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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

SENSORIAL

Filtering by Tag: Chapadão de Ferro

Café para se comer

Thiago Sousa

Café, para a grande maioria das pessoas, foi feito para beber.

Desde os tempos imemoriais na Península Arábica, quando os primeiros ensaios para se consumir esta que se tornou a segunda bebida mais consumida do mundo, a obsessão era a de se obter uma preparação de bebida.

Nos anos mais recentes, muitos Chefs  e Cozinheiros passaram a se interessar no uso culinário do café, antes apenas reservado para o final de uma refeição.

Com a percepção de que a bebida é bastante intensa, cheia de nuances aromáticas (se notas florais ou de frutas estiverem presentes, por exemplo), passaram a utilizar o café extraído como ingrediente de molhos, certamente sua aplicação mais comum.

O grande problema ao se empregar nos molhos, por mais incrível seja o café, é que suas notas de sabor acabam se mesclando com os outros ingredientes, muitas vezes de um que lembre o Molho Madeira, fazendo com que sua presença ficasse esmaecida. Ah, esse tipo de problema é ainda mais dramático se for de um excepcional café da espécie arabica.

Foi quando os Chefs e Cozinheiros descobriram que o sabor de uma bebida preparada com grãos da espécie canephora (como o Robusta) é muito mais marcante, persistindo nos molhos e outros preparados, determinando um novo padrão de matéria prima. Observe que a esmagadora maioria das receitas que levam café pedem o café solúvel, que via de regra é 100% Robusta/Conilon.

Outra forma de uso corrente do café, ou melhor ainda, da semente torrada do café, é seu emprego como Crosta, cobrindo uma posta de peixe ou um corte de carne. Alguns Chefs e Cozinheiros fazem a Crosta com moagem média a fina, porém o aspecto desagradável é que as partículas do café moído são pontudas e podem se tornar muito incômodas ao se mastigar. O efeito do formato de pontas do grão torrado e moído, como o ideal para uma extração na French Press, é somado à característica, digamos, “ressecada” do café, o que deixa sempre uma sensação pouco convidativa para uma repetição…

Bem, eu particularmente não considero que o uso do grão torrado de café, mesmo que seja de um arabica esplêndido, na Crosta seja apropriada. Observe que tradicionalmente são usadas sementes como a amêndoa, nozes, avelãs e até o amendoim. E essa escolha é muito sábia!

Essas sementes são classificadas como Oleaginosas, que quer dizer que tem em sua composição o predomínio de óleos (em geral de excelente qualidade para a nossa saúde!), quase sempre acima dos 40%. O alto teor de óleos confere muita maciez à semente que, mesmo quando submetida à moagem e um tratamento sob a “Salamandra” (apetrecho que tem uma resistência na parte superior e dá a finalização crocante num prato), fica agradavelmente macia e agradável ao se mastigar. Enquanto isso, a semente do cafeeiro tem no máximo 2% de óleos, além do que a grande parte de sua estrutura é somente celulose. Por isso não funciona tão bem nesse tipo de uso culinário.

Os usos na forma de bebida pronta são mais práticos, portanto, mas ainda assim requerem que alguns cuidados.

Uma das práticas interessantes que os Amantes de Queijos, principalmente dos proibidos queijos de leite cru como o Canastra, Salitre ou Serro, é o de imergir a peça em nobres líquidos para que a casca ganhe um aspecto de cura diferente na cor e no sabor. Alguns, como o Mestre Queijeiro Bruno Cabral, do Donostia, em São Paulo, vem fazendo testes utilizando cervejas. Coisa boa na certa!

Outros, como o Companheiro de Viagem Eduardo Maya, fez um teste mergulhando um belo (e neste caso pobre coitado) Canastra em café. Até aí, nada demais… o problema foi que ele utilizou um café barato com um horrível e muito desagradável cheirohospitalar fenólico que quase empestiou a sala onde foi provado…. Se você utilizar grãos de excelente qualidade, tenha certeza de que o resultado será incrivelmente bom!

E para que o café preparado não se perca em meio às inúmeras informações de sabor de um prato, criei este Risoto de Café que leva o café esferificado. Foi a forma que encontrei para manter o sabor de um bom café (no caso um sempre impressionante Chapadão de Ferro) preservado e que combinou muito bem com pedacinhos de um queijo do Salitre.

Se você tiver outras experiências e receitas, converse comigo!

“Americano” ou Carioca?

Thiago Sousa

Primavera de 2005 (no Hemisfério Norte) e a cidade, Seattle, WA, USA. A agitação entre Coffee Geeks, Baristas e Coffee Experts de plantão era devido ao lançamento da Clover, que combina de forma surpreendente conceitos como tempo de contato, temperatura da água de extração, extração à vácuo e até um rodinho de borracha (como os que os flanelinhas usam nos semáforos para limpar os parabrisas dos carros…) com uma máquina de belo design.

Slogans que os geeks da Clover estampavam nas camisetas que vestiam, bem como nos bottoms, eram “I HATE AMERICANO” e “STUPID AMERICANO”.

Muitos brasileiros se perguntavam: “Esses caras se auto destestam?!”. Não!!!

Não é briga entre yanquees, até porque quem nasce nosUSA é American

Na verdade, Americano é o espresso diluído com água após a extração normal, cujo parente próximo no Brasil é oCarioca.

O surgimento desta variação do espresso tem uma razão científica: como um maravilhoso equipamento de avaliação sensorial, o ser humano tem sua sensibilidade (= acuidade) diretamente relacionada com a quantidade de sensores (sejam olfativos, sejam gustativos) que vem de “fábrica”. É por isso que ninguém tem uma língua idêntica, assim como acontece com a íris e as impressões digitais.

Estatísticamente, 25% da população humana tem uma alta densidade de papilas gustativas (independente de sua, digamos, “configuração de fábrica”), ficando acima da média (mais do que 40 papilas fungiformes por unidade de área). Muito dessas pessoas, devido à essa grande sensibilidade, acabam se tornando profissionais de degustação das mais diferentes áreas.

Metade da população tem uma quantidade de papilas que permite reconhecer e quantificar a intensidade de diversos estímulos gustativos. É o pessoal que “salva” a indústria de alimentos e bebidas, pois identificam produtos de diferentes empresas!

Finalmente, os 25% restante tem uma densidade baixa de papilas fungiformes, que não se importam tanto com o que bebem ou comem, ou necessitam de produtos mais concentrados para perceber as diferenças sensoriais.

Por outro lado, conforme envelhecemos, a quantidade de nossos sensores gustativos e olfativos diminuem devido à menor capacidade de reposição que o nosso corpo apresenta com o tempo. Se cuidados não forem tomados desde cedo, podemos chegar à idade avançada sem a maravilhosa capacidade de sentir as sutilezas dos aromas e sabores, a não ser que tudo esteja mais concentrado. É comum observarmos que as pessoas com mais idade começam a preferir alimentos e bebidas com mais intensidade de aromas e sabores.

Fora a Itália, onde o espresso faz parte da cultura no consumo do café, nos outros países há uma tendência deste serviço corresponder entre 8% e 12% do total (há um interessante estudo feito pela NCA e sua congênere européia sobre este assunto).

Não é da natureza humana consumir alimentos e bebidas muito concentradas. Observe a crescente oferta de produtos que são versões menos concentradas das originais.

Observe esta foto de um porta-filtro aberto (= Naked Porta Filter).

As gotas parecem mais diluidas, com aspecto mais aguado em relação à foto ao alto, que é de um típico espresso (e que belo tigrado, não?!). Esta extração foi feita na Slayerdo Ateliê do Grão, de Goiânia, GO, que permite prolongar a pré-infusão como você preferir. Por sugestão doCompanheiro de Viagem Rodrigo Menezes, fizemos experiências com o tempo de pré infusão e a compactação do pó no porta filtro. Detalhe, o moinho empregado foi o Versalab, que possui um sistema de moagem sequencial com diferentes modalidades (primeiro mós cônicas, depois, mós planas ou discos), que possibilita um perfil de granulometria bastante distinto dos moinhos normais.

Compactado, o resultado, ao se lançar mão de grãos do fantástico Lote #66 da Fazenda Chapadão de Ferro, de Ruvaldo Delarisse, finalista do Concurso de Qualidade de Café de Minas Gerais 2011,  é um espresso simplesmente esplêndido!

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Na preparação de um Americano (ou seria um Carioca?!) não há necessidade de ser feita a compactação. Manteve-se apenas a dose de pó moído no porta filtro. A infusão foi longa, seguida da extração propriamente dita.

O resultado: um espresso ao estilo American Americano ouBrasileiro Carioca!

A bebida lembra o que se obtem numa French Press, pois a presença dos óleos fica bem caracterizada, apesar de ainda estar relativamente concentrada. Vale a experiência.

E um recado final: não se acanhe, peça sempre o café na forma que você gosta mais. Gosto é opção pessoal e, como foi explicado, cada pessoa tem uma percepção diferente!

Mas, não deixe de experimentar, sempre. Nunca é demais procurar desvendar o maravilhoso mundos dos aromas e sabores!

É possível julgar um serviço ou uma bebida somente a partir depois de adquirir um bom conjunto de experiências. Experimentar, aprender, comparar e se deliciar.

Guloseimas, bebidas e paixão por café

Thiago Sousa

Comer e Beber é uma dupla inseparável dos bons de garfo e de copos (ou de taças, de xícaras e canecas…).

Companheira de Viagem Luciana Mastrorosa, ou simplesmente Lu, é daquelas pessoas apaixonadas por comer e beber, porém tendo a rara felicidade de fazer disso o seu ofício do dia a dia. Jornalista especializada em Bem Comer, mantém um divertido blog, o Guloseima, que você pode conferir acessando no link que fica na lista dos Prazeres da Mesa & Balcão.

Lu é também a autora do livro Pingado e Pão na Chapa, onde conta histórias sobre o Café da Manhã e suas receitas de diversos lugares.

Ela esteve comigo em Goiânia, GO, no finalzinho de Setembro para uma experiência sensorial envolvendo Café & Comidinhas Goianas, competentemente providenciadas pelo Companheiro de Viagem Rodrigo Menezes Ramos. Imagine combinar novos cafés da Safra 2010/2011 como um lote de grãos Cereja Descascada da Fazenda Chapadão de Ferro de Ruvaldo Delarisse e duas versões, CD – Cereja Descascada e Natural, de grãos da variedade Mundo Novo da Fazenda Serra Negra de Pedro Rossi, respectivamente, com um clássico Empadão Goiano (recheadíssimo de linguiça e guariroba),Pastelim (que é uma tortinha com doce de leite e canela) e Requeijão Cremoso (feito com soro de leite, que dá um delicado toque azedo)…

Pois é, o resultado foi sublime!

E para terminar, veja a declaração de paixão por café pela Luciana, depois dessa maratona de guloseimas:

Microlotes de café: Quando menos é muito mais

Thiago Sousa

O que leva um lote de café ser excepcional quando se fala em qualidade?

São dois os fundamentos para isso: Pureza e Uniformidade.

A Pureza significa que não existem “elementos estranhos” ao café como pedras, paus e torrões de terra, nem mesmo grãos que tenham sofrido algum tipo de fermentação indesejável.

Quanto à Uniformidade, é um conceito que nos dá a idéia de que os grãos que compõem esse lote tem praticamente as mesmas características, definidas principalmente pelo ponto de maturação no momento da colheita.

Como já abordei em outros posts, o café é um fruto que deve ser colhido apenas quando estiver perfeitamente maduro. Parece simples, mas não é.

O cafeeiro frutifica apenas na parte nova dos ramos, cuja preparação acontece quase uma ano antes, nas suas interseções, conhecidos também por internódios. Cada internódio abriga 2 folhas, uma em cada lado, digamos assim, sendo que nesse espaço entre a folha e o ramo ficam as gemas florais, formando um “buquê” de 4 grupos de 4 gemas.

Quando as condições para a floração são boas, em geral a florada é intensa e praticamente única. Mas, nem sempre isso acontece, devido a uma série de fatores como alta temperatura ou mesmo umidade insuficiente no solo e ar. É quando ocorrem as chamadas múltiplas floradas ao longo da safra, como a representada nesta foto, onde podem ser observados frutos verdes, maduros (“cerejas”) e até “passas”.

Mesmo que a florada tenha sido única, nem sempre o desenvolvimento dos frutos é igual. Dependendo da posição no ramo, mais ou menos próximos das pontas, por exemplo, pode haver uma diferença na circulação da seiva da planta, alimentando de maneira diferente os grãos em cada roseta (= conjunto de grãos num mesmo internódio). Portanto, estatisticamente é muito difícil ter dois grãos de uma planta no mesmo ponto de maturação sob uma visão mais detalhista.

Durante a colheita o principal cuidado deve ser dispensado na colheita dos grãos perfeitamente maduros, ponto em que os açúcares majoritários estão de todo formados.

Logo, o tamanho dos lotes de café formado por grãos com a melhor aproximação da Uniformidade, de novo pela visão estatística, nunca será muito grande. É compreensível que a tendência é, justamente por isso, de serem pequenos ou mesmo de tamanho “micro”.

Esta é a explicação porque em concursos de qualidade os lotes mais bem posicionados ou simplesmente produzidos sob artesanal capricho são compostos por poucas sacas, de 5 a 30 em média. É quando Menos é Muito, Muito Mais…

Publicada pela Folha de São Paulo no último dia 19, na seção Ilustrada, uma maravilhosa matéria escrita pela Companheira de Viagem Cris Coutoprocurou evidenciar tudo isso. Fiquei honrado em ver esta foto que fiz com o Ruvaldo Delarisse, da Fazenda Chapadão de Ferro, como destaque.

Veja a matéria através deste link: http://www1.folha.uol.com.br/folha/comida/ult10005u696449.shtml 

Para finalizar, conheça um pouco mais da magia dos cafés de origem vulcânica do Chapadão de Ferro neste vídeo: