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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

SENSORIAL

Filtering by Tag: Cerrado Mineiro

Produtos de território: Promovendo origens

Thiago Sousa

Nesta semana foi anunciada a mais nova Origem de Cafés do Brasil que teve concedida suaIndicação de Procedência (I.P.) pelo INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial: o Norte Pioneiro do Paraná. É a terceira origem que obteve essa concessão, após o Cerrado Mineiro e aSerra da Mantiqueira de MG.

Na verdade, este é um primeiro estágio de um longo processo que pode estimular a economia local de forma integrada e global. O reconhecimento dos chamadosProdutos de Território, que tem no vinho e queijos certamente os produtos mais conhecidos, se inicia pela notoriedade da origem produtora. A localidade tem de ser reconhecida pelo público e mercado pelo seu produto. A notoriedade é a fama construída de forma consistente e contínua, assim como o trabalho de um excelente médico ou um inspirado artista.

No caso do café, o caminho seguido é aquele em que a qualidade sensorial dos lotes produzidos nessas origens passa a fazer fama entre os apaixonados e “loucos” por café. Em geral, os primeiros resultados se devem ao êxito alcançado em concursos de qualidade ou através da seleção por torrefações de prestígio que tem como princípio preservar e promover a origem de cada lote adquirido.

A Indicação de Procedência, como estabelecida pelo INPI e que segue linha distinta da WIPO – World Intellectual Property Organization e seu Tratado de Lisboa, reconhece apenas o local onde existe um produto ou um serviço que alcançou fama muito além de suas fronteiras. Apenas isso.

A Indicação de Procedência não tem o mesmo status daDenominação de Origem (D.O.), que vincula as características sensoriais particulares de um produto com o seu território como acontece com um Vinho do Porto de Portugal ou um Queijo Grana Padana da Itália. Estes produtos possuem sabores e aromas muito particulares, que os fazem reconhecidos por paladares até minimamente treinados em diversos países. É importante destacar que a D.O. se aplica a produtos de origem agropecuária, pois há um necessário vínculo sensorial.

Obter o reconhecimento para uma D.O. é muito mais resultado de um complexo trabalho que abrange educação do consumidor (ensinar a ele os sabores que fazem parte de um café tipicamente produzido em Jacarezinho, PR, por exemplo, é uma tarefa fundamental!), promoção da região através de um projeto turístico e, principalmente, organização, muita organização por parte dos produtores e suas comunidades.

Com a I.P. é possível criar roteiros atraentes para que consumidores passem a visitar as origens e conhecer sua cultura local. Veja que isso pode ser um grande estímulo para ajudar na preservação dos usos e costumes culinários de uma região!

Outra sugestão é a de divulgar os sabores de seus produtos, educando o paladar dos seus fãs cativos com a industrialização, oferta de  serviços e a venda de cafés com a identificação de seus produtores, além de uma completa descrição de como o lote foi produzido. Isso agrega valor, desperta o interesse e cria um círculo virtuoso de esforços e sucessos.

As portas estão definitivamente abertas!

A Marcha dos robustas

Thiago Sousa

Tive algumas experiências muito interessantes nos últimos dias com cafés Robusta e Conilon, duas das principais variedades da espécie canephora, e surpreendentes combinações com variedades dearabica. 

Só para recordar, as plantas e frutos dessas duas espécies mantém muitas diferenças, apesar de conviverem com muita frequência em blends de todo o mundo. Além do número de genes, 44 na arabica e somente a metade, ou seja, 22 na canephora, gostaria de destacar algumas características que tem importante impacto sensorial: os teores de óleos, açúcares e de ácidos clorogênicos.

Sementes das variedades do canephora tem quase o dobro do teor de óleos e ácidos clorogênicos que nas doarabica, enquanto que nestas os açúcares é que estão em maior teor, praticamente o dobro que numRobusta ou num Conilon. A maior resistência às doenças fúngicas fez com que diversos trabalhos de melhoramento genético se utilizassem do canephora como base para as chamadas variedades modernas, entre elas o Obatã e o Catucaí.

No entanto, a mudança de composição entre esses elementos (óleos, ácidos clorogênicos e açúcares) pode se expressar mais intensamente dependendo das condições locais de produção. Nossa linha de  raciocínio sempre leva em conta o balanço de energia que está envolvido no Ciclo da Fruta (= Ciclo Fenológico), cuja tradução se dá pelo teor de açúcares e sua formação. Como sempre digo, açúcar é tudo na vida!

Assim como a maturação de uma fruta acontece quando o teor de açúcares geneticamente programado é alcançado, é, também, essa quantidade de açúcares que define como será o Perfil de Torra dessas sementes. Se globalmente a semente de uma espécie possui menor teor de açúcares que de outra, fica evidente que a quantidade de energia necessária para se atingir a Etapa de Pirólise  será diferente para cada uma.

Nesta foto apresento  um Gráfico Visual que utilizo nos cursos avançados de torra de café; no caso, corresponde a um Ciclo de Torra de Conilon. Observe que a Etapa Intermediária, que compreende as Reações de Maillard, é bastante extensa, principalmente se comparada com a etapa final, quando há o predomínio da Reação de Pirólise.

São essas diferenças, digamos, de nascença entre variedades dessas duas espécies que provocam sensíveis diferenças sensoriais!

O menor teor de açúcares faz com que notas de aroma e sabor que se originam na Etapa de Pirólise se pronunciem mais. Especiarias de caráter mais medicinal como uma nóz moscada, pimenta do reino e até cardamomo podem surgir e ser percebidos por pessoas sensíveis a estas notas. É por isso que comumente as pessoas acham “picante” o sabor de bebidas com presença de Robustas ou Conilon!

Recentemente a Nespresso relançou uma cápsula de edição limitada, o Kazaar. É algo surpreendente, pois segundo executivos da empresa, este relançamento foi resultado de uma longa lista de pedidos para que esse ousado blend de Robusta da Guatemala (uma das ousadias!), Conilon Capixaba (ousadamente Cereja Descascado) e um toque de arabica do Cerrado Mineiro. Aqui podemos afirmar que o Mestre de Blends foi genial, pois compensou a menor doçura resultante da torra dos canephoras com um convite aos grãos evidentemente de frutos maduros produzidos numa região privilegiada pelo clima seco durante a colheita.

Não é bebida fácil a desta cápsula de belo azul marinho, mas para iniciados. De potência extrema, reforçada pela extração hiperbárica(que pode atingir impressionantes 19 bar!) numa ecomoderna Pixie, de belo e inteligente design, exige certo preparo físico e psicológico, ainda mais que seu serviço recomendado é o ristretto!

Mas, vale a experiência sensorial, sem dúvida.

Fica clara a percepção do intenso amargor provocado pela avalanche de ácidos clorogênicos (da “família” da cafeína), das notas de sabor como tabaco e especiarias típicas de um robusta de alta qualidade, cujas arestas são minimizadas pela doçura e alteração na percepção de corpo provocadas pelo Cerrado Mineiro.

Para finalizar, gostaria de comentar sobre as variedades com híbridos de canephora, como o Catucaí e o Obatã. Em particular este último, que tenho acompanhado o comportamento de lavouras de diversas idades em diferentes territórios.

Mais uma vez, certamente numa das lavouras mais antigas de Obatã, localizada em São Paulo, em condições geoclimáticas que fazem com que a faceta fenotípica dos canephoras se expresse sem qualquer cerimônia, um efeito que nos leva a muitas reflexões se confirmou. Reconhecido como sementes de planta de variedade arabica, a bebida se mostrou muita próxima do…Kazaar!

Foi surpreendente, pois ajustando a concentração de ambos, a similaridade sensorial foi muito positiva, reconhecida até pelos alunos do último curso de Educação Sensorial em São Paulo.

Territórios – 1

Thiago Sousa

Certamente você já ouviu a palavra Terroir, tão pronunciada ultimamente. De origem francesa, esta palavra pode ser traduzida por Território.

Desde os tempos antigos já se sabia que havia uma estreita relação entre os produtos agrícolas e onde eram produzidos. São bons exemplos as famosasEspeciarias, entre elas o Cravo da Índia e a Canela, que saíam da distante Índia para fazer parte de receitas de pratos servidos à nobreza européia. Sim, os indianos sempre tiveram queda especial para as especiarias, bastante ver como sua rica culinária sempre combina de forma exuberante um conjunto delas.

Tem relação com sua cultura, muito mística, com os aromas intensos que auxiliam na ambientação para a prática da meditação e até do Yoga.  Hoje, como outro bom exemplo, o Tchai é uma bebida que pode ser considerada bastante popular, muito difundida mundo afora pela gigantesca rede Starbucks.

De forma sistematizada, a noção da relação entre Território e Produtos Agropecuários se formou na Europa. Desde o Jamón da Espanha até o arroz cultivado no vale do Rio Pó, passando pelas quase incontáveis regiões vinícolas e produtoras de queijo, a lista é p’ra lá de longa…

Foi o vinho o primeiro produto agrícola a ter um processo deDenominação de Origem. Ao contrário do que muita gente pensa, a primeira Denominação de Origem foi para o Vinho Verde de Portugal no início do Século XX, vindo depois a impressionante série de origens vinhos franceses. Estes foram mais eficientes em propagar pelo mundo que seus vinhos, além do prestígio que já desfrutavam, tinham produção com território definido.

De qualquer forma, os processos foram bastante semelhantes, desde a criação de um organismo que coordenasse os serviços de certificação dos vinhos produzidos, atestando não apenas sua qualidade como também o processo utilizado. Este foi o ponto mais importante para que um modelo de criação do que podemos chamar deTerritórios de Produção pudesse ganhar espaço.

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Falar em Terroir é relacionar as condições geográficas, como o local de produção, o clima e o solo, além dos aspectos botânicos e, não menos importante, o papel do produtor. Tudo tem de funcionar bem, harmonicamente. No caso do café, o namoro com as Denominações Geográficas é algo recente.

Apesar de ter sido a primeira região produtora no mundo a se organizar para obter uma Denominação Geográfica, o Cerrado Mineiro perdeu essa oportunidade ao receber uma Indicação de Procedência pelo INPI quase 6 meses após a região de Vera Cruz, no México.

Um dos requisitos mais importantes para uma região receber a Indicação de Procedência, no caso específico do Brasil, a Notoriedade, que é o reconhecimento pelo mercado de um atributo que seja relacionado diretamente com uma determinada origem, tem grande peso, assim como acontece para a Denominação de Origem, dada pela WIPO.  Apesar de sua história recente, o Cerrado Mineiro construiu a partir das boas condições climáticas a fama de origem produtora de cafés de boa qualidade dentro do Brasil, confundindo, por vezes, a origemcom o conceito de qualidade superior.

Se uma região com o Cerrado Mineiro, mesmo que demarcada e reconhecida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, com uma gigantesca área abrangendo 55 municípios, obteve sua IP – Indicação de Procedência, uma micro região poderia conseguir algo semelhante mais facilmente. Foi justamente esta linha de pensamento que norteou a demarcação da Micro Região da Face Mineira da Serra da Mantiqueira, liderada pela APROCAM – Associação dos Produtores de Café da Mantiqueira, na hoje renomada Carmo de Minas. Sua IP foi concedida neste ano de 2011, após quase 6 anos de tramitação do processo junto ao INPI.

E sobre sua notoriedade? Bem, cafés que são cultivados numa área particularmente montanhosa, a belíssima Serra da Mantiqueira, com o adicional de dividir um dos mais ricos mananciais de água mineral do Brasil, só poderiam resultar em bebidas de boa complexidade de notas de sabor, intensos aromas e quase sempre exuberante acidez cítrica.

Tudo isso é resultado da combinação que um Território pode proporcionar.

Sobre as fotos: 1- lavouras em São Roque, montanhas do Espírito Santo; 2 -lavoura sombreada em modelo agroflorestal em Piatã, Chapada Diamantina, BA; 3 – Selo do Café do Cerrado, hoje substituído pelo Selo da Região do Cerrado Mineiro; 4 – Selo de Origem para os Cafés da Mantiqueira.