A lenda da renovação da águia e o cafeeiro renovado
Ensei Neto
Certamente você já deve ter lido ou assistido a uma palestra de auto ajuda conhecida como "A renovação da águia".
Essa história comenta que a águia, ao chegar a uma certa idade e com os bicos já desgastados e com trincas, resolve se refugiar em montanhas onde inicia um processo de auto mutilação que passa pela retirada de suas penas uma a uma com o bico, a retirada de cada garra de seus pés e, finalmente, bate incessantemente contra a parede com seu bico até que ele se desprenda. Repousa como que hibernada por 150 dias para, então, ressurgir vigorosa e com seu corpo renovado, penas, garras e bico, partindo para o vôo de sua nova vida.
OK, é uma lenda, pois nenhum animal faz automutilação, a não ser que, segundo veterinários e biólogos, esteja acometido de alguma doença. Outro fato é saber como a água consegue sobreviver por 150 dias sem se alimentar ou saciar sua sede. Daí, simplesmente, se sabe que é outra "lenda urbana" ou, melhor, "lenda rural"...
Fora do mundo fantasioso, há um ritual muito semelhante praticado nas lavouras de café através de técnicas de poda que podem ser o Decote, a Poda Drástica ou até o Esqueletamento.
O cafeeiro é uma planta que, como se sabe, surgiu nas florestas dos planaltos da Ethiopia, acostumado com generosa sombra das grandes árvores, que proporciona um clima, digamos, aconchegante.
No Brasil, desde o início de seu plantio ainda no Século XVIII, ganhou status de grande lavoura, estabelecendo um novo Ciclo Econômico tão pujante quanto foram o da Cana de Açúcar e do Ouro.
Justamente pelo fato dos agricultores brasileiros estarem acostumados a lidar com monocultura em grandes extensões, atividade conhecida como "plantation", a cafeicultura rapidamente conquistou espaço, principalmente na hoje Região Sudeste. Diferentemente de sua origem no chamado Leste Africano, no Brasil as lavouras de café estão a pleno sol, ganhando, por isso, maior capacidade produtiva.
Os produtores rapidamente desenvolveram técnicas que tinham como objetivo aumentar a produtividade da lavoura, como, por exemplo, o plantio em linha. Nos Séculos XVIII e XIX todo o trabalho era feito por escravos vindos da África e uma das forma dos capatazes, bem como os Senhores do Café, conferirem se esses trabalhadores estavam em atividade foi realizar o plantio em linha no sentido "morro abaixo", ou seja, literalmente descendo os morros. Essa prática agrícola fez com que diversos terrenos perdessem rapidamente sua fertilidade devido à lixiviação, que é o arraste de parte da terra pela água das chuvas.
O tempo passou e novas práticas foram sendo desenvolvidas, melhorando não apenas a produtividade, mas, também, obter o melhor desempenho dessa árvores.
Na cafeicultura moderna, as lavouras sofrem uma renovação que podem ser desde a substituição das plantas, quando um novo plantio é realizado, mas também através de técnicas de poda.
O cafeeiro é uma árvore frutífera que produz somente nas partes novas de seus ramos, preferencialmente onde ainda o tecido externo não é lenhoso, que lembra a mesma textura do tronco. Portanto, é normal que os frutos fiquem na parte ainda verde dos ramos.
Conforme a árvore ganha idade e, portanto, passe por muitas safras, pode perder gradativamente sua capacidade produtiva em razão dos ramos tornarem-se muito longos, o que faz o processo de deslocamento da seiva menos eficiente.
As novas técnicas de cultivo combinadas com variedades mais vigorosas têm permitido que as primeiras safras em grande escala aconteçam por volta dos 36 a 48 meses, a depender da região, mantendo elevada produção por 5 ou 6 anos. Ao final deste primeiro ciclo, geralmente é realizada operação conhecida por "decote", quando se corta a planta em altura equivalente a 2,00 m em média. Acredita-se que ao se lançarem novos ponteiros, força-se o crescimento dos ramos laterais.
Após um novo ciclo de 6 a 7 anos, é feita nova poda, que pode ser a uma altura menor no tronco, seguido do desbaste dos ramos laterais em operação conhecida por "esqueletamento", pois se tem a impressão de terem sobrados esqueletos de cafeeiros na lavoura...
Contando 17 anos em média, quando entre 25 e 30 anos de cultivo as lavouras são efetivamente erradicadas para novo plantio, a alegoria com a lenda da renovação da águia se encaixa perfeitamente para o esqueletamento do cafeeiro.
O novo ponteiro e o conjunto renovado de ramos laterais proporcionam excelente capacidade de produção, pois novas partes não lenhosas se desenvolvem em profusão. Adicionalmente, há que se levar em conta que o sistema radicular é o de uma árvore adulta, portanto, com maior capacidade para buscar água profunda, bem como nutrientes. É como se uma uma mente de grande conhecimento e saber se alojasse num corpo jovem.
O resultado: excelente capacidade produtiva por um bom par de anos!
Ao menos isto não é lenda...