Contact Us

Use o formulário à direita para nos contactar.


São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

MERCADO

Filtering by Tag: Memória Gustativa

Confie nos seus sentidos ou o sórdido caso do chopp A vendido como B

Thiago Sousa

Na semana passada uma notícia causou comoção entre os apreciadores de um bom chopp em São Paulo: o tradicional Bar do Léo, que fica no histórico reduto boêmio da cidade, foi fechado por vender gato por lebre… ou melhor, vendendo Chopp Brahma e entregando Ashby. Claro crime contra o consumidor, além de enganar os clientes com farta decoração do Chopp “B”, o preço do Chopp “A” é cerca de 40% mais barato.

O caso todo tomou forma quando um advogado, frequentador habitual do bar e fã de seu famoso Chopp do “B”, começou a perceber diferença na bebida. Não só a cremosidade do colarinho, mas o sabor do chopp parecia não ser o mesmo.

Intrigado, perguntou aos garçons se o chopp havia mudado, pois o sabor estava diferente do que ele estava acostumado. Teve como resposta: “o chopp é “B”, se mudou deve ter sido na fábrica…”

Não satisfeito com as respostas, continuou a perguntar até que um garçon respondeu que estavam usando o chopp “A”.

Bingo!

Estava explicada a alteração. Era outro produto!

Foi o suficiente para fazê-lo procurar uma delegacia e dar queixa. Resultado: o famoso e até então inatacável Bar do Lé foi interditado. Muita gente se espantou com o fato, a quase toda maioria totalmente incrédula com o que via e ouvia.

Mas, verdade seja dita: uma fraude foi cometida e medidas foram tomadas pela polícia. Até o delegado lamentou o que estava acontecendo, ele que também era frequentador do bar.

Bem, o que gostaria de comentar não é sobre os fabricantes de chopps, seja “A” ou  ”B”, se a qualidade de um é muito superior ao do outro e outros que tais. A questão que gostaria de abordar é outra, muito distinta: essa mazela toda foi desvendada por alguém que simplesmente confiou em seu sentidos!

O Paladar ou Gustação, como se diz tecnicamente, é o sentido que identifica os sabores quando bebemos ou comemos algo através de um complexo sistema que envolve o estímulo dos sensores que ficam nas papilas da língua, as respostas táteis em toda a boca e as respostas dos sensores do bulbo olfativo quando recebem estímulos retronasais, isto é, que vão da boca ao nariz quando aspiramos algo. Esse conjunto, que nos faz perceber sensações como osSabores Básicos (Doce, Salgado, Ácido, Amargo e Umami), respostas físicas como o Corpo (mais aguado, mais encorpado ou aveludado) e outras notas de Sabores como Herbáceo, Floral como Jasmim ou picante como a Pimenta Vermelha, é único para cada pessoa assim como as digitais.

No caso do Paladar, a densidade de papilas, bem como o seu formato, é fator quase fundamental para classificar as pessoas como muito ou pouco sensíveis à percepção dos sabores.

Estudos realizados de forma coordenada em diversas universidades mostram que 25% da população humana tem baixa quantidade de papilas gustativas, sendo considerados “Pouco Aptos” a serem degustadores. Já metade da população tem uma densidade de papilas que é tida como mediana, de forma que percebem sem dificuldades grande parte dos sabores.

Finalmente, 25% da população corresponde ao pessoal que tem alta densidade de papilas gustativas. Se por acaso não se tornarem Degustadores de alguma bebida, por exemplo, sempre serão comensais dos mais exigentes, pois percebem com facilidade não apenas os sabores, mas a intensidade de cada um. Como o ratinho Remy da deliciosa animação Pixar Ratatouille, cujo trecho sobre Memória Gustativa está em nossa seleção de vídeos.

A mensagem que deixo é a seguinte: não importa quantas e de que tipos de papilas gustativas você tem na língua. O importante, além de saber usar, é sempre prestar atenção em cada mordida ou gole que você der.

Estar atento faz com que você perceba melhor as sensações e respostas do seu corpo.

Foi justamente por prestar atenção aos seus sentidos, confiando em seu Paladar, que o advogado do início deste post conseguiu  desvendar O Sórdido Caso do Chopp A vendido como B

Memória gustativa: Um copo de água e um café

Thiago Sousa

Certamente você já deve ter ouvido falar que em nosso cérebro temos diversos campos de memória, cada qual com sua especialidade. E armazenar experiências envolvendo os nossos sentidos é o que permitirá uma precisão ao comparar algo e uma grande riqueza para descrevê-lo.

 As nossas experiências vividas mesclam sentimentos e sensações, permitindo que, ao nos lembrarmos de qualquer uma delas, nosso corpo reaja como se estivesse novamente passando pela mesma situação. Muitas vezes ao passar por algum lugar, por exemplo, um maravilhoso cheiro de bolo saindo de algum forno nos faz lembrar de uma tia que era uma “boleira” de primeira, fazendo nossa boca se encher de água!

É nossa Memória Olfativa (= Nariz) resgatando experiências deliciosas…

Por outro lado, nossa Memória Gustativa (= Boca) também nos recria momentos maravilhosos. Ou não. Principalmente quando se trata dos Sabores Básicos (Doce, Salgado, Ácido, Amargo e Umami), que são percebidos especificamente na boca pelas diferentes papilas da língua. Seu modo de trabalhar é muito interessante: sempre a última sensação é a que se torna referência para a próxima. É a chamada Memória Gustativa Residual.

Vejamos: você já deve ter observado que as cafeterias em geral tem oferecido juntamente com oespresso ou um belo cafezinho um pequeno copo com água, não?

Pois bem, a água é a nossa Bebida Neutra ou Neutralizadora, pois sua passagem pela língua faz o enxague, que nada mais seria do que uma boa lavada dos nossos Sensores de Sabores Básicos(= as Papilas). Ou seja, a partir deste momento, é como se você apertasse a tecla “reset” dos sensores, de modo que eles ficam “zerados” em termos de medição de presença de qualquer substância que desse um dos Sabores Básicos.

Um bom exemplo: depois de beber uma limonada, que tem na acidez sua principal característica, se o próximo líquido for a água, é bem fácil de perceber que a acidez se dilui, ou seja, vai se tornando gradativamente mais fraca à medida que você continua a beber água. Porém, a primeira sensação a cada novo gole de água é a de que a acidez é mais alta do que após a ingestão da água.

Da mesma forma, se você tivesse ficado apenas numa saladinha temperada com limão e depois pedisse um café, o fato da acidez ter ficado na sua Memória Gustativa Residual poderia gerar uma distorção na sua interpretação da intensidade da acidez do café, podendo lhe parecer menos ácido ou, então, sem acidez!

Sim, o copo de água acaba desempenhando um papel importante para degustarmos, em seguida, o café.

Mas, atenção: isso vale para cafés de boa a alta qualidade!

Imagine que você já lavou a boca e agora vai tomar umespresso. Se no blend desse café tiver Grãos Imaturos ou os chamados Verde Cana, que conferem adstringência (= sensação de boca ressecada, “apertando”) na Finalização (= sensação que fica na boca após engolir o café), ou, ainda pior, algum problema que cause o sabor Amargo (sim, o Amargor é o CONTRAPONTO da Doçura, que é tudo de bom!) essas sensações ficarão mais evidentes!

Portanto, se o blend for de qualidade duvidosa ou inferior, o efeito de se enxaguar a boca antes de beber o café é perverso…

A qualidade do café está diretamente ligado à sua DOÇURA, ou seja, sua quantidade de açúcares nos grãos após torrados. Se a quantidade de açúcares for bem menor do que a ideal e substâncias que podem conferir sabores desagradáveis (principalmente o AMARGO) estiverem em maior presença, a experiência não vai lhe estimular a uma repetição. Apenas para lembrar: somos muito mais sensíveis ao sabor Amargo do que ao Doce (na impressionante proporção de 10.000:1).

Outra evidência: quanto pior o café, mais açúcar é adicionado (= consumido), desequilibrando, novamente, o sabor da bebida…