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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

MERCADO

Filtering by Tag: Kopi Luwak

Sobre elefantes, concursos, preços e qualidade percebida…- 1

Thiago Sousa

Outro dia surgiu uma discussão muito interessante: depois do Kopi Luwak, do Jacu Bird Coffee (aqui um representante tupiniquim…), do Bat Coffee (sim, café produzido por um morcego mexicano) e do cuspidor Cuíca Spat Coffee (outro reforçando o time brazuca), chegou a vez do Elephant DUNG Coffee, da Tailândia!

Diga-se que este chegou trombeteando a todos os cantos que é o mais caro do mundo, vendido a US$ 1,100 /kg (isso mesmo, mil e cem dólares americanos o kg!) ainda cru. O nome é o mais realista de todos os Defecated Coffees oferecidos no mercado, pois diz exatamente como é produzido.

Muita exoticidade, não?!

Por outro lado, os últimos leilões de concursos de cafés de alta qualidade que hoje estão presentes em praticamente todos os países produtores, registraram lances de altíssimo calibre  feitos por cafeterias do Japão e Coréia do Sul, atingindo cifras impressionantes como foi com um microlote do Panamá que recebeu US$ 111,50 per pound, o que equivale a US$ 14,749.22 ou R$ 29.498,44 a saca de 60 kg!

Perguntaram para mim: será o Fim dos Tempos chegando?!

Uma outra pergunta poderia ser feita: O que seria na xícara um café tão excepcional?

Veja que esta questão vale também para diversas outras bebidas que tem feito muito barulho no mercado, como vinhos e coquetéis entre outros.

Creio que podemos começar a responder levando a questão para uma outra perspectiva: Como percebemos as diferenças sensoriais em níveis crescentes?

Existe um estudo muito interessante que foi desenvolvido pelo Físico e Matemático alemão Gustav Fechner em meados do Século XVIII que procura correlacionar a resposta a um estímulo sensorial com a intensidade desse estímulo. Ele aperfeiçoou conceitos estabelecidos por Ernest Weber ao ditar a famosa Lei de Weber-Fechner (SR = k.logS, onde Sé a intensidade de um Estímulo Sensorial, k uma constante que varia entre zero e um, e SR a resposta ao estímulo), que diz que A resposta a um estímulo é proporcional ao logaritmo desse estímulo. Para melhor compreensão dessa lei, é importante também se conhecer o conceito de Limiar de Percepção Diferencial ou da chamada DIFERENÇA MINIMAMENTE PERCEPTÍVEL – DMP (em inglês JND –Just Noticeable Difference), que mostra o limiar de percepção à menor variação de um determinado estímulo e que é representado pela equação ∂E = c.E, onde ∂E é a mínima diferença percebida na variação de intensidade de um estímulo, c uma constante e E a intensidade desse estímulo.

Muito complicado?

Vamos a um exemplo. Imagine que você tem um fardo de café pesando, digamos, 20 kg. Qual seria a menor quantidade de café adicionada que seria perceptível para quem está carregando?

Admitindo-se que a constante c para este caso seja 0,03, e tendo que E são os 20 kg, o resultado ∂Eserá de 600 gramas. Bem o que significa isso?

Se você colocar mais um pacote de 500 g de café no fardo, esse aumento de peso certamente será imperceptível a quem carrega. No entanto, caso adicione outro de 250g (no total, 750 g), aí, sim, esse aumento será percebido, pois essa quantidade é maior do que a mínima, no caso 600 g!

A partir do conhecimento do conceito de Limiar de Percepção, fica mais fácil de compreender o que o Gráfico de Weber-Fechner quer nos transmitir. Observe que a curva começa com um grande diferencial no início, que declina rapidamente. Como resultado, mesmo com aumentos estáveis na intensidade de um estímulo, a resposta tende a apresentar percepções cada vez mais próximas; portanto, a partir de uma determinada intensidade de estímulo, para que este seja efetivamente perceptível, é necessário que essa intensidade seja cada vez maior! Ufa!

E por que é comentei tudo isso?

É porque nos nossos Cursos de Educação Sensorial, uma das referências utilizadas é justamente a Lei de Weber-Fechner, principalmente para todo o processo de educação do Paladar. A SCAA – Specialty Coffee Association of America determinou em seus protocolos que um lote de Café Especial, além de estar isento de impurezas e problemas verificados por avaliação física, ele tem de apresentar bebida que ultrapasse 80 pontos SCAA. Isso numa escala decimal que vai até cem pontos.

Numa linguagem direta, 80 pontos SCAA é a linha divisória que separa cafés que são agradáveis e absolutamente sem asperezas daqueles que tem adstringência e outros probleminhas, mesmo que discretos. Para o grande mercado de commodities, um Café Especial tem a chamada Bebida MOLE, pois não pode apresentar traço qualquer de adstringência, que sempre é desagradável.

À medida que o conjunto de sementes que forma o lote, em sua grande maioria tenha se originado de frutos maduros, a presença de açúcares (desde que o café tenha passado por uma boa torra) é maior  e, consequentemente, a percepção de Doçura aumenta. É quando a bebida ganha a classificação de ESTRITAMENTE MOLE, pois tem os atributos sensoriais percebidos na Bebida Mole intensificados.    Estes lotes alcançam notas acima de 85 pontos SCAA, sinalizando outra linha divisória, que é a dosCafés Excepcionais  ou Excelentes. Ao se comparar cafés com bebidas de 75 pontos, 82 pontos e 88 pontos SCAA, por exemplo, claramente podem ser reconhecidas as diferenças entre eles, pois tem distância na intensidade dos estímulos suficiente para que sejam muito evidentes. No entanto, a partir dos 90 pontos SCAA, somente pessoas com grande aptidão e muito treinamento tem a capacidade de discernir corretamente os incrementos dos estímulos relativos aos atributos  como Sabor, Acidez, Corpo e Finalização, entre outros, que levarão a números próximos do limite de 100 pontos SCAA

Sobre aromas & sabores do café: Enzimáticos – 2

Thiago Sousa

Como comentei no post anterior, o fato de se colher o café quando está em sua plena maturação, seu teor de açúcares atinge a concentração máxima, propiciando a possibilidade de se ter uma xícara excepcional.

Um fato importante: estamos falando dos açúcares que se formaram dentro do grão. Afinal, é um longo processo que leva em média 225 dias entre o momento da florada até a total maturação. Os açúcares da polpa são um perfeito indicativo do ponto de maturação do grão, porém não será sua maior ou menor presença (e, portanto, concentração) que irá conferir maior ou menor doçura ao café na xícara.

Há uma crença fantasiosa de que esses açúcares irão migrar para o interior do grão, aumentando o teor final de açúcares…

Os processos enzimáticos ocorrem exatamente após o ponto de plena maturação, quando as condições para as reações bioquímicas são extremamente favoráveis: boa concentração de açúcares e outros componentes, junto com boa quantidade de água disponível (caso contrário as reações não aconteceriam!). Caso o clima ajudar… bingo!

Quando o café é retirado da planta e levado para secagem, normalmente o processo é acelerado devido à amontoa dos grãos nos sacos ou mesmo nas carretas. O aumento da velocidade das reações é diretamente proporcional ao aumento da temperatura do sistema (no caso, os grãos amontoados). Observe, porém, que se esse aumento de temperatura ocorrer com ausência de oxigênio (= abafamento), a reação de quebra de açúcares é seguida da transformação dessas moléculas em álcool,que depois se transformam em ácido acético. É quando o café vai literalmente “para o vinagre”, resultando no chamado grão ardido ou fermentado acético.

As notas de aroma como as de frutas amarelasem geral decorrem da formação de alguns adeídos e ésteres, produtos de reações enzimáticas que ocorrem secundariamente, por exemplo, à formação de moléculas de diferentes tipos de álcool.

Os aromas de características florais são formados com mais facilidade, digamos assim, daí estarem presentes tanto em cafés descascados como nos naturais. Porém é quase que uma exclusividade dos cafés naturais apresentarem sofisticadas notas a frutas amarelas (damasco, carambola e banana, por exemplo).

Recentemente, começou uma certa “febre” em apresentar cafés produzidos segundo processos antes de secagem no mínimo exóticos.

Sim, estou comentando sobre o famoso Kopi Luwak ou o“café processado pelo trato estômaco-intestinal de um tipo de gatinho da Indonésia”.

O famoso bichinho acaba usando seu sentido de olfato bastante apurado para localizar apenas os grãos de café perfeitamente maduros. Esta é uma das características da olfação, pois normalmente há uma ligação emocional ou de aspectos que estão ligados ao prazer. O aroma adocicado, em geral, sempre será agradável e proporcionará experiências sensoriais muito boas.

Sendo o civet cat um mamífero, o tempopara um grão de café passear por todo o seu trato digestivo é mais longo que, por exemplo, o de uma ave.

E o representante brasileiro desse, digamos, novo processo de preparação para secagem é o Jacu Bird Coffee, do Henrique Sloper, cuja foto ao lado mostra os grãos organicamente (de forma literal…) processados.

Caso a ave pegue os grãos maduros, o tempo que ficarão em seu trato digestivo é relativamente curto, daí não haver grande adição de novos sabores e aromas por parte do grão de café como ocorre no caso do Kopi Luwak.

O alto teor de água presente no grão de café nessa fase (em torno de 50% quando cereja), faz com que a absorção de aromas e sabores seja muito facilitada. É esse o mecanismo chave para que notas de natureza enzimática tanto no aroma quanto no sabor se pronunciem numa xícara com um belo café.