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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

CIÊNCIA

Filtering by Tag: Fazenda Califórnia

Subtropical, Serjão, Subtropical! – 5

Thiago Sousa

A seleção boliviana de futebol, mesmo os clubes daquele país no caso da Copa Libertadores da América, sempre marca seus jogos em cidades de grande altitude, como La Paz, que está localizada acima dos 3.000 m acima do nível do mar. Isso não é por acaso…

O ar rarefeito daquela altitude faz com que a sensação de peso seja menor (a bola atinge velocidade maior do que num jogo de praia…), bem como para os jogadores não adaptados, traz dificuldade para respirar depois de uma corrida. As elevadas altitudes afetam o metabolismo, sendo ideal uma respiração mais pausada.

A respiração mais lenta devido às grandes altitudes tem impacto considerável nas plantas também.  O ar rarefeito tem sua relação entre o Oxigênio e Nitrogênio alterada, ficando o oxigênio com menor presença, o que obriga os seres vivos a respirarem ralentando como forma de adaptação.

A respiração tem ligação direta com o chamado Ciclo de Krebs, responsável pela geração de energia para realizarmos as mais simples atividades como piscar, que, de forma simplificada, contribui para a formação de ácidos importantes no café, principalmente o Ácido Cítrico e, secundariamente, o Málico.
A respiração lenta dá condições de maior acúmulo desses ácidos, sendo que o Ácido Málico é indicador de cafés cultivados em grandes altitudes.

A temperatura ao longo do ano tem impacto direto no Ciclo Fenológico da fruta do cafeeiro, que vai da florada ao ponto cereja.

É interessante observar que as necessidades variam em cada fase desse ciclo. O início, que é a florada e sua fecundação se dá com temperaturas não tão elevadas e ar com umidade relativa média a alta. Na fase da “Adolescência”, umidade elevada e temperaturas mais elevadas é um conjunto que se torna tudo de bom para as frutas do cafeeiro. Chegando na fase do amadurecimento, o ideal é ter um ambiente com temperaturas mais baixas e menor umidade, que coincide com o final do Verão e início do Outono. Se compararmos com o nosso ciclo de vida, essa fase corresponde a quando queremos estabilidade e tranqüilidade, combinando com o momento em que temos a verdadeira percepção das coisas da vida. Ou seja, é quando começamos a ficar mais sabidos

Ficarmos mais sabidos, como digo, é quando passamos a observar as coisas sob perspectiva mais sofisticada, enxergando sutilezas imperceptíveis quando somos mais jovens. Por exemplo, não é mais a quantidade de garrafas de cerveja tomadas num encontro de amigos da faculdade que importa, mas a gama de sabores que um mestre cervejeiro imprimiu em uma determinada marca e podemos perceber.

Prazer é qualidade, não quantidade!

O mesmo efeito que a grande altitude provoca na forma de respirar, obrigando-a mais lenta por ajustes fisiológicos, é observada quando o ciclo fenológico é alongado em razão das temperaturas do local. E aqui a Latitude tem papel muito importante.

Nas regiões Subtropicais as menores temperaturas adequadas à agricultura ocorrem nas áreas mais baixas. É o efeito dinâmico das correntes de ar.

Observe este Gráfico Sensorial de um lote de café produzido na Fazenda Califórnia, em Jacarezinho, no Norte Pioneiro do Paraná. Dos oito cafés apresentados como um painel dos cafés dessa origem, este era o que  disparadamente tinha a maior intensidade de acidez, que combinada com uma doçura de excepcional proporção,  se mostrou licorosa, impressionando a todos. A surpresa foi ainda maior quando souberam que esse lote de café foi produzido no local mais baixo de todos os apresentados, abaixo de 500 m de altitude.

Subtropical!

Assim disse ao Companheiro de Viagem Sérgio Parreiras Pereira, mais conhecido por Serjão do IAC(Instituto Agronômico de Campinas), sobre qual seria a razão determinante de toda a riqueza de sabores e intensidades que puderam ser experimentadas nos cafés do Norte Pioneiro do Paraná.

As xícaras de cafés dos diferentes produtores comprovaram tudo isso!

Umami: um raro sabor no café

Thiago Sousa

Até recentemente, quatro eram os Sabores Básicos, percebidos especificamente na língua, considerados: DoceSalgadoÁcido e Amargo.

O que distinge um sabor básico de um complexo é o fato de que este último precisa da ajuda do nosso Olfato para ser sentido, como o de frutas ou um dos chocolates. O Nariz tem papel fundamental para captarmos esse tipo de sabor e que faz parte de uma paleta muito extensa. Por outro lado, os sabores básicos, que podemos dizer que são tipicamente da Boca, podem ser percebidos mesmo que estejamos constipados, pois a língua é o principal “equipamento” de identificação!

Cada sabor básico possui um receptor específico, isto é, uma molécula que “reconhece” o estímulo provocado por um deles especificamente, transmitindo imediatamente a informação para o cérebro, que compara com o que está na “biblioteca” (= nossa memória gustativa) e identifica, finalmente, o sabor.

No início do século passado, o pesquisador japonês Kikunae Ikeda conseguiu identificar um receptor para o Ácido Glutâmico, cuja presença lhe pareceu notável em alimentos com alto teor de proteína, principalmente carnes. A esse novo sabor, confirmado em 1969 por pesquisadores da Universidade de Miami, deu-se o nome de Umami, que ganhou status de Sabor Básico, sendo o quinto desse seleto time.

O Umami é o sabor típico de proteínas, em geral compostas por aminoácidos que tem átomos de enxofre em sua estrutura molecular. Este, inclusive, é um dos sinais identificadores da sua presença num determinado alimento ou bebida.

Para pessoas acostumadas com os sabores da culinária oriental, este sabor fica relativamente fácil de, digamos, compreender. Um bom exemplo onde encontrá-lo é no molho, conhecido por tarê, usado para marinar um típico prato japonês de verão, oHiashi Somen, que lembra o macarrão capellini.  O molho é feito através de uma redução em água de um tipo de alga marinha, mais larga, cultivada principalmente nos mares ao norte do arquipélago japonês, cogumelos e lascas de peixe seco.

Para as pessoas que não tem tanta familiaridade com os sabores orientais, creio que o sabor de batata doce é o mais fácil para criar uma associação.

No café é um sabor raro de se encontrar. Porém, tive a oportunidade de encontrar num lote produzido na Fazenda Califórnia, de propriedade da família do Luiz Roberto Saldanha Rodrigues, em Jacarezinho, Norte Pioneiro do Paraná.

Na foto acima vemos como o ciclo de frutificação da variedade Obatan é longo, particularmente para aquela localização, apresentando um fases distintas por período muito acima do esperado, principalmente por se tratar de um lavoura com primeira produção. Por isso, também pudemos inferir que possivelmente a acidez do café poderia ser acima da média. Bingo!

Esse lote, que recebeu o número de #145, tem aroma com notas iniciais que lembram batata doce e doce de marron glacê, além de um fundo como capim limão. Na boca, a primeira surpresa, para os afeitos à culinária oriental, vem o sabor típico de algas marinhas e o cogumelo negro shitake, seguido de  notas como rapadura e erva cidreira, complementados por uma presença de intensa e elegante acidez cítrica.

Por tudo isso, este lote fez juz para integrar o Projeto Sharing Coffees, onde cafeterias irmãs, no Brasil e no exterior, compartilham o mesmo lote, num modelo de grande sinergia de informações e experiências. No caso, está disponível no Brasil na high tech cafeteria Ateliê do Grão, de Goiânia, GO, e em Tokyo, Japão,  na Horiguchi Coffee.

True Stories from Coffee People: Gente do Café – 3

Thiago Sousa

A estória real que gostaria de contar é sobre os esforços que algumas pessoas fazem para manterem viva a memória do café em nosso país.

O Companheiro de Viagem Luiz Roberto Saldanha Rodrigues formou-se me agronomia pela tradicionalíssima Escola Luiz de Queiroz, USP de Piracicaba, uma das mais tradicionais escolas dessa natureza do Brasil. Ainda nos bancos da faculdade conheceu a bela Flávia Garcia Jacob que, como imãs, jamais se separaram desde então.

Viveram no Mato Grosso, cuidando de um propriedade onde se criava gado de corte. No entanto, havia uma idéia fixa por parte de Luiz, que havia conhecido a legendária Fazenda Califórnia, que fica em Jacarezinho, Norte Pioneiro do Paraná, próximo à divisa com o Estado de São Paulo por Ourinhos.

Depois de uma longa negociação, a Fazenda passou às mãos de sua família em meados da década de 2.000, iniciando, então, um minucioso trabalho de recuperação da vasta documentação histórica dessa impressionante propriedade.

No início do século passado, quando o Brasil já mantinha por décadas o posto de maior produtor mundial de café, desbancando a Indonésia e sua mítica Sumatra, muitas casas de comércio internacional vieram para cá, formando base de negócios.

Naquela época, o governo brasileiro permitia que a exportação de café fosse feita apenas por empresas que tivessem mantivessem a atividade agrícola também. Esta foi a razão pela qual o grande empreendedor norte-americano Leon Israel adquiriu terras em Jacarezinho e instalou a Fazenda Califórnia, há mais de 80 anos atrás. Toda a estrutura da fazenda foi elaborada por professores da Univerdade da California, cujos documentos estão cuidadosamente expostos no escritório da fazenda.

Em 1948 a fazenda já possuia 800 ha de café (pasmem!), uma enormidade ainda hoje, conduzidos com tecnologia que impressiona. Imagine tijolos fabricados no local, com excepcional capacidade térmica, compondo um grandioso terreiro com longos dutos de água por onde os grãos de café escorrem para serem distribuidos em diferentes pontos. Ou um mapeamento do solo datado de 1948 que identificava perfeitamente aptidão em cada fração da fazenda, reproduzido na foto ao alto!

A casa exportadora de Leon Israel chegou a exportar, ainda na década de 50 algo como 5 milhões de sacas de café cru. Para se ter idéia de dimensão desse número basta dizer que a Guatemala produz em média 4 milhões de sacas de café anualmente.

O grande mérito do Luiz e da Flávia é o de cuidarem com carinho especial todo esse acervo histórico, recuperando, inclusive peças como um completo consultório odontológico, uma central telefônica que funcionava perfeitamente na década de 40 ou mesmo o belíssimo torrador de 6 kg da Royal de mais de 100 anos atrás.

Preservar a memória histórica permite que possamos compreender melhor o que e como fazemos as coisas hoje, além de nos dar pistas de como podemos ainda evoluir.

Certamente existem outros abnegados Luizes e Flávias Brasil afora, cuidando, recuperando e participando à comunidade parte da rica história do café em nosso país. Porém, para este registro ficam estes dois como parte desta estória real…