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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

SENSORIAL

Filtering by Tag: Lavouras

Territórios – 2

Thiago Sousa

Escolher variedades de café não é tarefa tão simples quanto parece…

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Os pesquisadores brasileiros são considerados os melhores do mercado no trabalho de melhoramento genético e desenvolvimento de novas cultivares de café. Dentre as instituições mais importantes, certamente o centenário e venerando IAC – Instituto Agronômico de Campinas, de São Paulo,  aEPAMIG, MG, e o IAPAR do Paraná encabeçariam qualquer lista. Pela sua tradição e pelos grandes nomes que compuseram e compõe seus quadros, o IAC é a maior fonte de novas variedades de cafeeiros dentre eles o Bourbon Amarelo, Catuaís e Obatãs.

Dois temas sempre foram focos principais dessas instituições para a pesquisa genética: produtividade e resistência à doenças. A partir destas premissas, muitas das variedades modernas tem parte do robusta em seu DNA a partir do cruzamento com híbridos originários do Sudeste Asiático.

Na primeira foto, o Companheiro de Viagem Vagner Uliana, de Domingos Martins, ES, mostra um ramo de planta da variedade Catucaí, bastante difundida naquela área e nas Matas de Minas, região com a qual faz divisa. Esta variedade é um bom exemplo das que resultaram dos cruzamentos utilizando híbridos. Em geral, apresentam boa produtividade, porém algumas linhagens não são “boas de xícara”, ou seja, características de bebida típicas dos robustas se expressam como um sempre inconveniente toque picante na língua, devido ao maior teor de alcalóides, bem como certa aspereza. Mas, como deve ficar bem claro, esse tipo de resposta depende também em que Território a lavoura de café está!

Sendo um produto com DNAs de diferentes espécies, uma ou outra pode prevalecer em razão das condições climáticas. Ou seja, mais uma vez as características do Território tem influência decisiva “na xícara”.

Observe a segunda, foto com atenção!

Esta é uma flor de um cafeeiro Maragogipe de uma lavoura emPiatãChapada Diamantina, BA. Desta variedade, sua semente é conhecida como Grão Gigante ou Café Elefante, pois em geral tem um tamanho muito maior do que a média!

Estas plantas foram encontradas inicialmente na Bahia e é considerada uma, digamos, variação feita pela Natureza de variedades antigas como o Typica, que é a que foi inicialmente introduzida no Brasil via o Estado do Pará pelo folclóricoSargento-Mór Palheta.

A foto ao lado é de uma lavoura da variedade Typica, que costumo chamar de “Mãe de Todos”, em MulunguMaciço do Baturité, CE. Nesta região, que fica muito próxima à linha do Equador, o modelo de produção é o Agro Florestal, quando as lavouras são sombreadas. Apesar dos 800 m de altitude e do clima ameno, vale lembrar que a incidência dos raios ultravioletas é muito intensa e que sem o sombreamento feito por diversos tipos de árvores, o cultivo e produção do café seria praticamente impossível. Neste caso, houve uma adaptação do Território para a produção de uma variedade antiga.

Devido à busca da Produtividade combinada com Resistência a Doenças, a Qualidade na Xícara ficou quase esquecida. No entanto, um dos maiores geneticistas que o Mundo do Café já teve, Dr. Alcides de Carvalho do IAC, que deixou discípulos tão geniais quanto, como o Dr. Luiz Carlos Fazuoli, sempre teve uma queda particular pela “Qualidade na Xícara”. Algumas das variedades que hoje são consideradas verdadeiras “fábricas” de excepcionais bebidas como o Catuaí Amarelo 62 ou o Icatu Amarelo 3282,  fazem parte dessa maravilhosa história.

Ao lado, outra variedade que oferece excelentes xícaras: Mundo Novo Amarelo 4266. Planta com arquitetura (forma) muito parecida com o Mundo Novo Vermelho das linhagens 374, por exemplo, tem em sua carga genética muito do Bourbon Amarelo. A lavoura onde estas plantas estão é remanescente da geada de 75 e está em São Manuel, SP.

Ver estas plantas intactas e produtivas foi um dos grandes momentos para mim neste ano!

Sobre Joaninhas & Baratinhas: Variedades Híbridas – 2

Thiago Sousa

O Obatã, plantado em larga escala a partir do início da década de 2.000, apresenta alta produtividade desde as primeiras safras, revelando em alguns testes sensoriais feitos a partir de 2005 e 2006 promissora bebida, tendo alguns lotes conquistado importantes posições em concursos de qualidade no Brasil. No entanto, já naquele ano eu havia provado alguns lotes que me intrigaram, pois suas bebidas tinham algumas características sensoriais usualmente não presentes em arabicas como certo picante e untuosidade mais próximas aos robustas. A partir de então, iniciamos um monitoramento mais rigoroso de algumas lavouras em diferentes origens, levando-se também em consideração a idade da lavoura.

Nesta atual safra, algumas evidências já observadas em 2009 se tornaram mais fortes. Dentre as origens escolhidas estão o Oeste de São Paulo e a Média Mogiana/Oeste de Minas Gerais, num total de 4 diferentes propriedades.

Sabe-se que a Genotipia estabelece o potencial de cada característica de um indivíduo, porém o que fará com que esse potencial se concretize ou não são as condições ambientais, que é definido pela Fenotipia. É como se pudesse se afirmar que “O Meio faz o Indivíduo”.

Alguns lotes apresentaram uma bebida de boa característica sensorial com certa complexidade, porém dois chegaram a desconcertar por apresentarem característica sensorialtípica de… Robusta!

Procuramos levantar o máximo de dados desses dois lotes e uma série de evidências puderam ser detectadas: grãos vindos de regiões com grande amplitude térmica na maior parte do ciclo de frutificação, sendo que em uma das propriedades a lavoura se localiza em face de insolação intensa.

Foram feitas torras com repetição e o tempo de torra era sensivelmente mais curto do que o de outras variedades, ficando muito próximo do tempo de lotes de Conilon do Espírito Santo.

Numa inspeção visual, notou-se que nos lotes que apresentaram bebida com toques típicos de canephora havia uma presença perceptivelmente maior dos grãos com o formato “baratinha” do que os redondos, como “joaninhas”. É como se, sob a perspectiva da avaliação sensorial, Dr. Jekill estivesse se transformando no Mr. Hyde.

Por outro lado, algumas linhagens do Catucaí e do Icatu Vermelho desde o princípio apresentaram esse tipo de sabor característico do robusta, por vezes atenuado por um toque adocicado do arabica.

Poderia ter sido mera coinciência?

Isso é novo e oferece novas perspectivas para reflexão.

Imagine como ficaria a comercialização de um lote de café 100% arabica com bebida apresentando toques de robusta! Parece loucura, não?!

As loucas floradas de dezembro

Thiago Sousa

O clima mudou.

Disso ninguém mais duvida. Os filmes catástrofes não precisam mais de Hollywood para os efeitos especiais, pois as chuvas e superventanias estão fazendo estragos verdadeiros em todos os cantos.

No caso da agricultura, o impacto nas culturas que são perenes, ou seja, de árvores ou arbustos que produzem ao longo de muitos anos como as da maçã e  do café, é dramático.

O cafeeiro é uma planta que tem um ciclo de produção bem definido: floração (em geral na primavera), “pegamento” dos frutos, crescimento e maturação dos frutos e colheita (final do outono e inverno), num período que dura algo como 215 a 245 dias. Algumas floradas fora de época podem acontecer (e qual árvore frutífera não tem o seu “temporão”?), mas quase sempre sem afetar muito a uniformidade da maturação dos frutos.

Mesmo quando próximas à linha do Equador, as árvores frutíferas perenes mantém esse padrão para o ciclo de produção. Afinal, um período de descanso é sempre bom!

No caso do cafeeiro, na condição próxima ao Equador, o fator climático que define esse período fértil e o de colheita se resume nas duas usuais estações: uma chuvosa e outra seca. Como a temperatura é sempre suficientemente quente na faixa equatorial do nosso planeta, a combinação de calor e umidade é ótima para o período fértil (florada e fecundação) e crescimento dos grãos. Já o semestre mais seco representa para as plantas o momento para “expulsar” seus frutos, pois amadurecem e estão prontos para serem colhidos. E a continuação da atmosfera mais seca dá sinais à planta de que uma reserva de energia tem de ser direcionada para a perpetuação da espécie: é quando os botões florais começam a dar sinais.

O cafeeiro, como comentado diversas vezes, produz apenas na parte nova dos ramos, comumente chamado pelos produtores de “ramo verde”, pois onde o ramos mantem a casca velha (marrom), é onde ficam os grãos da safra em colheita. É por isso que o crescimento que se vê dos ramos quando do início do tempo das águas representa a florada do ano seguinte e, portanto, a colheita do ano posterior. Isso mesmo, são quase dois anos nesse ciclo!

Este ano houve um “muxoxo” geral dos produtores sobre o clima durante a colheita: chuva sem parar. Até regiões famosas pelo seu clima seco, quase desértico, de maio a setembro, não escaparam dessa mudança climática. E chuva nesse nessa época, além do virtal estrago que faz com a qualidade do café, passa uma informação diferente para a planta.

Sim, a planta interpreta que não houve seca e, portanto, não está sofrendo stress, não há porque se resguardar. Água é o insumo mais importante para a vida!

E assim, além do crescimento dos ramos, que continua com a entrada da primavera e verão, as floradas simplesmente não param de acontecer. É o “Efeito Colômbia”, nome que empreguei pela primeira vez em 1995 quando visitei a região de Barreiras, Oeste da Bahia, onde estava a então surpreendente lavoura irrigada do Sr. João Barata, e que se caracteriza pelas múltiplas floradas ao longo do ano.

Isso preocupa?

Claro, que sim!

Imagine que no Brasil a técnica de colheita mais empregada é a de derriça, seja manual ou mecanizada, quando se retiram todos os grãos do ramo de uma só vez. A colheita seletiva manual somente é viável em propriedades de micro-produtores familiares, pois empregando-se mão-de-obra contratada o seu custo é altíssimo. Grandes fazendas fazem isso apenas poucos e pequenos ou micro lotes.

Sendo assim, quando menos uniforme for a florada, significa que mais problemas de qualidade de bebida e, também, de rendimento de colheita, acontecerão. Por outro lado, é certo que a próxima safra ficará comprometida quanto ao seu tamanho, uma vez que parte da florada que deveria ocorrer apenas na próxima primavera se antecipou.

Quem viver, verá!