; e, finalmente, o Fosfórico, que faz parte da formulação das bebidas de cola, sendo característico de cafés de grande altitude do Kenya.

Existem outros ácidos que podem ser encontrados na bebida, porém em grande parte são defeitos ou que simplesmente se decompõem durante o processo de torra.

O cítrico é único ácido presente em 100% das sementes do cafeeiro (e dos seres vivos em geral), sendo produzido através da respiração.

Esse processo é conhecido como Ciclo de Krebs e acontece em estrutura das células conhecida por Mitocôndrias. O que basta saber sobre esse emaranhado de reações químicas e bioquímicas é o fato de que tudo começa com uma molécula de Glicose (lembre-se que este açúcar é o combustível dos seres vivos de nossa Natureza) sob regime aeróbico, ou seja, que exige a presença do Oxigênio, com o objetivo de gerar energia para as funções de vida.

Assim como nós, o cafeeiro pode se ressentir do calor excessivo ou do frio intenso, sendo que o calor excessivo é o principal fator estressante. 
Você já percebeu que quando o dia está muito quente, ficamos mais cansados? 
Na falta de um ar condicionado para nos refrescar, o cansaço vem rapidamente...
Isso porque boa parte da energia do nosso corpo é usada para a manutenção de nossa temperatura corporal, que é em média de 36,6ºC. Ter um equipamento de ar condicionado é ótimo, mas tem o seu custo. No caso dos seres vivos, a conta tem de ser paga também para que a temperatura se mantenha estável, daí o cansaço extra.

É por isso que devem ser feitos estudos agroclimáticos para a seleção de locais de plantio de diversas culturas, incluindo-se o café. Caso a conclusão de que num determinado local as plantas ficarão muito tempo estressadas, não vale a pena prosseguir, pois como resultado o produto certamente será de qualidade inferior.

Resumidamente, se as sementes são de lavouras cujas plantas passam por mínimos momentos estressantes, terão como acumular ácido cítrico em maior quantidade e, portanto, apresentar maior acidez na bebida. E, por tabela, também haverá um excelente perfil de açúcares formado.

No processo de torra, cada evento químico ou bioquímico é perfeitamente definido e, por isso, mapeado, que é o princípio que aplico nos cursos de Ciência da Torra do Café.  Complementarmente, fazemos a Calibragem Sensorial da Acidez com modelos calculados matematicamente a partir da concentração de ácido cítrico em diferentes momentos do processo de torra. 

As propriedades físico químicas do ácido cítrico, por exemplo, podem ser encontradas em livros acadêmicos ou num aplicativo de Inteligência Computacional que recomendo fortemente, o Wolfram Alpha.
Por exemplo, você encontrará numa consulta esta importante informação: o ácido cítrico se decompõe a 175ºC nas Condições Normais de Temperatura e Pressão/STP. Ou seja, quanto mais tempo o processo de torra do café permanecer acima dessa temperatura, fica claro que uma notável diminuição do ácido cítrico ocorrerá. 
Muitos profissionais da torra acreditam que para se evidenciar a acidez de uma bebida basta finalizar o processo utilizando a visualização da cor externa das sementes, no ponto chamado de “torra clara”.

Gráfico Visual vrLink.

Gráfico Visual vrLink.

A bem da verdade, a contribuição da cor superficial das sementes é menor que 10%, portanto, é com a coloração da estrutura interna que define a cor da torra, que pode ser medida pelo sistema SCA-Agtron, entre outros, que utiliza uma escala de cores que vai de #95 a #25, sendo a de valor numérico maior mais clara, enquanto que a de menor valor, mais escura. Essa verificação de cor deve ser feita com as sementes torradas moídas finamente e compactadas, pois os sistemas de análise de cor se baseiam nas freqüências de luz refletidas por uma superfície plana. 
Na maior parte das vezes, uma torra excessivamente clara é simplesmente subtorrada, pois, apesar de apresentar bebida com acidez cítrica brilhante, há um desequilíbrio com a formação de açúcares, resultando na presença do gosto de celulose (papel molhado) quando o café esfria.

A manutenção da acidez da bebida está, sim, ligada à técnica de torra empregada. Se a acidez percebida for a licorosa, tanto melhor!

A acrilamida e o café

Ensei Neto

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“Somos o que comemos e bebemos” é uma clássica frase quando se procura demonstrar vínculos entre alimentos e bebidas e seus efeitos sobre nossa saúde. Com a evolução técnica, à luz das revisões e avanços científicos, de tempos em tempos, a posição sobre um determinado alimento e seus benefícios ou malefícios pode variar.

Com o café, não é diferente.

A bebida mais consumida depois da água, o café, passou a receber muita atenção da comunidade médica durante as últimas décadas. O efeito estimulante de seu principal componente, a cafeína, desde o seu primeiro relacionamento com os religiosos do Yemen há quase de mil anos atrás, foi largamente divulgado.  

Em meados do século passado começaram as primeiras pesquisas sobre o efeito do café sobre o nosso sistema digestivo, chegando-se à conclusão, na época, de que era um dos causadores da gastrite. Anos depois, esse resultado foi revisto, pois ficou claro que somente o consumo de cafés de baixa qualidade, com características de bebida Riada, Rio ou Riozona, é que causavam o devastador efeito no estômago.

Sim, beber café de excelente qualidade só oferece benefícios!

Nos últimos anos, beber café se tornou moda definitivamente, embalado pela comprovação dos efeitos benéficos como o antioxidante, gerado pelos compostos clorogênicos, do aumento do poder de concentração e da melhora do desempenho da memória de curto prazo.
No entanto, uma notícia contrária começou a ganhar importância: a formação de um composto que potencialmente pode ser cancerígeno chamado Acrilamida. Este composto levou o café à categoria de vilão quando um juiz da Califórnia, USA, impôs à gigante Starbucks e outras empresas que em seus cafés torrados fosse veiculada a informação de que continham a acrilamida e, por isso, com potencial efeito cacirnogênico. Essa decisão foi tomada porque o juiz entendeu que as empresas não souberam comprovar que o seus produtos não trariam risco à saúde dos consumidores.

Parece que o fim do mundo chegou ao mercado de café!

Só que não!

Primeiramente, é importante entender quimicamente a Acrilamida. 
A Acrilamida é um composto químico da família das Amidas, ou seja, que contém um radical NH2 ligado a um átomo de Carbono que, por usa vez, está ligado a um átomo de Oxigênio. Esse composto pode ser formado pela reação entre uma molécula de Glicose, que é um açúcar redutor, e um aminoácido de nome Asparagina, e que ocorre na fase onde predomina a Reação de Maillard.

A partir de 2002, países europeus iniciaram pesquisas para quantificar em alimentos como a batata frita, batata chips, biscoitos, pães, torradas de centeio e café os teores da acrilamida, pois o processamento desses alimentos tem como ponto em comum o tratamento térmico a altas temperaturas. 
Observou-se que a acrilamida se forma em níveis significativamente elevados nas batatas fritas, enquanto que nas cozidas em água e assadas em temperaturas até 120ºC, seus níveis são bastante baixos.

No caso específico do café, diversos experimentos concluíram que há um pico de formação da acrilamida em etapas intermediárias, principalmente onde há a predominância da Reação de Maillard, enquanto que sua concentração  declina fortemente próximo aos 200ºC por tempo mais longo. É por isso que cafés com torra clara apresentam teores mais elevados de acrilamida do que os de torra mais escura ou tratados a temperaturas mais elevadas por um período maior.

Estes são os pontos mais importantes a serem considerados a partir dos resultados de diversas pesquisas:
1)    Sementes de arábicas e robustas não apresentam significativa diferença na formação de acrilamida.
2)    Os tratamentos agronômicos, ou seja, o tipo de adubação não são significativos na formação da acrilamida.
3)    As torras claras apresentam teores mais elevados de acrilamida do que os de torra mais escura ou quando as sementes são submetidas a temperaturas próximas a 200ºC por mais tempo.
4)    A acrilamida tem seu teor decrescente quando as sementes torradas são expostas ao ar. Portanto, cafés oxidados contém menor teor de acrilamida, apesar do sabor inferior.
5)    Entre o espresso e os coados não foi observada diferença significativa no teor da acrilamida.
6)    Uma das linhas de pesquisa que vem sendo desenvolvida no Brasil é a de se fazer o tratamento enzimático das sementes do café cru para diminuir a concentração da Asparagina.
7)    Apesar de toda a controvérsia, ainda não é conclusivo o efeito carcinogênico da acrilamida no ser humano.

Dessa forma, você pode continuar a beber tranquilamente seu café, procurando sempre por bebidas preparadas com excelentes grãos. Essa é a garantia de que os efeitos benéficos devem ganhar com folga dos maléficos. 

Para se aprofundar no tema, selecionei dois estudos muito abrangentes: uma revisão de autoria de Adriana Pavesi Arisseto e Maria Cecília de Figueiredo Toledo, pesquisadoras da Faculdade de Engenharia de Alimentos da UNICAMP, e um Toolbox da FoodDrink Europe, páginas 46 a 51, entidade que congrega entidades e empresas européias do setor alimentício e de bebidas.

  

A Torra do Café não é Pop!

Ensei Neto

Gráfico vrLink sendo analisado durante exercício no curso Ciência da Torra do Café. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal.

Gráfico vrLink sendo analisado durante exercício no curso Ciência da Torra do Café. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal.

A vida é uma sucessão de reações químicas e bioquímicas cujos resultados chegam ao ponto de serem considerados verdadeiros milagres. Tudo na Natureza acontece de acordo com condições que a Ciência denomina de Condições Pétreas ou Obrigatórias.
Para que uma reação química possa ocorrer, três são as condições obrigatórias: que os componentes estejam disponíveis; que a proporção entre os componentes esteja correta para que a reação seja possível (Lei da Estequeometria); e que exista energia necessária e suficiente para que a reação aconteça, que é conhecida por Energia de Ativação.

Para se preparar um bolo, por exemplo, essas condições continuam válidas:
a) você precisa ter todos os ingredientes para executar a receita;
b) em seguida, você deve fazer a combinação nas quantidades ideais entre eles; e
c) finalmente, a sua mistura deve ser levada ao forno para assar.

Se todas as condições estiverem satisfeitas, o resultado será no mínimo saboroso!

Uma das crenças mais fortes que existe entre os praticantes da Torra do Café é a audição de uma série sonora conhecida como Crack (como é conhecido nos países do Hemisfério Norte) ou Pop e até mesmo por Pipoco, como esse som é chamado pelos brasileiros como uma referência de processo.
Segundo diversos compêndios sobre Torra do Café, existem dois Pops bem definidos, sendo que o primeiro ocorre por volta dos 180ºC na condição de 1 atm de pressão. Esse som é devido à ruptura da parede celular em razão da forte pressão exercida pelo gás carbônico e vapor de água formados durante a Reação de Pirólise.

A Reação de Pirólise, que  pode ser classificada também como uma reação de combustão, acontece quando a molécula de Glicose se combina com o Oxigênio sob grande quantidade de energia, resultando em Gás Carbônico e Água (vapor), além de estupidamente grandes 15 kJoules de energia (equivalentes a 4,3 watt) gerados por grama de Glicose.  Para se ter idéia do que essa quantidade de energia pode fazer, basta saber que em 1 kg de grãos de café, a quantidade de energia que pode ser gerada permite você ligar um aparelho de 60w por 13 horas ininterruptas!

 

       1 GLICOSE + 6 O2  + Energia ==== > 6 CO2 + 6 H2O + 2.805 kJ/mol

 

A energia necessária para que essa incrível reação aconteça corresponde a praticamente outros 2805 kJ/mol. Essa reação é conhecida também como Reação da Vida porque é fundamental ao possibilitar qualquer atividade de um ser vivo, desde as mais prosaicas às mais sofisticadas, como o ato de simplesmente abrir os olhos, de respirar, coçar a cabeça, andar ou praticar uma maratona e até pensar.
Sim, a Glicose é o combustível que torna viável realizar tudo isso.

Observando a equação que descreve a Reação de Pirólise, fica claro que a proporção de Oxigênio na reação é de 6 vezes em relação à Glicose, o que nos faz concluir que é necessário que no ambiente onde a reação acontece deva ter ar, muito ar disponível!

Num torrador de café, o principal mecanismo de transmissão de calor, principalmente quando o conjunto está em fase mais adiantada, é o de Convecção, que é quando um fluido mais quente aquece outro mais frio. Tecnicamente, considera-se fluido todo material que pode, digamos, se comportar como um líquido, para ficar mais fácil de imaginar, tal qual quando a água em seu estado líquido passa por um encanamento. A massa composta pelas sementes de café, durante o movimento do tambor, adquire comportamento que pode, mesmo que grosseiramente, ser assumido como a de um fluido, vindo a trocar calor com o fluido assumido pelo ar aquecido.

Em equipamento de boa tecnologia, a parede de seu tambor deve estar isolada para que o mecanismo de Convecção seja predominante, pois além de sua maior eficiência, tem-se maior precisão no controle da Convecção do que quando a Condução ocorre. Nesses torradores, é possível dosar a energia para cada etapa da Torra do Café através do perfeito controle da temperatura do ar que passa pelo tambor, trocando calor com as sementes de café. A temperatura do ar aquecido pode variar de 380ºC a 650ºC, a depender da tecnologia do queimador.

A Glicose é uma molécula que pode estar em qualquer parte da semente, inclusive em sua superfície. Imagine que, por obra do acaso, uma  dessas moléculas esteja livre e bela na superfície de uma semente de café vendo um caloroso vento a mais de 400ºC devidamente oxigenado passar. É o que basta: acontece a Reação de Pirólise porque as 3 condições obrigatórias para que uma reação química aconteça foram satisfeitas.

Assim sendo, é razoável pensar que será visível a ruptura da parede celular de uma semente que tenha sido palco dessa impetuosa reação, mesmo que a temperatura do sistema esteja muito abaixo dos 180ºC.

Efeito Hulk. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal.

Efeito Hulk. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal.

Na foto acima, é possível observar o calombo provocado pelo rompimento das paredes das células que continham Glicose, que se decompôs quando ficou exposta ao caloroso ar aquecido, mesmo com os termômetros registrando temperatura pouco menor que 160ºC. 
Esse efeito, em que a expansão da semente do café decorrente da Pirólise ocorre pontualmente, denomino de Efeito Hulk. Por capricho da Natureza, o som do rompimento da parede celular que deu origem ao calombo não é audível por ouvidos nus; é necessário um sonar ou um amplificador para se captar esse som.
Portanto, para se ouvir o Pop ou Crack é necessário que uma quantidade muito grande de Glicose esteja se decompondo simultaneamente. Esse fenômeno é fiel a um clássico ditado que menciona que uma andorinha só não faz Verão!

Isso quer dizer que tentar ouvir o som do Pop pode fazer com que você perca o bonde da qualidade do café!

Definitivamente, a Torra do Café não é Pop!

O gosto da luz

Ensei Neto

Uvas sirah, vinícola Pireneus, GO.

Uvas sirah, vinícola Pireneus, GO.

A diversidade de seres vivos que o nosso mundo abriga é praticamente incontável, tendo sua distribuição de acordo com a capacidade de adaptação de cada indivíduo ao meio ambiente.
De polo a polo, a variação de incidência da luz do sol é muito grande, contando com uma providencial ajuda celestial que promoveu o deslocamento do eixo do planeta em perfeitos 23º 27’.  Na linha do Equador praticamente a duração do dia e noite não se altera ao longo do ano, sendo o divisor das estações apenas o regime de chuvas, ou seja, há o período chuvoso e o da seca, enquanto que na faixa compreendida entre os trópicos e os círculos polares, as 4 estações ficam perfeitamente definidas.

É essa quantidade de luz do sol ao longo do ano que determina o ritmo de vida em cada pedaço da Terra. Cada ser tem sua necessidade de energia para manter suas funções vitais funcionando direitinho; o que difere algumas classes de seres vivos é sua capacidade de se alimentar e, assim, garantir essa quantidade de energia.
Nesse ponto, as plantas tem um mecanismo notável, que é a Fotossíntese. Captar a energia do sol e transformá-la em diferentes moléculas que compõem sua estrutura e os chamados processos da vida é um processo que beira um ato divino.

É uma cadeia de reações que se inicia com a captação da energia do sol, prosaicamente chamada de luz, por estruturas especialmente desenhadas e conhecidas por Clorofila, pigmento que tem capacidade fotossintética, isto é, de transformar a luz em algo, digamos, palpável. A reação de Fotossíntese converte a água e o gás carbônico através da energia do sol em carboidratos e oxigênio.
Carboidrato é o nome químico que se dá aos açúcares, sendo estes os responsáveis pelas reações da vida, ao participarem do processo reverso ao da Fotossíntese. As reações da vida são, por exemplo, designadas pela respiração, que captura o oxigênio para reagir com açúcar e, assim, gerar energia. É assim que a vida flui!

Logo, podemos denominar o açúcar como "combustível da vida", pois as reações para essa finalidade precisam obrigatoriamente dessas substâncias. E o mais incrível disso tudo é que, por conclusão, Doce é o gosto da luz do sol!

Se prestarmos atenção nos dois processos, a Fotossíntese e o chamado Ciclo de Krebs, que é quando o açúcar sofre transformação para gerar energia necessária para as funções vitais, fica claro que a Natureza trabalha de forma equilibrada.
A luz tem de ser abundante para que as plantas possam fazer sua captura e, assim, criar sua reserva de energia para, em seguida, esta ser empregada para que o organismo se mantenha vivo.
Veja como é incrível lógica a Natureza: primeiro se deve produzir para, então, gastar!

Por outro lado, a quantidade de energia não pode ser excessiva, pois isso pode causar danos à planta. Na ausência de sombra ou na falta de um protetor solar, em momentos de sol intenso e ambiente seco, as plantas padecem, chegando a sofrer queimaduras e, logo, perdendo capacidade vital. Não diferem de nós nesse ponto...
A compreensão desses fenômenos é fundamental para interpretar com maior rigor o comportamento dos vegetais ano após ano, safra após safra.

No caso específico das frutas como as uvas viníferas e do cafeeiro, diferentes doses de luz ao longo do seu ciclo são determinantes para se definir seu perfil sensorial, pois têm impacto direto nos processos metabólicos. As 4 estações do ano não existem por acaso, cumprindo importante papel no controle da quantidade de luz em cada etapa do ciclo das frutas! 
A certeza que se tem é uma só: doces, muito doces devem ser as frutas para se garantir uma bela experiência, seja na taça, seja na xícara. 

#coffeelosofer

A delicada questão do tamanho do buraco...

Ensei Neto

”It's Up to You”. Diferentes métodos de preparo de café. Ilustração de Daniel Kondo.

”It's Up to You”. Diferentes métodos de preparo de café. Ilustração de Daniel Kondo.

Outro dia o Companheiro de Viagem Chico Rabelo, de Maceió, veio com uma dúvida muito interessante: numa extração, qual é a influência da geometria nos métodos por percolação? Seria o tamanho do orifício de escoamento o responsável pelo desempenho da extração?
"Boas perguntas", respondi ao Chico, que é instrutor de pilotos de helicópteros e que, portanto, possui um excelente conhecimento de Física e Matemática, principalmente em Geometria. Inicialmente barista, um dos melhores que conheci nos últimos tempos, tem se especializado como Mestre de Torras, sempre a partir de uma combinação de talento com forte base científica.

Primeiramente, é importante saber que a Percolação é um modelo de extração em que o solvente, no caso a água, passa por um sistema fixo, que é o "bolo" de pó de café, retirando daí substâncias solúveis.
Ao se verter a água sobre o pó de café é possível dosar o volume incidente, o que regula em parte o contato entre a água e as partículas de café moído. 
No entanto, a principal força que atua nesse mecanismo é a Gravidade.

As Leis da Natureza são infalíveis e intocáveis! 
Por exemplo, a Força da Gravidade é vetorial, isto é, relaciona-se com uma direção e um sentido muito bem definidos. Em nosso planeta, ela tem como sentido o do centro do globo, daí a impressão de que, para nossas referências, a Gravidade sempre aponta para o chão. Porém, há ainda um outro elemento fundamental para se entender o chamado "jogo de forças" da Natureza: o "motor" de qualquer tipo de atividade é resultado do que é conhecido como "diferença de potencial".
O conceito básico da Diferença de Potencial (DDP) reside no fato de sempre algo que está em posição de maior potencial se desloca para outro de menor. Vejamos alguns exemplos práticos para facilitar a compreensão: as quedas d´água que movimentam as usinas hidrelétricas (quanto maior for a queda, maior é a movimentação das turbinas hidráulicas); uma simples ligação elétrica monofásica, com um fio de 110 v e outro, zero volt; a troca de calor por contato (algo mais quente transmite calor/energia a algo menos quente); ou os ventos, que nada mais são que ar em deslocamento, da zona de alta para outra de baixa pressão.

Observe que na figura acima que apresenta um porta filtro com forma similar a um triângulo, o deslocamento do extrato aquoso, que é sempre perpendicular à superfície do filtro, configura uma composição vetorial, sendo que a força que aponta para baixo é a da gravidade. Uma vez que o fluido passa pelo filtro, é necessário que haja espaço entre o filtro e a parede do porta filtro para que ele possa escorrer até o orifício de saída.

O que faz o café extraído escorrer para o orifício localizado na parte mais baixa do porta filtro é a distância entre o filtro e a parede do porta filtro. Quanto maior for essa distância, melhor será o desempenho do sistema, pois, para existir o deslocamento é necessário respeitar uma das mais importantes leis da Física: dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar ao mesmo tempo!

Em razão disso, a Chemex, a despeito de possuir o orifício com o maior diâmetro dos três métodos que apresentei acima (Melitta, Hario e Chemex, respectivamente), sua extração é mais demorada pelo fato da parede de vidro ser lisa, provocando eventuais interrupções. Para retomar a extração, deve-se suspender o filtro para se descolar da parede de vidro.
É por isso que alguns amigos da West Coast apelidaram a Chemex de "levanta cueca"...
Portanto, a resposta à segunda pergunta do Chico Rabelo é: não, não é o tamanho do buraco que importa! 
O que interessa é conhecer o efeito da composição vetorial do fluxo do café extraído através do filtro, que está diretamente ligado com o ângulo do porta filtro,  e também da altura das estrias internas do porta filtro para garantir bom fluxo descendente.

Mas, afinal, um buraco maior do porta filtro não permite um fluxo maior de café extraído?
Sim, naturalmente, mas desde que garanta uma concentração de sólidos solúveis que agrade... 

 

 

 

Sua pequena fábrica de cafeína...

Ensei Neto

Copo "to go" da Fábrica Café, de Maceió, AL.

Copo "to go" da Fábrica Café, de Maceió, AL.

Preparar café em casa nada mais é do que você ter uma pequena fábrica que produz cafeína.
Sim, você não leu errado!
Tecnicamente, ao preparar um bom e delicioso café, você está, basicamente, realizando a extração da cafeína.

Como se sabe, a cafeína é uma substância que opera maravilhas em nosso cérebro, tornando nosso raciocínio mais eficiente ao mesmo tempo que gera uma sensação de bem estar. A família da cafeína atua muito bem na parte da memória recente, além de, conforme pesquisas comprovam, manter o coração com batida tão afinada como o de bateria de escola de samba...

Molécula da cafeína em representação 3D.

Molécula da cafeína em representação 3D.

O Companheiro de Viagem Marcelo Ricci, de Blumenau, SC, perguntou qual é a diferença entre preparar o café com água quente e água fria?
Toda essa dúvida foi gerada depois que algumas pessoas lhe comentaram que o café preparado com a água quente contém mais cafeína, enquanto que outras, menos. No caso do Cold Brew, presume-se que tem bem menos, porém muitos baristas falam em números que são muito elásticos.
Afinal, o que é verdade e o que é lenda barista?

Primeiramente, vale a pena rever a origem química da cafeína.
A Cafeína faz parte da grandiosa família das Xantinas, da qual fazem parte também a Teobromina (encontrada principalmente no cacau e que é prima primeira da cafeína) e a Teofilina (presente nas folhas de chá). Por outro lado, a cafeína é, quimicamente, um alcalóide, família de substâncias sintetizadas pelas plantas como agentes de seu sistema de defesa contra pragas e doenças fúngicas.
Pode-se afirmar que todo alcalóide é um veneno, porém, em baixa dosagem pode desempenhar o papel de estimulante.

Na preparação de um café, independente do método, a água é o principal elemento empregado. Portanto, existe uma relação direta entre a solubilidade em água das diferentes substâncias contidas numa semente de café torrada e moída e o que se obtém na xícara, expressando a combinação de aromas e sabores extraídos.
Por outro lado, a solubilidade em água das substâncias é diretamente proporcional à temperatura. Logo, é razoável pensar que a água em temperatura próxima ao seu ponto de ebulição trabalhará de forma mais eficiente na extração dos solúveis do que no caso de temperaturas mais próximas aos 25ºC. 
Para se ter idéia da importância da temperatura da água na extração da cafeína, esta se torna até 30 vezes mais eficiente próximo a 100ºC do que a 25ºC, sempre levando-se em conta que a referência é ao nível do mar.

Partículas de café torrado e moído após extração (aumento de 10x).

Partículas de café torrado e moído após extração (aumento de 10x).

Outro fator que permite obter maior quantidade de cafeína extraída pela água são o tempo de contato e a eficiência de contato. A eficiência de contato é observada no quanto de cafeína o solvente, no caso a água, consegue retirar do interior das partículas sob condições específicas (com agitação, sem agitação, com muita agitação), enquanto que em relação ao tempo de contato, um período mais longo permite se obter maior extrato.

Portanto, uma bebida obtida por Cold Brew deve conter menos cafeína, para um mesmo volume e perfil de moagem, do que uma outra de extração a quente. Mas, o que importa mesmo é que as pequenas fábricas de cafeína continuarão funcionando todos os dias...
Ainda bem!

 

 

Leche de Tigre, caramelo e crema tigrada...

Ensei Neto

Leche de Tigre, Leche de Pantera e variações.

Leche de Tigre, Leche de Pantera e variações.

Leche de Tigre é o saborosamente rico resultado da ação do ácido cítrico do limão sobre pedaços de peixe, principalmente do robalo ou similar de carne firme, combinado com sal marinho e folhas de coentro.
Por vezes coquetel, por vezes "salsa", o Leche de Tigre é muito popular na culinária de Lima, Peru, que se beneficia da generosa porção de águas profundas do Oceano Pacífico e, por isso, com acesso a frutos do mar cheios de sabores personalíssimos. 
Seu primo que também é muito apreciado é o Leche de Pantera, de cor negra, obtido com ostras negras e temperos.
De sabor mais intenso, é uma experiência fantástica. Este é o meu preferido!

A figura do "tigre" também ronda o café...
Entre os coffee lovers que adoram o espresso, uma boa extração deve apresentar o tigramento na crema.
Mas, afinal, e o que é esse tigramento? De que selva saiu esse tigre?

Um espresso bem tigrado... observe quantas estrias escuras mostra esta extração.

Um espresso bem tigrado... observe quantas estrias escuras mostra esta extração.

Bem, tudo começa no processo de torra do café.
Quando se inicia a Etapa Química da torra, uma série de reações químicas acontece e uma das mais importantes é a da quebra do amido que se transforma em Sacarose.  Este é o açúcar de cana que todos conhecem, mas pode ser encontrado também no côco e na beterraba branca.
Importante: a sacarose é o principal ingrediente para se preparar o caramelo.

Você se lembra como se prepara uma calda de caramelo ou mesmo uma crocante capa de um Creme Brullè?
Vamos lá.
Inicialmente, coloca-se o açúcar numa panela sob aquecimento. Em condições normais (sempre a 1 atm ou pressão ao nível do mar), a sacarose tem seu ponto de fusão, isto é, muda de estado sólido para o líquido, a 160ºC. Em seguida há a perda de uma molécula de água de sua estrutura, desencadeando um conjunto de reações que formam um polímero que assume estrutura cristalina quando se resfria, desde que nas mesmas condições normais.
Para facilitar a compreensão, pense que um polímero é como se fosse uma manta formada por diversas peças muito parecidas que se encaixam. No nosso caso, esse polímero é o caramelo.
Interessante notar que tudo se passa em ambiente sem água.

Creme Brullè Nordestino, revisão do genial chef Julien Mercier para o Mocotó, em São Paulo, SP.

Creme Brullè Nordestino, revisão do genial chef Julien Mercier para o Mocotó, em São Paulo, SP.

Ao se resfriar, devido às suas características moleculares, o caramelo assume forma cristalina, como pode ser observado na foto acima, que é uma sobremesa famosa do restaurante Mocotó de São Paulo.

No caso da semente de café que tenha passado por um processo de torra que cuidadosamente permitiu a formação do caramelo, durante a extração, especialmente de um espresso, os filetes marrom escuros nos indicam que a crema terá belos reflexos tigrados!
Para completar, um aroma e sabor notáveis de caramelo se farão presentes na xícara!
Veja este vídeo, captado na Fábrica Café, de Maceió, AL, onde torras muito bacanas estão sendo feitas e excelentes extrações acontecem...

Portanto, o sabor do caramelo é percebido numa xícara de café somente se os grãos forem de excelente qualidade, a torra tenha sido magistral e a extração cuidadosa. Caso contrário, há que se ter um pote de caramelo para adicionar...
Caramelo para todos!!!

 

Altitude, pressão atmosférica, torra de café e o café na cozinha...

Ensei Neto

Valle Nevado, Andes, Chile

Valle Nevado, Andes, Chile

A Companheira de Viagem Anita Schultze, coffee geek do "Café na Cozinha", que tem participado como assistente dos cursos que ministro em São Paulo, me perguntou como eu calculo o ajuste de pressão nos torradores em razão de cada local.
Bem, antes de tudo, creio que é importante comentar porque é que temos de fazer esses ajustes quando vamos torrar café...

Um dos pontos de partida do Curso Ciência da Torra do Café, que é considerado Masterclass para formação de Mestres de Torra, é a base de Físico Química para estabelecermos uma estratégia consistente durante o processo.
Todos os dados que temos sobre as propriedades físico-químicas de qualquer substância foram medidos na chamada Condição Ambiental Normal, onde a pressão atmosférica de referência corresponde a 1 atmosfera. Por exemplo, sabe-se que a temperatura de ebulição da água pura é de 100ºC ao nível do mar, onde a pressão atmosférica é igual a 1 atm. Por outro lado, a chamada Energia de Formação de uma determinada substância também é geralmente determinada a 1 atm*.

A atmosfera do nosso planeta em razão de diversos fatores, como a gravidade, diminui à medida que nos afastamos da superfície ao nível do mar, onde a composição média tem 79% de Nitrogênio e 21% de Oxigênio. Devido ao seu maior peso molecular, o teor de Oxigênio decresce à medida que as altitudes são maiores. Ar mais rarefeito infere em menor pressão atmosférica, pois a densidade do ar varia com a altitude.
Se a pressão atmosférica muda, é razoável pensar que existe a necessidade de se ajustar parâmetros de funcionamento de um torrador, uma vez que sabemos que as temperaturas de formação das substâncias foram determinadas para a condição de 1 atmosfera.
E assim me perguntou Anita: "E como faço para calcular o tamanho do ajuste?"

Há uma equação que determina a pressão atmosférica em diferentes altitudes, tendo como referência a pressão ao nível do mar, que é de 1 atm.
Para tanto, considera-se a atmosfera como um gás ideal em equilíbrio, ou seja, que tenha a mesma temperatura em todos os pontos. Também, admite-se que as altitudes em que podemos vir a trabalhar com um equipamento de torra seja muito menor do que o raio de Terra, que é de aproximadamente 6.300 km. Um dos pontos mais altos do nosso planeta é o monte Everest, que tem 8,84 km de altitude, porém quase desprezível ante o raio do nosso planeta.
Esta é a equação:

Press.jpg

onde P(h) = pressão a ser calculada;
         Pa  = pressão ao nível do mar ou 1 atm;
         kgo = 0,115 km(-1), admitindo-se como constante;
         h  = altitude, em km. 

Por exemplo, a pressão atmosférica em São Paulo, SP, cuja altitude média é de 1,00 km, ficaria como P(SP) = 0,89 atm, enquanto que em Casablanca, nos Andes Peruanos, que fica a 4,00 km de altitude, teria sua pressão correspondente a P(CB) = 0,63 atm!

É por isso que costumo orientar aos Mestres de Torra que, em São Paulo, por exemplo, a pressão interna do torrador seja ajustada para compensar a diferença da pressão atmosférica decorrente da altitude local. Afinal, somente conhecemos as propriedades das substâncias a 1 atm.

*Recomendo um app chamado de WolframAlpha que contém dados de Física, Química, Matemática e outras ciências para se conhecer as propriedades das substâncias. 

 Aproveito para recomendar as atividades do Café na Cozinha (@cafenacozinha no Instagram), que são voltadas aos Coffee Lovers...

Morrer de cafeína...

Ensei Neto

Um cartaz com escrita infeliz...

Um cartaz com escrita infeliz...

Muitas pessoas viram esse cartaz e me perguntaram sobre a real possibilidade de se consumir a brutal quantidade de cafeína contida no texto acima, destaque numa cafeteria em São Paulo.
Como se sabe, preparar uma xícara de café nada mais é do que, sob a perspectiva química e industrial, se extrair cafeína sob forma solúvel em água. Aliás, o nome de ambas, Criador e Criatura, mantém direta relação: Café e Cafeína!

A cafeína, sob o ponto de vista químico, faz parte uma família de substâncias denominada de "xantinas" e são do mesmo ramo dos alcalóides. Costumo dizer que todo alcalóide é um veneno, pois além de apresentar o típico gosto dos venenos, o Amargo, a depender da quantidade ingerida, pode ser um incrível estimulante ou simplesmente  letal.

Suporte Cafezeiro, criação da Bronco Co., de Porto Alegre, RS.

Suporte Cafezeiro, criação da Bronco Co., de Porto Alegre, RS.

Os alcalóides, a partir do funcionamento das plantas, é um incrível sistema de defesa das frutas em sua fase mais tenra, quando estão verdes.
Para as plantas, as frutas representam o veículo que fará a perpetuação da espécie ao esparramar as sementes nelas contidas. Enquanto estão em fase de crescimento, que no caso das frutas do cafeeiro ocorre durante o Verão, o risco de ataque de insetos é muito alto, daí a casca externa e a semente apresentarem alcalóides potentes. Com o passar do tempo, durante o processo de amadurecimento, o tipo de alcalóide se modifica, ficando menos agressivo, ao mesmo tempo em que o teor de açúcar gradativamente aumenta, até se atingir a maturação.
No momento em que a fruta do cafeeiro está pronta para ser colhida, portanto, madura, o alcalóide mais importante que fica é a cafeína, que dá o amargor típico de característica vegetal. 

As variedades da espécie arabica tem em geral teor que varia de 1,0% m/m a 1,25% m/m, enquanto que as da canephora, como o Robusta e o Conilon, apresentam quantidade de cafeína e família da ordem de 2,2% m/m. Portanto, bebidas com blends de canephora sempre provocam maior agitação e palpitações que os de 100% arabica.
Porém, a dose letal de cafeína é um número que nos impele a uma maior atenção às bebidas altamente estimulantes: 10 mg/kg de peso corpóreo.
E o que significa esse número? 
Façamos um cálculo simples: imagine uma pessoa que pese 75 kg. Sua dose letal de cafeína corresponde a 750 mg. Portanto, caso essa pessoa consiga ingerir de uma só vez 750 mg de cafeína, seu assento na cafeteria de São Pedro fica garantida...

Mas, qual seria a quantidade de café, a bebida, necessária para atingir essa quantidade?
Imagine que você esteja preparando um café por um sistema de percolação (como o Melitta, Hario ou Kalita), num volume de 500 ml. Vamos considerar que o preparo é com 40 g de café torrado e moído.
Admitindo que a extração tenha sido bem feita e que o teor de cafeína médio seja de 1,2% m/m, é razoável pensar que a quantidade de cafeína extraída dos 40 g será de, desde que a eficiência de extração tenha sido de 20%,  aproximadamente 96 mg, devidamente diluídos em 500 ml de café.
Portanto, numa simples regra de três, o volume de café necessário para que essa pessoa venha a morrer por ingerir seu limite de cafeína corresponde a um pouco mais de 4 litros de café. Como a quantidade letal de cafeína deve ser ingerida momentaneamente, é muito mais provável que essa pessoa venha morrer afogada do que envenenada por cafeína...

Imagine, então, ingerir 200 g de cafeína!!! 

 

Sobre sofismas ou falsas verdades...

Ensei Neto

Uma clássica questão matemática é aquela que tenta se provar que

Para provar que isso pode ser verdade, vamos iniciar com esta equação: 

Observe que em ambos os lados o resultado é o mesmo: - 20 (20 negativo/minus 20).

Caso eu some um mesmo número em ambos os lados, a igualdade permanece. Vamos, então, adicionar 81/4 em ambos os lados da equação:

Utilizando um pouquinho de conhecimento de aritmética, podemos reescrever esta equação adotando multiplicações e números elevados ao quadrado...

Observe que a forma como cada lado da equação está escrita agora, é exatamente o que é denominado de Produto Notável...

1605-Sofismas5.jpg

Considerando que, do lado esquerdo, "a" corresponde a "4" e "b", a "9/2", assim como, do lado direito, "a" corresponde a "5", a equação pode ser reescrita como se segue...

Admitindo-se que a igualdade se mantém, extrairemos a raiz quadrada em ambos os lados. E o resultado fica...

Olha só!

Existe um número semelhante (9/2) em ambos os lados da equação, de forma que podemos simplesmente retirá-lo porque se anulam. Logo, a equação fica...

CQD = Como Queríamos Demonstrar!!!
Não é incrível?

Se você tiver sólido conhecimento de Aritmética, sabe que este resultado é impossível... mas, então, como será que pude demonstrar que é verdade essa afirmação?
Este raciocínio é o que se denomina de Sofisma, isto é, um erro ou, digamos, "pegadinha" que induz a uma verdade que é falsa! 

O erro está no fato de que não é possível extrair a raiz quadrada de um número negativo via conceitos de Aritmética, que no caso é (4 - 9/2).

Da mesma forma, é muito importante ter atenção com os conceitos que permeiam nosso mundo, muitas vezes por teorias mal formuladas em razão de parcos conhecimentos simplesmente por má fé. Sofismas ou Falácias são raciocínios defeituosos.
A lógica da Natureza é muito objetiva e simples, o que torna tarefa inglória ir contra.

Uma das grandes discussões da atualidade é a quantidade de alimentos e bebidas especialmente desenvolvidas para pessoas com algum tipo de restrição alimentar. Se observarmos atentamente, não mais de 20 anos decorreram para o surgimento de uma grande quantidade de produtos para pessoas com restrição ao consumo de gorduras (devido ao colesterol), produtos lácteos sem lactose, produtos com baixo teor calórico, produtos de panificação sem glúten e etcetera e tal...
Esses produtos, que não são naturais ou integrais, tem em sua formulação ingredientes sintéticos para simular a consistência ou sabor ou aspecto similar aos naturais. Uma margarina, que é óleo vegetal modificado e cheio de produtos com o sufixo "antes" como antioxidantes, espessantes, estabilizantes e conservantes, por exemplo, não pode ser mais saudável que uma boa e clássica manteiga de leite! 
Se a gordura pode fazer mal caso ingerida em maiores quantidades, basta ser moderado!

O caminho do equilíbrio passa obrigatoriamente pelo caminho da moderação. É sofisma ou falácia pensar que consumir algo como um iogurte sem lactose é mais saudável que um iogurte integral. 

Pense nisso...
 

 

Café, partículas e sabores

Ensei Neto

Vamos beber um café bacana?

Pausa para um café. Há um sofisticado jogo para se obter os sabores e aromas mais interessantes de cada tipo de semente torrada...

Pausa para um café. Há um sofisticado jogo para se obter os sabores e aromas mais interessantes de cada tipo de semente torrada...

Por detrás desse prosaico convite, há um complexo jogo de sabores que podem ou não compor o que vai ser percebido nessa xícara de café a partir da moagem das sementes torradas. O ritual de  um serviço de café envolve, quando se está na seara dos Coffee Geeks, uma minuciosa escolha da origem das sementes e qual o melhor perfil granulométrico para a extração.

A Extração do Café a princípio parece algo extremamente simples, mas que envolve sofisticada combinação de fatores para se obter singulares notas de aroma e sabor. São vários conceitos científicos que estão envolvidos, mas que podem ser simplificados para que você possa facilmente compreender.

O primeiro dos conceitos que é aplicado é o da Solubilidade. Boa parte dos métodos de preparo de café correspondem a um processo chamado de Percolação, quando um solvente é aplicado a um meio fixo, do qual será extraído o que nos interessa. No nosso caso, o meio fixo é constituído pela camada de pó de café torrado, enquanto que a água faz o papel de solvente ao ser vertida sobre o pó.  

Camada de partículas de sementes de café torradas e moídas após passagem de água quente.

Camada de partículas de sementes de café torradas e moídas após passagem de água quente.

Pelo princípio da Solubilidade, quanto maior for a capacidade de uma substância se combinar com a água, mais rapidamente será retirada do interior de cada partícula do pó de café. Dessa forma, se, por simplificação, agruparmos as substâncias contidas nessas partículas em ordem decrescente de solubilidade, teremos: Ácidos, Açúcares, Compostos Clorogênicos (família da Cafeína) e Óleos. Portanto, o princípio da solubilidade tem relação direta com eficiência de processo.

Há um princípio da Química que relaciona a velocidade de reações com a temperatura do processo. Para facilitar o raciocínio, pense na temperatura como um indicador do nível de energia envolvido num determinado processo (e na verdade, nada mais é do que isso!). 

A partir das chamadas Condições Normais de Temperatura e Pressão (CNTP), que considera 25.C como temperatura de referência, um aumento de 10.C dobra a velocidade de uma dada reação. Portanto, é bastante razoável o uso de água quase fervente para a Extração de Café, pois a eficiência do processo de extração aumenta exponencialmente.

Água, tamanho das partículas, geometria do "bolo de café" e temperatura. Parâmetros de Extração.

Água, tamanho das partículas, geometria do "bolo de café" e temperatura. Parâmetros de Extração.

Outro parâmetro muito importante é a geometria do "meio fixo" que comentei anteriormente e que está relacionado diretamente com a arquitetura do porta filtro. Você pode saber mais sobre este tema neste post.

E, finalmente, há que se considerar o tamanho das partículas do pó do café. O tamanho das partículas determina a área de contato disponível para a atuação da água, tornando mais ou menos eficiente o processo. Quanto menor for a partícula, maior é a área de contato.  

Partículas de café torrado e moído, respectivamente, com (da esquerda para a direita, de cima para baixo) 180 micra, 300 micra, 600 micra e 840 micra.

Partículas de café torrado e moído, respectivamente, com (da esquerda para a direita, de cima para baixo) 180 micra, 300 micra, 600 micra e 840 micra.

O ajuste das mós de um equipamento, bem como seu formato, define o perfil granulométrico que pode ser obtido ao final da moagem, determinando a gama de sabores que você irá perceber na xícara de café. Lembre-se que, ao combinar todos os parâmetros, notadamente a Solubilidade, é possível privilegiar um grupo de sabores!

Existe ainda um outros dois importantes parâmetros para serem considerados: a origem da semente (variedade, local de produção e processo de secagem) e a torra. Porém, isso é tema para outro post...

Com indicação do Companheiro de Viagem Marcio Suzaki, de Brasília, DF, um novo gadget para os Coffee Geeks e Coffee Lovers de plantão está disponível: o Rafino, um jogo de peneiras para você escolher o tamanho de partículas para preparar um café!

Você pode saber mais conhecendo o RAFINO, um jogo de peneiras doméstico para Coffee Geeks e Coffee Lovers.  

 

 

 

 

As origens dos sabores do café - 2

Ensei Neto

Cerejas Descascadas com mucilagem (polpa)

Cerejas Descascadas com mucilagem (polpa)

Ao longo dos 365 dias do ano, existem 4 dias que são particularmente importantes: 21 de Setembro, 21 de Dezembro, 21 de Março e 21 de Junho. Cada um desses dias marca um evento fundamental para compreender como a Natureza e os vegetais trabalham. Agrupados dois a dois, temos os Solstícios e os Equinócios.
Considerando-se os dois hemisférios que a linha do Equador perfaz, tem-se a seguinte sequência para o Hemisfério Sul: 21 de Setembro, Equinócio da Primavera; 21 de Dezembro, Solstício do Verão; 21 de Março, Equinócio do Outono; e 21 de Junho, Solstício do Inverno. Para o Hemisfério Norte, basta antecipar 6 meses cada Estação em relação ao Sul, iniciando-se a Primavera em 21 de Março, o Verão em 21 de Junho, o Outono em 21 de Setembro e o Inverno em 21 de Dezembro. 
Os dias considerados Solstícios marcam, respectivamente, o Dia Mais Longo do Ano, início do Verão, e o Dia Mais Curto do Ano, início do Inverno. 

O Ciclo Fenológico ou das Frutas do cafeeiro seguem o calendário anual, independentemente do local das lavouras, isto é, sempre o início acontece na Primavera, quando as flores permeiam as plantações de perfumada brancura e indicam que a nova safra está se moldando. No Verão, os frutos ganham massa, definindo o tamanho das sementes que predominarão nos futuros lotes, garantidos por generosa quantidade de chuvas e luz em abundância. O Outono, que marca também o momento da colheita, é o tempo em que as frutas amadurecem, resultado da formação dos açúcares previamente definidos pela carga genética de cada planta.

Uma vez colhidos os frutos e suas sementes corretamente secas, temos a matéria prima para iniciar uma outra fase. Vimos que nesta primeira fase são formados exclusivamente substâncias que contribuem com dois Sabores Básicos: o Ácido e o Doce. 
Se você observar a estrutura de um fruto do cafeeiro, apesar de apresentar uma polpa com boa quantidade de açúcares em sua composição, a principal protagonista é a semente, que representa metade da massa da fruta. 
Fica claro que, no caso do cafeeiro, a Natureza potencializou o uso da semente em relação à casca externa e à polpa, tal qual na brasileiríssima jabuticaba. Fazendo-se comparação com uma uva vinífera, esta tem proporcionalmente muito mais polpa do que a semente em peso; portanto, usar a aquosa e açucarada polpa para fermentar e produzir incríveis vinhos é a aptidão que a Natureza lhe concedeu. 

Tanto a uva quanto a fruta do cafeeiro tem na polpa composição muito semelhantes, com açúcares, minerais e água, muita água, que, uma vez isoladas da planta, podem iniciar um processo fermentativo anaeróbico. 
A casca externa dessas frutas funcionam como a nossa pele: não permitem que o conteúdo interno saia aos borbotões, assim como são altamente seletivas quanto ao que pode atravessar a partir do lado externo.

O ar está cheio de vida, dada pela incontável quantidade de microorganismos que pululam por todos os lados. Esses microorganismos são pequenos o suficiente para atravessarem a casca externa através de seus poros, e assim começarem a trabalhar na rica composição da polpa. Cada microorganismo possui capacidade de adaptação e de trabalho a diferentes concentrações de determinadas substâncias como, Açúcares Primários ou Monossacarídeos como a Frutose, Galactose e a Glicose. 

Flora microbiana sobre a casca do fruto do cafeeiro

Flora microbiana sobre a casca do fruto do cafeeiro

Existem microorganismos especializados em realizar a decomposição de açúcares de cadeia longa, como o Amido, em pequenas frações ou monossacarídeos; outros, por exemplo, realizam a conversão dessas moléculas em outras de características químicas bastante diferentes. 
Um bom exemplo, é o que acontece com a fermentação da uva vinífera. Um microorganismo converte os açúcares de cadeia longa da polpa num mar de Glicose, que, através do trabalho de outra levedura, transforma esse monossacarídeo em álcool. 
A fruta do cafeeiro quando atinge o ponto de madura, desliga-se da planta, interrompendo o fluxo da seiva através do fechamento dos dutos de saída que ficam junto ao pedúnculo. Assim sendo, forma-se um sistema fechado, que tem um rico caldo açucarado com microorganismos em ambiente sem oxigênio. Nessa condição conhecida por Anaeróbica, os monossacarídeos formados começam a ser trabalhados por enzimas produzidas por algumas classes de leveduras, cada qual com objetivos bastante específicos. 

Regidas pelas leis naturais, classes de reações com baixa demanda energética são seguidas de outras com maior demanda. E assim por diante. Como resultado, são formados inicialmente moléculas com características florais, seguidas das frutas amarelas e vermelhas, antes de se perceber a nota de mamão papaya, que é indicador do limiar entre o Bem e o Mal. Entenda-se o Mal como o início do apodrecimento, que leva inicialmente ao sabor medicinal semelhante ao da Dipirona ou, como conhecido pelos classificadores de café, Bebida Riada.

Fruto apodrecido contaminando outros

Fruto apodrecido contaminando outros

A polpa da fruta do cafeeiro, concluindo, tem papel fundamental para originar notas de aromas e sabores como florais e frutados, moléculas que são formadas exclusivamente após o início da Senescência. 
Sementes que passarem por cuidadoso processo de secagem, garantem esses aromas após a torra, incorporando-se com outras decorrentes dessa nova etapa.

 

Sobre o fox bean e outras lendas...

Ensei Neto

Sementes de Café - Cerejas Descascadas

Sementes de Café - Cerejas Descascadas

Você já ouviu falar num tipo de grão de café conhecido por Fox Bean?

Há uma lenda que diz que esse tipo de grão é muito apreciado por torrefadores europeus porque sua película de cor marrom é responsável por conferir mais doçura à bebida do café
A fruta do cafeeiro é composta, como pode ser observada nesta foto, como se segue: a Semente, que é torrada para originar a bebida, tem uma fina película denominada Película Prateada, que se desprende durante a torra devido ao aumento volumétrico da semente em razão da Pirólise; entre o Pergaminho, que recobre a Semente e sua Película Prateada, e a Casca Externa há a Polpa, que é formada por uma calda açucarada e minerais.

 

A Polpa pode envolver também a Semente e a Película Prateada. Quando a fruta amadurece, inicia-se o processo conhecido por Senescência, quando ela se desconecta da planta através do fechamento dos dutos por onde passa a seiva. A partir disso, a fruta entra no estágio Passa, quando a Polpa se concentra devido à evaporação da água que ocorre através da Casca Externa. Essa calda açucarada muitas vezes acaba se aderindo à Película Prateada, conferindo-lhe coloração marrom com reflexos brilhantes semelhante à pelagem de uma raposa sob generoso Sol. Essa aderência da calda desidratada à Película Prateada passou a ser conhecida como Fox Bean, comparação romântica (“fox” em inglês significa raposa, enquanto que “bean” é o mesmo que grão), cuja magia foi reforçada com o aroma adocicado que a semente ganha nesse processo. 
Alguns torrefadores europeus que adquiriram lotes de café com a presença dessas sementes notaram que a bebida resultante era bastante adocicada e passaram a acreditar que as notas de Caramelo presentes seriam devido à película marrom do Fox Bean. E assim surgiu a lenda de que esses grãos de café seriam importantes para conferir o tom adocicado à bebida!

Mas, afinal, onde termina a lenda e começa a realidade científica? 
A Película Prateada é constituída de celulose, que depois de formada não sofre qualquer alteração em suas dimensões. Tanto é verdade que quando ocorre a sequência de reações de Pirólise durante o processo de torra de café, a Película se rompe num evento que denomino de “Efeito Hulk”, numa comparação à famosa transformação do Dr. Banner no verdoso gigante. 
Por outro lado, a película esfarrapada, que ficou até com toques de caramelo devido ao açúcar aderido, simplesmente se vai pelos dutos de ar, não fazendo, portanto, qualquer contribuição de sabor à bebida!

De Película Prateada  (Silver Skin) a Fox Bean

De Película Prateada  (Silver Skin) a Fox Bean

Então, por que é que cafés com esses grãos são adocicados e apresentam notas de Caramelo na bebida, se a Película é levada pelo fluxo de ar do torrador? 
Na verdade, o efeito Fox Bean, que é a cor marrom devido aos açúcares da calda concentrada aderida à Película Prateada, nada mais é do que um indicador de que a fruta amadureceu. Simplesmente isso! 
Costumo dizer que, assim como em outras frutas classificadas pelos botânicos como Não Climatéricas, isto é, que somente amadurecem enquanto estão ligadas à planta, a do cafeeiro tem em sua madureza o início de sua morte. Sim, essas frutas morrem no seu auge, quando o teor de açúcares definido pelo DNA é alcançado.

Portanto, se a fruta ficou madura, o teor de açúcares nesse momento fica em torno de 18% m/v ou, caso pudesse ser medido nesse exato momento, 18o Brix, o que pode ser considerado alto para os padrões vegetais. Ao se torrar sementes de frutas maduras, que sempre darão bebidas classificadas como Mole pela Metodologia COB – Classificação Oficial Brasileira ou com mais de 80 pontos SCAA, a nota de Caramelo surge naturalmente, sendo considerada, portanto, obrigatória para cafés de alta qualidade ou especiais! 
E tenha certeza de que se as frutas estavam maduras, suas sementes depois de torradas e moídas, proporcionarão bebidas naturalmente adocicadas e encorpadas, apresentando-se ou não como Fox Bean...

Esse fato nos leva a desmantelar outra lenda, agora rural: algumas pessoas afirmam que os açúcares da polpa da fruta do cafeeiro podem migrar para a semente durante a secagem
É uma afirmação tão tola quanto pensar que o plantio de plantas de damascos ou de abacaxi junto aos cafeeiros irão conferir notas de sabor dessas frutas à bebida... 
A polpa desempenha papel de isca para os animais com o objetivo de criar um estímulo para que a fruta seja consumida e sua semente possa, assim, ser propagada. É uma estratégia muito inteligente das plantas, pois se não houvesse esse atrativo, os animais não consumiriam seus frutos e, consequentemente, não seria possível que uma semente originasse nova planta em diferente local.

Tecnicamente, a composição da polpa é um espelho do que existe na semente, principalmente no tocante aos açúcares. Assim sendo, estando a fruta madura, o sabor da polpa será irretocavelmente doce. No entanto, a despeito disso, os açúcares não tem como migrar para o interior das sementes devido à sua solubilidade em água, que não é alta, e pela baixa permeabilidade junto às paredes celulares. O que pode ocorrer é a que a polpa açucarada fique aderida ao Pergaminho e, eventualmente, à Película Prateada, transformando-a num Fox Bean. 
O teor de açúcares da semente é definido pelo seu DNA e sua formação através do seu Ciclo Fenológico ou, simplesmente, Ciclo da Fruta, que vai da Florada à Senescência, e que dura em média 240 dias; assim, não seriam apenas algumas horas que fariam aumentar tanto o teor de açúcares...

Ah, e tem ainda uma lenda rural que é fantástica: as flores do cafeeiro sempre abrem aos domingos

Bem, desde que comecei a andar pelos Campos do Café, sempre ouvi esta história, em todos os lugares. Dizem que os cafeeiros fazem isso para agradar ao produtor. 
E esta, sim, é uma lenda que deve perdurar...

 

 

 

 

 

As origens dos sabores do café – 1

Thiago Sousa

Verdes, Maduras e Senescentes

Verdes, Maduras e Senescentes

 

O Homem mostrou vocação agrícola ao dominar os cultivos de cereais, possibilitando sua fixação em determinados locais e, portanto, deixando uma vida nômade para a procura de alimentos. O surgimento de pequenas vilas nesse período foi o início da organização das cidades e da vida urbana, havendo criação de postos de trabalho e profissões. 
Em cada localidade, passaram a observar como o Tempo possuía cadência própria, com períodos mais quentes alternados por outros mais frios, bem como o Clima se conjugava e formava um conjunto que tinha grande sintonia.

As plantas têm excepcional capacidade de adaptação ao Clima e ao local,  estabelecendo, assim, um Ciclo de Vida ou de Frutificação com o melhor desempenho possível. Dessa forma, existem plantas que trabalham melhor em clima quente e de grande umidade, como as gramíneas em geral, enquanto que outras desenvolveram mecanismos para suportarem altas temperaturas e baixa umidade do ar, como os cactos. Na verdade, plantas de uma mesma espécie possuem características similares, fazendo expressar seu potencial genético a partir das condições ambientais.

Os cafezais no Mundo se esparramam entre os Trópicos de Câncer e Capricórnio em faixa onde existe maior incidência dos raios solares ao longo do ano. No entanto, o Cafeeiro é originário das densas florestas da Etiópia, sendo ainda hoje sua colheita de forma extrativista naquele país. Quando as primeiras mudas foram plantadas no Yemen, berço da Cafeicultura, locais de grande altitude apresentaram-se mais adequados. Até antes da fraticida Revolução do Café, iniciada em meados de Dezembro de 2010, logo após um Simpósio Internacional de Cafés Naturais que teve lugar naquele pais, as principais regiões produtoras de café estavam localizadas em áreas de 1.500 m de altitude, em Talook, chegando a 3.000m, em Jabal Bura.

Quando se observa com maior atenção onde a Cafeicultura Brasileira é majoritariamente presente e confrontar com o Mapa Climático Brasileiro, é notável a interseção entre as lavouras com o clima Subtropical de Altitude, abrangendo origens como o Norte Pioneiro do Paraná (Jacarezinho), Alta Paulista (Garça), Alta Mogiana (Franca),  Média Mogiana (Espírito Santo do Pinhal e São Sebastião da Grama), Cerrado Mineiro (Araguari, Patrocínio e Monte Carmelo), Sudeste de Minas (Guaxupé, São Sebastião do Paraíso e Poços de Caldas), Sul de Minas (Varginha, Três Pontas e Carmo de Minas), Matas de Minas (Tombos e Manhuaçu) e o Centro-Sul de Minas (Santo Antonio do Amparo).

Não foi por coincidência que ocorreu essa distribuição das lavouras de café. Foi, sim, resultado da busca intuitiva dos produtores pelo clima em que as plantas fossem mais produtivas. Sob visão moderna e racional, nada mais do que avaliar o desempenho metabólico das plantas.

A importância de se ater ao desempenho metabólico dos cafeeiros reside no fato de que para se obter excelentes bebidas é fundamental que as sementes sejam de frutos maduros e de plantas que puderam trabalhar bem durante todo o Ciclo dos Frutos.

Parece algo simples, porém a complexidade desse processo está ligada ao Clima, que está a cada ano mais imprevisível e enigmático. Decididamente, o padrão climático, por exemplo, no Cinturão dos Cafés do Brasil está passando por mudanças que ainda não foram perfeitamente compreendidas. Seca e altas temperaturas em momentos que não são desejadas, chuvas que se prolongam até o início do Inverno e considerável alteração das faixas de temperatura durante as Estações do Ano tem levado a um complexo quebra cabeças que interfere diretamente nas etapas de Maturação dos frutos.

Originalmente, os sabores que são formados nos frutos são aqueles considerados como Sabores Básicos, principalmente os Sabores Doce e Ácido.

A intensidade do Sabor Doce é resultado da quantidade de Açúcares formados durante a fase intermediária e final da Maturação, enquanto que a Acidez é definida pelo processo respiratório. O Ácido Cítrico, que lembra o limão, é presente em 100% das sementes de café, enquanto que o Ácido Málico é um indicador de lavouras de grande altitude.

Os açúcares são formados na fase em que as plantas estão no chamado Metabolismo Basal, quando as temperaturas brandas tem importância absoluta.

Lavouras localizadas em regiões de solo vulcânico contribuem com teores de minerais expressivos nas sementes. É interessante notar que não existem dois solos iguais, o que leva a um número enorme de combinações desses minerais.

De forma  rústica,  a localização da lavoura promove exclusivamente a formação de Sabores Básicos, principalmente o Doce, o Ácido e, eventualmente, o Salgado.

E os outros Sabores?

Bem, isto fica para o próximo post…

Fermentações: quando vinho e café convergem…

Thiago Sousa

Os Sabores e Aromas do Café tem origem em 3 momentos distintos: durante o processo de amadurecimento da fruta, em sua senescência e durante a torra. 
Durante o processo de amadurecimento da fruta, denominado pelo botânicos como Ciclo Fenológico, dois são os Sabores formados: o Doce e o Ácido.

O Sabor Doce é definido pelo perfil de açúcares, enquanto que o sabor Ácido é resultante do processo respiratório. Durante a respiração, são dois os ácidos que podem ser formados: o Cítrico, presente em 100% das sementes de café, e o Málico, que caracteriza plantas cultivadas a grandes altitudes (mais de 1.800 m de altitude).

Um grupo de Aromas e Sabores que vem ganhando especial atenção dos cafeicultores em geral é aquele obtido por processos fermentativos logo que os frutos se tornam maduros. Ah, esse é o momento de glória romântica: morrer no auge!
Sim, os frutos do cafeeiro fazem parte de uma classe chamada pelos botânicos de Não Climatéricos, ou seja, que só amadurecem enquanto ligados à planta. No entanto, logo após atingir o ponto de Maduros, eles se desligam, começando, a grosso modo, sua morte.

Esse fruto possui entre a casca externa e a semente uma rica polpa composta de açúcares, alguns minerais e água, muita água, entre outras substâncias.  A casca externa tem características muito parecidas com a nossa pele: flexível, permite troca seletiva de material, porém, pode apresentar comportamento isolante.

O teor de açúcares fica em torno de18% a 20% m/v, mais do que suficiente para que um processo fermentativo possa ser desencadeado quando existe a combinação com temperatura por volta dos 40oC e ausência de Oxigênio. 
Durante a colheita, os frutos colhidos ao longo do dia ficam alojados em cestos ou sacos onde, amontoados, sofrem com a quase ausência de Oxigênio e, por isso, quase sempre ocorre início de fermentações anaeróbicas.

As uvas viníferas, dentre os principais predicados para a elaboração de um vinho de alta qualidade, devem ter bom teor de açúcares. O processo fermentativo é desencadeado por um grande número de diferentes leveduras, que são microorganismos que possuem atuação exemplar em ambiente aquoso. Existem leveduras que promovem a conversão de açúcares de cadeia longa em açúcares simples como a Glicose, fundamental, por exemplo, para a obtenção dos alcoóis. Outras leveduras, tem como característica elaborarem moléculas que conferem à bebida notas de aroma e sabor como florais ou uma fruta fresca como a maçã.

Nos últimos tempos uma nova vertente que vem conquistando muitos adeptos é a dos vinhos com pequena passagem por madeira. Esses vinhos mais modernos (ou que simplesmente estão resgatando técnicas anteriores…) apresentam estrutura vibrante, com maior presença de notas de frutas frescas e menos austeras provenientes da madeira.

As sementes de café quando descascadas podem manter sua polpa e iniciar fermentação quando postas em grossas camadas, em manejo conhecido como Honey Coffee (na América Central) ou Fermentados a Seco (no Brasil). Com leveduras selvagens podem ser obtidas notas de aromas florais ou de frutas frescas, o que torna cada lote único, pois sua reprodução é extremamente limitada. Trabalhar com leveduras selvagens é como tentar a sorte em uma roleta de cassino, pois não se sabe ao certo quais as que estarão mais aptas a agir.

Cada levedura tem melhor atuação em condições de temperatura e de disponibilidade de materiais específicos, o que torna muito complexo e enigmático o resultado de uma fermentação em condições abertas como nos terreiros de café.

Existem diversas pesquisas no Brasil, Colômbia e alguns países Centro-Americanos que buscam mais dados sobre os processos de fermentação e os sabores que podem ser obtidos, sendo que alguns resultados promissores demonstram que num futuro breve pode se esperar razoável padronização nos resultados numa xícara de café. 
Há hoje nítida tendência de maior oferta de lotes de café com características frutadas, algumas delicadas e elegantes, outras um tanto quanto exageradamente potentes, mas que, sem dúvida, representam essa nova vertente. A partir deste ponto, é notável a convergência entre a produção moderna de vinhos e de café! 
O grande desafio dos cafeicultores reside no fato de que o cultivo do cafeeiro é na Natureza, que é um sistema aberto por excelência, o que aumenta o risco de resultados desastrosos.

Mas é a diversidade de condições e de resultados que torna rica a experiência de se experimentar cada nova safra.