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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

ORIGEM

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A lenda da renovação da águia e o cafeeiro renovado

Ensei Neto

Lavoura de 20 anos renovada pela técnica de "esqueletamento".

Lavoura de 20 anos renovada pela técnica de "esqueletamento".

Certamente você já deve ter lido ou assistido a uma palestra de auto ajuda conhecida como "A renovação da águia". 
Essa história comenta que a águia, ao chegar a uma certa idade e com os bicos já desgastados e com trincas, resolve se refugiar em montanhas onde inicia um processo de auto mutilação que passa pela retirada de suas penas uma a uma com o bico, a retirada de cada garra de seus pés e, finalmente, bate incessantemente contra a parede com seu bico até que ele se desprenda. Repousa como que hibernada por 150 dias para, então, ressurgir vigorosa e com seu corpo renovado, penas, garras e bico, partindo para o vôo de sua nova vida.

OK, é uma lenda, pois nenhum animal faz automutilação, a não ser que, segundo veterinários e biólogos, esteja acometido de alguma doença. Outro fato é saber como a água consegue sobreviver por 150 dias sem se alimentar ou saciar sua sede. Daí, simplesmente, se sabe que é outra "lenda urbana" ou, melhor, "lenda rural"...

Fora do mundo fantasioso, há um ritual muito semelhante praticado nas lavouras de café através de técnicas de poda que podem ser o Decote, a Poda Drástica ou até o Esqueletamento.

O cafeeiro é uma planta que, como se sabe, surgiu nas florestas dos planaltos da Ethiopia, acostumado com generosa sombra das grandes árvores, que proporciona um clima, digamos, aconchegante. 
No Brasil, desde o início de seu plantio ainda no Século XVIII, ganhou status de grande lavoura, estabelecendo um novo Ciclo Econômico tão pujante quanto foram o da Cana de Açúcar e do Ouro.

Cafezal recém plantado.

Cafezal recém plantado.

Justamente pelo fato dos agricultores brasileiros estarem acostumados a lidar com monocultura em grandes extensões, atividade conhecida como "plantation", a cafeicultura rapidamente conquistou espaço, principalmente na hoje Região Sudeste. Diferentemente de sua origem no chamado Leste Africano, no Brasil as lavouras de café estão a pleno sol, ganhando, por isso, maior capacidade produtiva.
Os produtores rapidamente desenvolveram técnicas que tinham como objetivo aumentar a produtividade da lavoura, como, por exemplo, o plantio em linha. Nos Séculos XVIII e XIX todo o trabalho era feito por escravos vindos da África e uma das forma dos capatazes, bem como os Senhores do Café, conferirem se esses trabalhadores estavam em atividade foi realizar o plantio em linha no sentido "morro abaixo", ou seja, literalmente descendo os morros. Essa prática agrícola fez com que diversos terrenos perdessem rapidamente sua fertilidade devido à lixiviação, que é o arraste de parte da terra pela água das chuvas.

O tempo passou e novas práticas foram sendo desenvolvidas, melhorando não apenas a produtividade, mas, também, obter o melhor desempenho dessa árvores. 
Na cafeicultura moderna, as lavouras sofrem uma renovação que podem ser desde a substituição das plantas, quando um novo plantio é realizado, mas também através de técnicas de poda. 

O cafeeiro é uma árvore frutífera que produz somente nas partes novas de seus ramos, preferencialmente onde ainda o tecido externo não é lenhoso, que lembra a mesma textura do tronco. Portanto, é normal que os frutos fiquem na parte ainda verde dos ramos.
Conforme a árvore ganha idade e, portanto, passe por muitas safras, pode perder gradativamente sua capacidade produtiva em razão dos ramos tornarem-se muito longos, o que faz o processo de deslocamento da seiva menos eficiente.

Tronco de cafeeiro podado e novo ponteiro despontando.

Tronco de cafeeiro podado e novo ponteiro despontando.

As novas técnicas de cultivo combinadas com variedades mais vigorosas têm permitido que as primeiras safras em grande escala aconteçam por volta dos 36 a 48 meses, a depender da região, mantendo elevada produção por 5 ou 6 anos. Ao final deste primeiro ciclo, geralmente é realizada operação conhecida por "decote", quando se corta a planta em altura equivalente a 2,00 m em média. Acredita-se que ao se lançarem novos ponteiros, força-se o crescimento dos ramos laterais.

Após um novo ciclo de 6 a 7 anos, é feita nova poda, que pode ser a uma altura menor no tronco, seguido do desbaste dos ramos laterais em operação conhecida por "esqueletamento", pois se tem a impressão de terem sobrados esqueletos de cafeeiros na lavoura...

Cafezal que passou por processo de poda e esqueletamento.

Cafezal que passou por processo de poda e esqueletamento.

Contando 17 anos em média, quando entre 25 e 30 anos de cultivo as lavouras são efetivamente erradicadas para novo plantio, a alegoria com a lenda da renovação da águia se encaixa perfeitamente para o esqueletamento do cafeeiro.

O novo ponteiro e o conjunto renovado de ramos laterais proporcionam excelente capacidade de produção, pois novas partes não lenhosas se desenvolvem em profusão. Adicionalmente, há que se levar em conta que o sistema radicular é o de uma árvore adulta, portanto, com maior capacidade para buscar água profunda, bem como nutrientes. É como se uma uma mente de grande conhecimento e saber se alojasse num corpo jovem.

O resultado: excelente capacidade produtiva por um bom par de anos!
Ao menos isto não é lenda...            

Os frutos do cafeeiro ocorrem em partes novas dos ramos.

Os frutos do cafeeiro ocorrem em partes novas dos ramos.

                 

Sobre os desafios da produção de café – 1

Daniel Kondo

Depois de um longo silêncio, devido a um período particularmente intenso de trabalhos, volto a escrever pedindo, antes de mais nada, desculpas pela demora.

Porém, o que chamou a atenção nessas últimas atividades foi a sempre angustiante pergunta feita por produtores e alguns pesquisadores sobre como lidar com os Desafios da Produção de Café. Resolvi dar minha contribuição com esta série.

Como se sabe, o café é uma bebida classificada como Produto de Território porque sofre influência direta de sua Localização (que leva em conta a Latitude, a Altitude e Modelo de Exposição ao Sol onde a lavoura está plantada), sua Botânica (porque cada variedade, devido à sua carga genética, tem um modo particular de, digamos, trabalhar…) e o Manejo (que são as técnicas e tecnologias empregadas pelo produtor).

Ao mesmo tempo, devido à sua gigantesca produção, colocando-se como o segundo produto mais comercializado no mundo, as sementes cruas do cafeeiro, conhecidas no mercado internacional como GREEN COFFEE, faz parte do grupo das chamadas Mercadorias Comuns ou Commodities.

As Commodities são regidas por duas leis implacáveis, formuladas por grandes pensadores da Economia: a primeira diz que “a incorporação de tecnologias permite o aumento constante da produtividade”, enquanto que a segunda lei, “em decorrência da Primeira Lei, os preços tendem a ficar mais baixos”.

Se observarmos a evolução da cafeicultura ou seu modelo de produção a partir dos anos 1970 sob a ótica da Primeira Lei, que se refere à incorporação de tecnologias, no Brasil  ela se comportou perfeitamente!

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Naquela época, a Geografia da Cafeicultura do Brasil se concentrava entre os Paralelos 21o  e 23o Sul: Sul de Minas, Mogiana, Alta Paulista e o pujante Norte do Paraná. Em 1975 ocorreu uma das maiores geadas de todos os tempos, arrasando boa parte da produção do café brasileiro, principalmente das áreas mais distantes da Linha do Equador.

Cafeicultores do Paraná se deslocaram em massa para outras localidades, traumatizados com os estragos do frio invernal, começando a se fixar na pontinha mineira do Planalto Central, que ficou conhecida como Cerrado Mineiro. Cidades como Araguari e Patrocínio receberam grandes levas de produtores paranaenses e também da Alta Paulista, onde recomeçaram sua missão de produzir o Negro Vinho.

Áreas planas, extensas a perder de vista; clima estável com apenas duas estações, a chuvosa e a seca. Esse foi o ponto de partida do novo desafio: desbravar o Cerrado, a nova fronteira da cafeicultura.

O modelo de plantio mais comum de cafezais no Norte do Paraná e na Alta Paulista, regiões que são bastante próximas, era o chamado Quadrado: as covas onde as plantas eram fixadas formavam quadrados com lado em torno de 3,6 m a 4,0 m, sendo que colocava-se de 2 a 4 plantas de café em cada cova. Se fizermos uma conta rápida, verifica-se que a densidade populacional de cafeeiros (fazendo as contas pelo número de covas) era muito baixa: meras 625 covas por hectare (lembrando que 1 ha = 10.000 m2). Mesmo com 2, 3 ou 4 plantas por cova, o desempenho da lavoura não era tão bom porque problemas com as plantas invariavelmente aconteciam.

Foi quando ganhou importância os estudos com espaçamento e o aumento da densidade populacional saltou rapidamente: plantios mais modernos, conhecidos como Em Renque, ou seja, quando os cafeeiros formam uma fila, se tornaram predominantes, fazendo com que essa população por unidade de área passasse para números expressivamente maiores, como 2.500 plantas/ha, 3.500 plantas/ha e até 5.000 plantas/ha.

O Rearranjo Espacial foi suficiente para que a produtividade aumentasse dramaticamente em pouco mais de 15 anos, saindo de pouco mais de 6 sacas de 60 kg/ha para 16 sacas/ha. Já no final dos anos 90, a média de produtividade de café do Brasil começou a se aproximar das 20 sacas/ha.

O plantio Em Renque permitiu que rapidamente um Segmento de Apoio à produção se desenvolvesse: a Mecanização.

O final dos anos 1980 e meados de 1990 foi um período muito fértil no surgimento de tecnologias para os trabalhos de campos. Adubadeiras, aplicadoras de calcáreo, pulverizadores e até colheitadeiras surgiram a partir da percepção da indústria e seus “Professores Pardais” de que a mecanização nas lavouras era um caminho sem volta. Até porque, ainda que pontualmente, era notado um fluxo crescente de trabalhadores do campo para as cidades.

Os dados do IBGE mostram claramente que o Brasil naquela época estava consolidando seu perfil populacional como (quase) estritamente urbano, quando mais de 70% da população do pais vive nas cidades.

Aumentar a produtividade, atendendo à Primeira Lei das Commodities, naquele período se deu exclusivamente pelo Rearranjo Espacial.

Incrível, não?