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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

SENSORIAL

O tempo é o senhor da razão

Ensei Neto

Frutos de cacaueiro - diferentes variedades.

Frutos de cacaueiro - diferentes variedades.

Outro dia minha filha me comentou que algumas coisas que ela sempre adorou não tinham mais o mesmo sabor, que haviam mudado para pior. Mencionou, por exemplo, que o chocolate Suflair estava muito diferente, mais duro (anteriormente era mais macio ao morder) e seu sabor já não era tão empolgante. Da mesma forma, um biscoito que ela “amava”, o Passatempo, perdeu a maciez ao morder e não mais derrete na boca; seu sabor ficou sonso, sobrando apenas o gosto de algo deselegantemente gorduroso.

Mas, será que esses produtos mudaram tanto?
Na verdade, sim!

Bela criação em chocolate pelo mestre chocolateiro Javier Guillén.

Bela criação em chocolate pelo mestre chocolateiro Javier Guillén.

Comentando sobre esse tipo de chocolate, o Suflair, que é popular ou, comparativamente, uma commodity, trabalha numa faixa de mercado altamente competitiva onde centavos podem fazer diferença no momento de decisão de compra dos consumidores. Pressionados pelo consistente aumento de preços do cacau e seus derivados, matéria prima básica do chocolate, uma série de artifícios acabam sendo incorporados aos produtos pelas indústrias para que seu custo não fique muito alto.
Se você tiver a curiosidade de ler as minúsculas letras que descrevem a composição do produto, poderá notar a quantidade de ingredientes que não são a base de um autêntico chocolate. São os chamados “aditivos alimentícios”, isto é, produtos que são empregados para dar consistência (estabilizantes) ou acidez (acidulantes), preservar contra fungos (conservantes) ou dar uma cor ao produto (corante), e daí em diante. São ingredientes famosos pelo sufixo "ante"...
Quanto maior for a quantidade desses aditivos, certamente menos próximo o produto está do que seria algo original como um franco e delicioso chocolate!

Algumas empresas têm adotado a prática de tempos em tempos fazer uma, digamos, renovação da embalagem, que ganha novas cores e layout juntamente com uma redução quantitativa do produto (que obrigatoriamente tem de ser informado ao consumidor o quanto se reduziu) e alterações na formulação, eufemismo para a substituição de ingredientes nobres por outros mais baratos. Apesar da embalagem continuar a mesma, as substituições de ingredientes tem de ser sutis, justamente para que o consumidor fiel às marcas não perceba que o perfil sensorial do produto mudou.

As técnicas de alteração de formulação são baseadas num estudo sensorial muito interessante que é sintetizado no gráfico de Weber-Fechner, que demonstra que distintos estímulos sensoriais são perceptíveis se eles tiverem intensidade suficientemente grande. Ou seja, se as mudanças forem muito discretas, como se diz tecnicamente quando são muito sutis, nem sempre são percebidas pela maioria dos consumidores.

Gráfico das Respostas ao Estímulo Sensorial, de Weber-Fechner.

Gráfico das Respostas ao Estímulo Sensorial, de Weber-Fechner.

Dessa forma, as empresas realizam essas alterações em intervalo de tempo relativamente largo, pois caso fossem mais freqüentes, uma maior parcela de consumidores poderia ter a percepção das mudanças.
Assim, somente quando uma pessoa ficou muito tempo sem consumir aquele chocolate poderia perceber que houve uma modificação notável em sua receita.

Nossa memória sensorial preserva perfeitamente nossa última experiência com todo e qualquer produto, justamente para que, ao repetirmos, ela possa ser comparada.
Se foi uma experiência muito boa, essa maravilhosa sensação será revivida e, portanto, nos fará sorrir de felicidade. Caso a comparação tenha um resultado inferior, a decepção aflora.
Este conceito é perfeitamente traduzido numa inesquecível cena do filme Ratatouille, da Disney/Pixar, quando o temível crítico gastronômico se comove ao comer o primeiro bocado do prato preparado pelo ratinho Remy.

Memoria Gustativa

É por isso que podemos afirmar que, para os assuntos do Olfato e do Paladar, “o Tempo é o Senhor da Razão”...
Se você ficar mais tempo sem consumir um produto de uma empresa que faz modificações com freqüência, maior será a chance de você perceber.