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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

ORIGEM

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Norte pioneiro do Paraná sob um olhar nipônico

Daniel Kondo

A maior colônia japonesa do mundo encontra-se no Brasil e sua trajetória se iniciou com um chamado para os Campos de Café.

No final do Século XIX, o Japão estava com sua economia arrasada devido a seguidos confrontos bélicos com seus vizinhos continentais como a Coréia. Nesse mesmo período uma revolução social acontecia no Brasil com a Lei da Abolição da Escravatura, mais conhecida como Lei Áurea, assinada pela então Princesa Isabel, filha de D. Pedro II, encerrando por decreto uma das páginas negras da História Social do Brasil.

Com a alforria dos escravos, os fazendeiros produtores de café, juntamente com o governo republicano recém iniciado, foram em busca de trabalhadores em países que estavam passando por grave crise econômica como era o caso do Japão, no Extremo Oriente, e da Itália e Espanha, na Europa.

Foi no Japão que a notícia de que no Brasil o dinheiro dava em árvores repercutiu intensamente!

A primeira leva de imigrantes do País do Sol Nascente aportou em Santos em meados de 1908, esperançosos de fazer fortuna e retornar ao Japão.

O movimento imigratório japonês se reforçava a cada dez anos (meus avós paternos, por exemplo, desembarcaram em 1918) e, uma vez em solo brasileiro, eram conduzidos às fazendas de café no interior de São Paulo e do Paraná. No fluxo de 1927 veio um jovem de nome Haruo Ohara, ainda com 18 anos, que foi designado para trabalhar em uma fazenda no interior de São Paulo. Com grande capacidade de trabalho, conseguiu juntar dinheiro suficiente para comprar um pequeno pedaço de terra nos arredores de Londrina, Norte Pioneiro do Paraná.

Além da inevitável lavoura de café, plantou frutas diversas em sua Chácara Araras, onde criou sua família. Porém, quando tinha 29 anos mergulhou no mundo na fotografia.

Apesar de querer simplesmente fazer um relato fotográfico de sua família e seu dia a dia, Ohara revelou olhar de notável sensibilidade, capturando momentos que emocionam pela beleza plástica e rigor estético.

Com o passar dos anos, esses registros passaram a constituir parte da memória do Norte Pioneiro do Paraná e seus anos de glória. Até a nefasta geada negra de 1975, o Estado do Paraná reinava como o maior produtor de café do Brasil, responsável por quase metade de tudo o que se produzia. Porém a partir do inverno de 1975, o parque cafeeiro quase se extinguiu, restando menos de 10% da área cultivada e fazendo o Paraná perder 80% de seu faturamento.

Algumas geadas menores depois, apesar de uma assustadora em 1994, o Norte Pioneiro retomou seu caminho como Origem de grande importância não apenas pela sua saborosa história e sua incrível Terra Roxa, mas pelas características sensoriais redescobertas em excelentes lotes de café.

Ohara capturou e perpetuou alguns dos mágicos momentos desse rico período da cafeicultura paranaense como poucos. Na foto ao lado, tirada em 1965, está seu filho em primeiro plano, vendo-se uma bela lavoura de café ao fundo, no Sítio Hasegawa, Londrina, PR. Observe a belíssima composição e a delicadeza das sutis variações do cinza!

Ohara faleceu em 1999, com 90 anos.

Em 2008, sua família doou esse rico acervo para o Instituto Moreira Salles, que publicou nesse mesmo ano o livro Haruo Ohara – Fotografias (IMS, 2008, 159 páginas).

PSLondrina não faz parte da área com Indicação de Procedência NORTE PIONEIRO DO PARANÁ, cuja gestão estratégica é feita pela ACENPP – Associação dos Cafés Especiais do Norte Pioneiro do Paraná.

Produtos de território: Promovendo origens

Daniel Kondo

Nesta semana foi anunciada a mais nova Origem de Cafés do Brasil que teve concedida suaIndicação de Procedência (I.P.) pelo INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial: o Norte Pioneiro do Paraná. É a terceira origem que obteve essa concessão, após o Cerrado Mineiro e aSerra da Mantiqueira de MG.

Na verdade, este é um primeiro estágio de um longo processo que pode estimular a economia local de forma integrada e global. O reconhecimento dos chamadosProdutos de Território, que tem no vinho e queijos certamente os produtos mais conhecidos, se inicia pela notoriedade da origem produtora. A localidade tem de ser reconhecida pelo público e mercado pelo seu produto. A notoriedade é a fama construída de forma consistente e contínua, assim como o trabalho de um excelente médico ou um inspirado artista.

No caso do café, o caminho seguido é aquele em que a qualidade sensorial dos lotes produzidos nessas origens passa a fazer fama entre os apaixonados e “loucos” por café. Em geral, os primeiros resultados se devem ao êxito alcançado em concursos de qualidade ou através da seleção por torrefações de prestígio que tem como princípio preservar e promover a origem de cada lote adquirido.

A Indicação de Procedência, como estabelecida pelo INPI e que segue linha distinta da WIPO – World Intellectual Property Organization e seu Tratado de Lisboa, reconhece apenas o local onde existe um produto ou um serviço que alcançou fama muito além de suas fronteiras. Apenas isso.

A Indicação de Procedência não tem o mesmo status daDenominação de Origem (D.O.), que vincula as características sensoriais particulares de um produto com o seu território como acontece com um Vinho do Porto de Portugal ou um Queijo Grana Padana da Itália. Estes produtos possuem sabores e aromas muito particulares, que os fazem reconhecidos por paladares até minimamente treinados em diversos países. É importante destacar que a D.O. se aplica a produtos de origem agropecuária, pois há um necessário vínculo sensorial.

Obter o reconhecimento para uma D.O. é muito mais resultado de um complexo trabalho que abrange educação do consumidor (ensinar a ele os sabores que fazem parte de um café tipicamente produzido em Jacarezinho, PR, por exemplo, é uma tarefa fundamental!), promoção da região através de um projeto turístico e, principalmente, organização, muita organização por parte dos produtores e suas comunidades.

Com a I.P. é possível criar roteiros atraentes para que consumidores passem a visitar as origens e conhecer sua cultura local. Veja que isso pode ser um grande estímulo para ajudar na preservação dos usos e costumes culinários de uma região!

Outra sugestão é a de divulgar os sabores de seus produtos, educando o paladar dos seus fãs cativos com a industrialização, oferta de  serviços e a venda de cafés com a identificação de seus produtores, além de uma completa descrição de como o lote foi produzido. Isso agrega valor, desperta o interesse e cria um círculo virtuoso de esforços e sucessos.

As portas estão definitivamente abertas!

Subtropical, Serjão, subtropical! – 5

Daniel Kondo

A seleção boliviana de futebol, mesmo os clubes daquele país no caso da Copa Libertadores da América, sempre marca seus jogos em cidades de grande altitude, como La Paz, que está localizada acima dos 3.000 m acima do nível do mar. Isso não é por acaso…

O ar rarefeito daquela altitude faz com que a sensação de peso seja menor (a bola atinge velocidade maior do que num jogo de praia…), bem como para os jogadores não adaptados, traz dificuldade para respirar depois de uma corrida. As elevadas altitudes afetam o metabolismo, tornando ideal uma respiração mais pausada.

A respiração mais lenta devido às grandes altitudes tem impacto considerável nas plantas também.  O ar rarefeito tem sua relação entre o Oxigênio e Nitrogênio alterada, ficando o oxigênio com menor presença, o que obriga os seres vivos a respirarem ralentando como forma de adaptação.

A respiração tem ligação direta com o chamado Ciclo de Krebs ou do Ácido Cítrico, que, de forma simplificada, contribui para a formação de ácidos importantes no café, principalmente o Ácido Cítrico e, secundariamente, o Málico. A respiração lenta dá condições de maior presença desses ácidos, daí o Ácido Málico ser mais comum em cafés de origens muito elevadas.

A temperatura ao longo do ano tem impacto direto no Ciclo Fenológico da fruta do cafeeiro, que vai da florada ao ponto cereja.

É interessante observar que as necessidades variam em cada fase desse ciclo. O início, que é a florada e sua fecundação se dá com temperaturas não tão elevadas e ar com umidade relativa média a alta. Na fase da “Adolescência”, umidade elevada e temperaturas mais elevadas é um conjunto que se torna tudo de bom para as frutas do cafeeiro. Chegando na fase do amadurecimento, o ideal é ter um ambiente com temperaturas mais baixas e menor umidade, que coincide com o final do Verão e início do Outono. Se compararmos com o nosso ciclo de vida, essa fase corresponde a quando queremos estabilidade e tranqüilidade, combinando com o momento em que temos a verdadeira percepção das coisas da vida. Ou seja, é quando começamos a ficar mais sabidos

Ficarmos mais sabidos, como digo, é quando passamos a observar as coisas sob perspectiva mais sofisticada, enxergando sutilezas imperceptíveis quando somos mais jovens. Por exemplo, não é mais a quantidade de garrafas de cerveja que foram tomadas num encontro de amigos da faculdade que importa, mas a gama de sabores que uma determinada marca tem e podemos perceber.

Prazer é qualidade, não quantidade!

O mesmo efeito que a grande altitude provoca na forma de respirar, obrigando-a mais lenta por ajustes fisiológicos, é observada quando o ciclo fenológico é alongado em razão das temperaturas do local. E aqui a Latitude tem papel muito importante.

Nas regiões Subtropicais as menores temperaturas adequadas à agricultura ocorrem nas áreas mais baixas!

Observe este Gráfico Sensorial de um lote de café produzido na Fazenda Califórnia, em Jacarezinho, noNorte Pioneiro do Paraná. Dos oito cafés apresentados como um painel dos cafés dessa origem, este era o que  disparadamente tinha a maior intensidade de acidez, que combinada com uma doçura de excepcional proporção,  se mostrou licorosa, impressionando a todos. A surpresa foi ainda maior quando souberam que esse lote de café foi produzido no local mais baixo de todos os apresentados.

Subtropical!

Assim disse ao Companheiro de Viagem Sérgio Parreiras Pereira, mais conhecido por Serjão do IAC(Instituto Agronômico de Campinas), sobre qual seria a razão determinante de toda a riqueza de sabores e intensidades que puderam ser experimentadas nos cafés do Norte Pioneiro do Paraná.

As deliciosas e impressionantes xícaras de cafés dos diferentes produtores mostraram tudo!

Subtropical, Serjão, subtropical – 4

Daniel Kondo

As origens dos vinhos em geral se localizam em latitudes maiores que 30o , podendo se estender a até 48o de latitude, onde predomina o Clima Subtropical por excelência.

parreira e o cafeeiro são frutíferas que produzem somente em ramos novos, apesar das arquiteturas completamente distintas. Sim, enquanto a parreira é uma planta que precisa de, digamos, fios condutores para se esparramar, o cafeeiro é um arbusto que chega a ser imponente como uma conífera, com algumas variedades lembrando o formato de pinheiros. A parreira que produz uvas viníferas é podada todo final de safra para que novos ramos cresçam após o tempo de dormência. O cafeeiro precisa lançar novos internódios para que botões florais possam ter lugar.

A localização do Cinturão Vinícola no mundo segue uma lógica que tem por base a busca por uma combinação equilibrada de insolação e faixas de temperatura adequadas. Excelente é o Verão que tem dias longos e boa quantidade de chuvas, pois esse é o período que corresponde ao que chamo de Momento Adolescência dessas frutas: precisam de muita energia (portanto muita luz!), pois o crescimento é absurdamente rápido (muita água para preencher os espaços criados…), tal qual os adolescentes!

No final do Verão e início do Outono, semelhante a quando chegamos ao ponto de nossa maturidade, continuando a comparação, as frutas precisam de equilíbrio entre luz e temperaturas, pois é quando asreações mais sofisticadas acontecem em seu interior. Esofisticado para as plantas significa produzir e acumular açúcares nos frutos. É nesse ponto que cai por terra o conceito detemperatura média anual para se considerar um local apropriado ou não para o cultivo dessas duas plantas.

Modelos modernos e sofisticados que empregamos utilizam média ponderada por momento fenológico, pois em cada fase do Ciclo do Fruto as necessidades de energia são diferentes e, portanto, as temperaturas reinantes tem de estar sincronizadas.

Observe abaixo o Gráfico Sensorial de um lote produzido na Fazenda Jaboticabal, de Johann Nick, em TomazinaNorte Pioneiro do Paraná, e que tive a oportunidade de apresentar a um seleto grupo de amigos e colegas juízes degustadores durante a FICAFÉ 2011, em Jacarezinho, PR.

A complexidade deste café é algo surpreendente e emocionante!

Isso foi possível porque combinou-se uma variedade que tem uma impressionante capacidade de adaptação ao Clima Subtropical, em parte devido à sua porção vinda do DNA de robusta. O ciclo da fruta foi impensavelmente longo, permitindo que uma riqueza de sabores viessem à tona, sustentados por uma doçura que chega a ser bestial, resultado de um fabuloso período com predomínio do metabolismo basal.

Criei este Gráfico Sensorial especialmente para a FICAFÉ e que é bastante intuitivo, ao mesmo tempo que dá pistas de elementos muito sofisticados.

O círculo da esquerda, que tem cores que vão do verde ao alaranjado, mostra a formação das notas de  Aromas & Sabores na frutificação e senescência. Portanto, você deve tomar como ponto inicial as notas HERBAIS, seguindo-se das FLORAIS, de FRUTAS CÍTRICAS, FRUTAS AMARELAS/TROPICAIS e FRUTAS VERMELHAS.

O círculo central e o da direita são notas de Aromas & Sabores formados durante a torra do café, sendo o central resultado das Reações de Maillard, enquanto que os da direita surgem durante a intensificação do processo de pirólise. No entanto, o círculo central é a chave do que é a qualidade de um café, pois o que determina a sua qualidade global é a colheita de frutos maduros, que, traduzindo-se para as nossas papilas, significa presença de AÇÚCARES e, portanto, do sabor DOCE. Os açúcares durante as Reações de Maillard caramelizam (é como fazer uma calda de caramelo colocando açúcar numa panela e levar ao fogo) e é por isso que para cafés bacanas ou Cafés Especiais SEMPRE o sabor de CARAMELO é OBRIGATÓRIO. Escrevi em maiúsculas para deixar bem claro que algo que sempre é encarado como um atributo maravilhoso é, na realidade, o primeiro e necessário  indicador de que o café é de alta qualidade (= colhido maduro e secado direitinho)!

Durante as Reações de Maillard surgem em sequência as notas de Aromas & Sabores de NOZES (Amendoim, Nozes, Amêndoa e Avelãs), CARAMELO (Mel, Caramelo e Toffee) e CHOCOLATE (que começa com Manteiga e chega no Chocolate, o Dark).

Quando se inicia a Pirólise, temos como sequência a notas de Aromas & Sabores que denominamos RESINOSOS, que estão no  Xarope de Maple e Erva Doce, por exemplo, as ESPECIARIAS LEVES como Baunilha, Anis e Canela, para, finalmente, chegar nas ESPECIARIAS PICANTES como Cardamomo e Pimenta do Reino.

Observe que boa parte das notas de Aromas & Sabores é uma mescla de dois e até três grupos. Um exemplo: a Baunilha tem uma mescla Floral, com leve passagem pelo Caramelo e de Especiarias Leves!

Subtropical, Serjão, subtropical! – 3

Daniel Kondo

Temos um dilema em casa.

Minha filha adora banhos com água muito quente, diria que quase pronta para despelar tomates, enquanto que eu prefiro aquela com temperatura morna a fria. Da mesma forma, eu me sinto muito bem em temperaturas baixas (algo como 12o a 18o C me fazem feliz), enquanto que minha filha adora dias calorosamente quentes.

O ser humano tem notável capacidade de adaptação aos diferentes climas porque fazemos parte de seleto grupo chamado de Animais de Sangue Quente, isto é, que tem um sistema para manter a temperatura corporal constante, conhecida como Homeostase. A temperatura do corpo humano é de 36,7o C e se subir acima dos 42o C  nosso corpo literalmente começa a cozinhar, enquanto que abaixo dos 35o C um colapso vem pela hipotermia.

De forma semelhante, plantas frutíferas como o cafeeiro, a macieira e a videira, que estão no grupo de vegetais mais sofisticados, tem uma temperatura ideal de trabalho, quando sua performance é máxima, ou seja, naquela que o metabolismo da planta está a 100%, como dizem os Fisiologistas.

É provável que você tenha ouvido dizer que as maçãs precisam de uma certa quantidade de horas de temperaturas baixas para obterem excelente qualidade. Até a década de 1980 haviam plantações de maçãs, principalmente da variedade Rainha, no Oeste de São Paulo, na região de Paranapanema. Nessa época asmaçãs argentinas dominavam o mercado brasileiro com sua variedade Gala, de cores vibrantes e mais saborosas que as brasileiras de então. Foi nessa época que se iniciou o cultivo da maçã Fuji nos planaltos de Santa Catarina, tendo Fraiburgo e São Joaquim como importantes pólos. Rapidamente essas maçãs conquistaram o consumidor brasileiro pela sua grande doçura em equilíbrio com uma  esplêndida acidez, junto a uma textura divertidamente crocante. Tudo isso é resultado do ajuste entre clima e macieiras, lembrando que essa é uma das regiões mais frias do Brasil, com nevascas certeiras em todos invernos.

A temperatura de 23o C é considerada a ideal para o cafeeiro, quando seu metabolismo está em seu auge. No entanto, conforme a temperatura sobe, a performance da planta decai gradativamente até a temperatura crítica de 32o C, condição em que o consumo de energia é maior do que sua produção (lembre-se da fotossíntese!). Em sentido contrário, temperaturas abaixo de 17o C tendem a iniciar o processo de dormência no cafeeiro. Naturalmente, esses números podem sofrer discreta variação devido à variedade (= sua base genética) e insolação, entre outros fatores.

Assim como aconteceu com a produção de maçã nos altiplanos de Santa Catarina, estamos observando algo semelhante na cafeicultura. Sim, estou comentando sobre o Norte Pioneiro do Paraná.

Preste atenção neste mapa ao lado. Estes são os municípios que compõem essa região. No sentido da seta verde, que corresponde ao alinhamento Sudoeste-Nordeste, a altitude diminui à medida que segue para o Nordeste (de quase 1.000 m para menos de 500 m). Outro detalhe: aproximadamente 40% dessa região está abaixo do Trópico de Capricórnio, isto é, em autêntica áreaSubtropical, que é diferente do clima Subtropical de Altitude.

Levando-se em conta que nessa região as Estações do Ano são bastante distintas, principalmente com os dias são muito longos no verão e curtos no inverno, é razoável se esperar um comportamento diferente dos cafeeiros.

Certamente a mais importante constatação é o tamanho do ciclo de frutificação, que vai da florada ao ponto cereja (maduro): algumas variedades ultrapassam surpreendentes 300 dias!

Sim, o cafeeiro pode se comportar como uma típica planta de clima subtropical…

A retomada dos grandes vôos…

Daniel Kondo

Existem várias estórias que retratam a capacidade de retomada depois de um grande revés. Certamente a mais famosa é a da Fenix, mitológico pássaro que quando velho morria consumido por chamas geradas por si próprio, porém logo em seguida renascia de suas cinzas.

Considero a passagem da série Harry Potter (sim, assisti a todos os filmes da série porque minha filha fez parte dessa maravilhosa geração de pequenos fãs!) cujo episódio era A Câmara Secreta com uma Fenix como uma das mais belas!

Imagine um lugar que tem um solo muito fértil e, portanto, uma rara vocação agrícola reforçada pela presença de imigrantes italianos, alemães e poloneses. Bela mistura, não?

Bem, isso é o Norte do Paraná!

Esse solo fertilíssimo é conhecido como Terra Roxa, numa tradução simplória da expressão italiana Terra Rossa(rossa = vermelha). Ah, tem ainda o clima que é muito comportado, com as tradicionais estações do ano muito bem definidas, pois boa parte do Paraná está em latitude maior que o do Trópico de Capricórnio. Portanto, Primavera, Verão, Outono e Inverno são bem definidos. Com tudo isso, era natural que o café se tornasse um dos cultivos de grande interesse.

Norte Pioneiro do Paraná tem esse nome para a cafeicultura porque foi onde ela se iniciou.

Observe bem o mapa ao lado. Na ponta do Noroeste estáJacarezinho, município que viveu a pujança do Ciclo do Café e que é a porta de entrada para quem vem de São Paulo, mais precisamente, da vizinha Ourinhos. Esta cidade é um interessante ponto de convergência, pois faz ligação com a Alta Paulista, uma das mais importantes origens paulistas de café ainda em atividade, e, também, com a Alta Sorocabana e parte do Centro-Oeste.   Só para nos situarmos, Garça é a cidade-polo da Alta Paulista, enquanto que Piraju tem esse papel na Alta Sorocabana e, há muitos anos atrás, Botucatu para o Centro-Oeste.

A divisa do Paraná e de São Paulo é feita pelo Rio Paranapanema, tendo ao longo a bonita Represa de Xavantes. Jacarezinho, PR, e Ourinhos, SP, fazem o papel de ligação entre esses Estados.

A cafeicultura se alastrou de forma impressionante, pois o fértil solo dava muito do suporte às lavouras. E  assim o Paraná se tornou o maior entre os Estados produtores de café, mantendo um longo reinado até o fatídico ano de 1975, quando a maior geada que o Brasil conheceu (e que definitivamente transformou o Mapa das Origens dos Cafés do Brasil!) dizimou quase todas aquelas lavouras. Muitos produtores perderam tudo.

Geada Negra em lavoura de café é como incêndio em fábrica de papel. Simplesmente não sobra nada…

Aqueles que tiveram condições pegaram suas malas e cuias e saíram em busca de novos lugares para continuar sua missão de cultivar lavouras de café. Foi quando as terras do Cerrado Mineiro ganharam novo colorido e sotaque.

No entanto, aqueles que permaneceram no Paraná, iniciaram uma longa e, por vezes, dolorosa jornada de reconstrução. Este processo, o de reconstrução, faz com que as pessoas reflitam mais sobre cada novo passo, em geral com maior dose de desprendimento porque tudo se reinicia. Por outro lado, esse sentimento motiva a busca por novas soluções, com muito empenho e atenção aos detalhes.

A busca de uma nova identidade foi o ponto de partida para a fundação da ACENPP – Associação de Cafés Especiais do Norte Pioneiro do Paraná. Arregaçam as mangas nova geração de produtores, muitos sem qualquer vínculo com o passado (afinal, 1975 já está distante…) e dispostos a percorrerem novas rotas.

Um dos trabalhos mais difíceis é o de mudar a percepção do mercado quanto à qualidade dos cafés produzidos na região. Depois de anos a fio cultivando-se café como era feito na Era Pré-Geada, o mercado vê o Café do Paraná como aquele com muitas xícaras defeituosas, quase sempre com fermentações indesejáveis e contaminações por terra, por exemplo. Portanto, de preços distantes daqueles praticados em regiões que se impuseram como produtoras de cafés de boa qualidade.

Mas… sangue novo e cabeças desprendidas sempre fazem coisas surpreendentes…

E tenham certeza, irão escrever uma Nova História da Cafeicultura do Norte Pioneiro do Paraná.

Umami: um raro sabor no café

Daniel Kondo

Até recentemente, quatro eram os Sabores Básicos, percebidos especificamente na língua, considerados: DoceSalgadoÁcido e Amargo.

O que distinge um sabor básico de um complexo é o fato de que este último precisa da ajuda do nossoOlfato para ser sentido, como o de frutas ou um dos chocolates. O Nariz tem papel fundamental para captarmos esse tipo de sabor e que faz parte de uma paleta muito extensa. Por outro lado, os sabores básicos, que podemos dizer que são tipicamente da Boca, podem ser percebidos mesmo que estejamos constipados, pois a língua é o principal “equipamento” de identificação!

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Cada sabor básico possui um receptor específico, isto é, uma molécula que “reconhece” o estímulo provocado por um deles especificamente, transmitindo imediatamente a informação para o cérebro, que compara com o que está na “biblioteca” (= nossa memória gustativa) e identifica, finalmente, o sabor.

No início do século passado, o pesquisador japonês Kikunae Ikeda conseguiu identificar um receptor para o Ácido Glutâmico, cuja presença lhe pareceu notável em alimentos com alto teor de proteína, principalmente carnes. A esse novo sabor, confirmado em 1969 por pesquisadores da Universidade de Miami, deu-se o nome de Umami, que ganhou status de Sabor Básico, sendo o quinto desse seleto time.

O Umami é o sabor típico de proteínas, em geral compostas por aminoácidos que tem átomos de enxofre em sua estrutura molecular. Este, inclusive, é um dos sinais identificadores da sua presença num determinado alimento ou bebida.

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Para pessoas acostumadas com os sabores da culinária oriental, este sabor fica relativamente fácil de, digamos, compreender. Um bom exemplo onde encontrá-lo é no molho, conhecido por tarê, usado para marinar um típico prato japonês de verão, oHiashi Somen, que lembra o macarrão capellini.  O molho é feito através de uma redução em água de um tipo de alga marinha, mais larga, cultivada principalmente nos mares ao norte do arquipélago japonês, cogumelos e lascas de peixe seco.

Para as pessoas que não tem tanta familiaridade com os sabores orientais, creio que o sabor de batata doce é o mais fácil para criar uma associação.

No café é um sabor raro de se encontrar. Porém, tive a oportunidade de encontrar num lote produzido na Fazenda Califórnia, de propriedade da família do Luiz Roberto Saldanha Rodrigues, em Jacarezinho, Norte Pioneiro do Paraná.

Na foto acima vemos como o ciclo de frutificação da variedade Obatan é longo, particularmente para aquela localização, apresentando um fases distintas por período muito acima do esperado, principalmente por se tratar de um lavoura com primeira produção. Por isso, também pudemos inferir que possivelmente a acidez do café poderia ser acima da média. Bingo!

Esse lote, que recebeu o número de #145, tem aroma com notas iniciais que lembram batata doce e doce de marron glacê, além de um fundo como capim limão. Na boca, a primeira surpresa, para os afeitos à culinária oriental, vem o sabor típico de algas marinhas e o cogumelo negro shitake, seguido de  notas como rapadura e erva cidreira, complementados por uma presença de intensa e elegante acidez cítrica.

Por tudo isso, este lote fez juz para integrar o Projeto Sharing Coffees, onde cafeterias irmãs, no Brasil e no exterior, compartilham o mesmo lote, num modelo de grande sinergia de informações e experiências. No caso, está disponível no Brasil na high tech cafeteria Ateliê do Grão, de Goiânia, GO, e em Tokyo, Japão,  na Horiguchi Coffee.

Sobre tesouros escondidos – 2

Daniel Kondo

“Tesouros escondidos são tesouros a serem descobertos.” Ryota ItoNovembro de 2010.

Que todas as origens de café potencialmente podem oferecer alguns desses tesouros, não resta dúvida. A questão primordial que sempre toca fundo nos pesquisadores é saber realmente o que é que faz surgir essas jóias.

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Está claro que o café é um produto resultante das influências geográficas como solo e clima. Utilizar sabiamente conhecimentos de geografia pode render pistas muito relevantes!

Um dos pilares do conceito clima é a latitude em que se encontra a lavoura. A Latitude, que é a distância a partir da linha do Equador, define como é a distribuição da luz ao longo do ano.

Luz é energia, luz é tudo para as plantas, uma vez que são os energéticos raios ultravioletas que estimulam a fotossíntese. Assim, todos os processos bioquímicos que conduzem tanto o crescimento dos ramos quanto a frutificação são regidos por uma intrincada matriz de distribuição de luz, tanto na quantidade como na intensidade. A maior distância do Equador faz com que as Estações do Ano (Primavera, Verão, Outono e Inverno) sejam mais pronunciadas, modulando a duração da claridade em cada mês. Por exemplo, estamos próximos do final da Primavera e em alguns locais já se percebe como o sol desponta mais cedo e se põe mais tarde.

Um dos lotes de café mais interessantes que provei nesta safra é da variedade Obatan, que apresenta excepcional leque aromático, impressionante complexidade de sabor e uma supreendente acidez cítrica licorosa. Os cafés produzidos no Norte Pioneiro do Paraná são tradicionalmente conhecidos pela sua acidez muito delicada, conceito que desmoronou por completo! Agora, o detalhe: a lavoura que o originou está a meros 580 m de altitude, quebrando o paradigma que considera grandes elevações como fator fundamental para se produzir cafés com grande acidez.

Outro fator fundamental é a escolha da variedade, que tem de ser criteriosa e perfeitamente em sintonia com as características geográficas. O plantio é uma etapa de grande importância, onde a escolha da variedade pode decretar literalmente seu fracasso ou estrondoso sucesso.

Observe a flor nesta foto. Para especialistas, logo salta aos olhos o seu formato diferente.

Apesar de manter as tradicionais 5 pétalas, estas possuem proporção pouco usual, bem como o posicionamento dos pistilos que correspondem à parte masculina da flor. Ah, falando em flor, apenas por curiosidade, sabia que o cafeeiro e a gardênia são primos? Distantes, mas primos…

Esta é a flor da rara variedade Maragogipe. Perfeitamente adaptada em sistema sombreado na baiana Chapada Diamantina, seus frutos são exagerados no tamanho, bem como no perfil de açúcares, oferecendo experiências maravilhosas na xícara!

Escolher corretamente a variedade a ser plantada é uma arte dominada por poucos, até porque além de profundo conhecimento de geografia, dominar os diversos aspectos da fisiologia da planta é fundamental.

 Coffee Hunters (= Caçadores de Café) de ponta também são sensíveis degustadores, muitos com títulos como Juízes Certificados SCAA – Specialty Coffee Association of America ou Q Graders Licenciados pelo CQI – Coffee Quality Institute,e são também exímios Mestres de Torra.

Sólidos conhecimentos de Ciência, Física e Química compõe o currículo de formação de uma cintilante geração de Mestres de Torra que vem despontando no mercado. Muitos saíram dos bancos de escolas de tecnologia de alimentos, outros de química ou mesmo de engenharia eletrônica aplicada, caso do Phil Robertson, de Calgary, Canada, que possui interessantes pesquisas sobre o efeito dos diferentes mecanismos de transmissão de calor na construção da Curva de Torra.

O bom conhecimento acadêmico aliado à experiência de campo somados à da torra e degustação tem formado esse novo profissional. Ah, não deve ser esquecido que uma grande dose de espírito de aventura também dá o “tempero” final…

Veja neste link a bela matéria escrita pela Hanny Guimarães, que acompanhou o pessoal do Projeto 2do Curso para Caçadores de Café:

http://revistagloborural.globo.com/Revista/Common/0,,EMI188352-18077,00-OS%20CACADORES%20DE%20CAFE.html

Nos campos de café do Paraná: Norte Pioneiro – 2

Daniel Kondo

Uma das características mais marcantes do Norte do Paraná é o fato de que boa parte de suas lavouras se situam próxima ao Trópico de Capricórnio, algumas áreas ainda mais ao sul. Assim, o que temos é um Cafeicultura Subtropical.

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Pois é, fica diferente do que tradicionalmente se pode imaginar, que é o plantio de café entre os trópicos!

Justamente por essa condição, as imigrações de europeus como alemães, suiços e até poloneses foi muito intensa para essa região.

Observe esta foto, tirada numa propriedade em Ibaiti. É uma paisagem muito distante das tradicionais áreas cafeeiras do Brasil, onde os grandes casarões coloniais impõem-se nas centenárias fazendas, com suas indefectíveis cores azul escuro e branco.

Um ar europeu nos faz aguardar por xícaras com café passado na hora…

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No município de Santa Mariana, próximo a Cornélio Procópio, visitei a Fazenda Palmeira, pertencente à Família Gamerschlag, que possui uma impressionante infraestrutura para secagem, armazenagem e beneficiamento de café.

O emprego de muita madeira, exibindo grande arte nas construções, torna as instalações muito amigáveis e acolhedoras, refletindo-se no belo trabalho de ações sociais daquela família com seus funcionários.

Nesta foto, por exemplo, pode ser vista a moega (isso mesmo: moega!) que alimenta os secadores.

Muito bacana,não?

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Apesar das agruras devido às geadas do início desta década, há um movimento entre os produtores que tem o objetivo de resgatar o brilho que essa região já teve na cafeicultura.

Criou-se uma entidade aglutinadora, a ACENPP – Associação de Cafés Especiais do Norte Pioneiro do Paraná, que vem estimulando os produtores a seguirem as trilhas dos cafés de alta qualidade.

A região tem propriedades que, em sua maioria, são menores daquelas encontradas em regiões como o Sul de Minas, Mogiana ou Cerrado, o que leva a um trabalho artesanal ainda mais intensivo. Um esforço interessante: as marcas de café “Single Origin” (de uma determinada propriedade) que se multiplicam pela região, como se vê nesta foto.

Isso me lembrou o caso da famosíssima ilha de Kona, em Hawaii. Seus disputados cafés são produzidos em micro sítios (ou seriam nano fazendas…) de 1 ha em média. No início dos anos 90, das quase 600 propriedades cafeeiras, já existiam mais de 220 marcas de café torrado como Single Origin!

Quem sabe não estamos presenciando um modelo desses aqui no Brasil?…

Para finalizar, veja este divertido vídeo: é um criativo catavento com uma boneca colhedora de café que encontrei na Fazenda Palmeira, em Santa Mariana.