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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

CIÊNCIA

Questão: Um bom café tem que ser 100% arábica?

Thiago Sousa

Renato Fernandes é editor do website Café Point (www.cafepoint.com.br), um dos mais importantes fóruns de “Livre Pensar”, informações e debates sobre os diversos elos da cadeia produtiva do café.

Aqui, Renato, como Companheiro de Viagem, faz uma interessante provocação sobre o uso das variedades Robusta e Conillon da espécies canephora, tão desprezadas pelos produtores das nobres varietais de Coffea arabica:

É comum vermos, em embalagens de cafés gourmet ou especiais, a expressão “100 % arábica”, como garantia de qualidade. Assim como, lermos, em notícias que citam o robusta, a explicação de que este é usado para fazer café solúvel.
Como é bem relatado na página da Wagro – World Alliance of Gourmert Robustas, até a década de 70, o café importado pela Europa era predominantemente robusta e com essa matéria-prima, se produziam, inclusive, os spressositalianos. A Wagro nos conta também que, até meados dos anos 50, não havia um diferencial de preço tão substancial entre esses cafés, comercializados em Londres, e os arábicas suaves, comercializados em Nova Iorque. Somente após um quadro de escassez de arábica, estabelecido com as geadas ocorridas no Brasil, em 1955, se estabeleceu um prêmio para esse café, o qual se magnificou, com o tempo, levando ao diferencial de valor hoje existente.
Enquanto o mercado de arábica amadurecia, com novos atributos sendo destacados, no caso do robusta, junto com a diferença no preço, instalava-se um ciclo vicioso, que levou a menores tratos culturais e à negligência do seu processamento, já que se tratava de um produto de segunda categoria. O que foi mais drástico, no Brasil, pelo fato do conilon, nossa variedade de Coffea canephora (o arábica é C. arábica) ser, inicialmente, caracterizada por produzir grãos de menor tamanho. Além de, ao contrário do arábica, o robusta ser uma planta de fecundação cruzada, o que dificultava, em muito, os processos de melhoramento genético.

Assim como uma revolução na caracterização da qualidade do café arábica brasileiro vem ocorrendo, desde a década passada, no conilon, pode-se dizer que esta foi dividida em duas frentes. Primeiramente, uma equipe de pesquisadores do INCAPER, ligado ao governo do estado do Espírito Santo (estado que mais produz conilon no Brasil), desenvolveu variedades de conilon propagadas por mudas clonais, com produtividade e tamanho de grão bem melhores que os materiais plantados até então e, juntamente com isso, sistemas de adubação e podas, o que começou romper o ciclo vicioso, mencionado acima.

Rompido o primeiro paradigma e também devido às necessidades operacionais de grandes plantios empresariais de conilon, começou-se a processá-lo por via úmida (fazendo o famoso CD, mencionado por Neto em várias oportunidades, para o arábica). São justamente estes cafés conilon CD que começam a romper a barreira segundo a qual não se pode ter cafés gourmet com inclusão de conilon noblend. Possibilidade demonstrada em pesquisa recente feita pela Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) e pelo CETCAF, também do Espírito Santo.

Em resumo, uma vez provado que, bem processado, o conilon pode estar nos blends de café gourmet, abre-se o espaço para que alguns de seus atributos, como maior corpo e formação de uma espuma mais duradoura nos spressos, possam ser as futuras justificativas para a sua inclusão se dê por complementariadade ao arábica, não por preço e, quem sabe daqui a nem tanto tempo assim, sejam vistas marcas de café estampando, por exemplo e orgulhosamente, as inscrição “90% arábica e 10% conilon do Brasil”.