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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

HISTORIA

Filtering by Tag: Vinho

Por um café inebriante…

Thiago Sousa

O Café sempre foi uma bebida sinônimo de estimulante. Em qualquer peça de propaganda de empresas de café, a pausa para restaurar o ânimo para continuar as atividades é um elemento comum.

No entanto, sempre houve tentativa esporádica e efêmera de se produzir outras bebidas a partir da fruta do cafeeiro, seja por simples curiosidade científica, seja por busca de novos produtos.

Antes de comentar sobre um projeto bacana em curso na centenária e inovadora Fazenda Santa Margarida, vou abordar um pouco sobre como as bebidas fermentadas alcoólicas surgiram ao longo dos tempos.

Um dos problemas mais graves que sempre acompanhou a formação de qualquer comunidade desde o alvorecer da humanidade foi a disponibilidade de água potável.

Quando o Homem ainda habitava as cavernas, existia evidente fartura de água, sendo a escassez de caça ou frutos que o faziam mudar de localidade. Com o tempo, junto com o domínio do Fogo, que proporcionou um notável salto qualitativo no preparo dos alimentos, nossos ancestrais aprenderam a cultivar cereais no que foi o início da Agricultura. Estes dois conhecimentos permitiram que as comunidades tribais pudessem se fixar num determinado local, pois havia a perspectiva real de não haver ruptura da disponibilidade de comida.

Uma das referências para que um grupo de pessoas se instalasse numa localidade qualquer, dando origem a uma nova comunidade, sempre foi a proximidade com uma generosa fonte de água, geralmente rios, que também forneciam alimentos alternativos como os pescados. A formação das cidades, sinal da constituição de sociedade estruturada, trouxe consigo suas facilidades e seus problemas.  E certamente uma das questões mais críticas eram os despejos sanitários. Assim se vê em muitas localidades ainda hoje, os dejetos humanos eram deixados ao céu aberto ou deliberadamente nos rios, contaminando as preciosas fontes de água.

Diversas doenças que dizimavam aquelas comunidades de tempos em tempos e que não permitiam maior longevidade eram devidas à ingestão de águas contaminadas.

A Cerveja é considerada uma das mais antigas bebidas fermentadas, tendo registros de sua produção e comercialização por volta do ano 6.000 a.C. no Egito e na Península Arábica. O Vinho também possui registros de sua produção também nesse período, em localidades semelhantes além da China.

Essas bebidas estavam relacionadas com a maior longevidade das pessoas, além de proporcionarem uma alegria simplesmente inebriante…

Estas duas bebidas são resultado de processos fermentativos, sendo a Cerveja com base em cereais, principalmente, enquanto que o Vinho tem nas uvas sua exclusiva matéria prima. Basicamente existem dois tipos de fermentação: a que precisa do Oxigênio, chamada de Aeróbica, e a Anaeróbica, que prescinde dele.

Cereais e Frutas possuem um ciclo de vida que, em condições normais, termina quando atingem o teor de açúcares geneticamente programado é formado. O açúcar é a Base da Vida, pois é a principal fonte de energia dos seres vivos. Uma quantidade razoável de açúcares, água, calor e ausência de Oxigênio é o conjunto de requisitos necessários para se iniciar uma poderosa Fermentação Anaeróbica com a ajuda de microorganismos que vivem na atmosfera.

Alguns desses microorganismos tem como missão transformar açúcares de cadeia longa e de cadeia curta em outros denominados Simples ou Monossacarídeos, como a Frutose e a Glicose. Outros, tem como trabalho transformar esses monossacarídeos em outras moléculas, como os álcoois, principalmente o Etanol. Bingo!

É óbvio que na Natureza tudo transcorre sob clima de competição constante e se as reações que fizeram surgir o álcool aconteceram é porque esses microorganismos específicos foram maioria ou mais eficientes, não permitindo que outros que poderiam, por exemplo, produzir moléculas indesejáveis se desenvolvessem.

Era por isso que naquela época uma bebida alcoólica fermentada, como uma cerveja ou um vinho, era muito mais saudável do que a água parada que estivesse em recipientes nas casas daquelas antigas comunidades!

Que dilema para viver naquela época, não?!

Sóbrio e com vida curta ou Ébrio Longevo…

A fruta do cafeeiro quando madura, principalmente das variedades da espécie arábica,  tem um teor de açúcares em sua polpa em torno de 14% a 18% m/m, que é mais do que suficiente para produzir algo como um delicado Vinho de Café, desde que algumas condições técnicas possam ser satisfeitas. O grande desafio sempre foi o de se separar adequadamente a polpa e ter um grupo de microorganismos específicos para trabalharem em condições, digamos, bastante rústicas.

Este desafio foi abraçado pelo sempre inquieto e criativo Mariano Martins da Fazenda Santa Margarida, de São Manuel, SP, e bons resultados foram conseguidos, conforme esta nesta matéria do PALADAR do O Estado de São Paulo: http://blogs.estadao.com.br/paladar/quem-disse-que-cafe-nao-embebeda/ .

E que em breve cheguem deliciosos Cafés Embriagantes…

Chef Ilda Vinagre, bacalhau & café

Thiago Sousa

Um dos princípios básicos da Música é a Harmonia, que fundamenta a combinação dos sons das notas musicais. Independente da cadência ou ritmo, as aparentemente poucas notas permitem combinações sem fim.

Um dos desafios que mais aprecio é o de fazer Harmonizações, arte que aprendi ainda na época acadêmica com o saudoso e inesquecível mestre Miguel Falcone, da cadeira de Engenharia de Alimentos na Politécnica-USP. Foi ele que me iniciou no mundo dos destilados, da Cachaça e do Vinho. Daí, com os trabalhos para produção de alimentos e bebidas, sob uma perspectiva absolutamente científica antes da industrial, fazer os testes sensoriais de cada novo produto era uma tarefa  obrigatória que se tornava quase lúdica quando eram exploradas as respostas de cada combinação.

Café & Vinho e Café & Cachaça fazem parte dos meus Diálogos Líquidos, enquanto que Café & Queijos é da linha dos Diálogos da Terra. Mas, o desafio mais estimulante é a Harmonia em Trio, quando entram em cena Comida, Café & Vinho. Com a Revista Espresso, uma versão simplificada completou um ano com a Edição #39, e o tema escolhido foi o bacalhau e seu essência portuguesa.

Quando o tema foi proposto, houve um certo clima de euforia, pois eu, particularmente, adoro pratos com esse peixe, enquanto que o grande Sommelier Diego Arrebola acenou com a possibilidade de incluir algumas ousadias.

O restaurante que se propôs a participar deste elegante desafio foi oTrindade, que faz parte do grupo que mantém o A Bela Sintra como estrela principal. E, naturalmente, sua grande escudeira foi a divertidaChef Ilda Vinagre, que é natural do Alentejo. Em seguida, foi eleito o prato para a Harmonização: o clássico Bacalhau à Lagareiro. Sua aparente simplicidade encerra a sofisticação sensorial, repleta de informações que se complementam se se reforçam mutuamente como as lâminas de alho, a batata ao murro e a intensidade que o azeite produz.

Diego escolheu o vinho Monte Cascas, 2009, elaborado exclusivamente com uvas Malvasia, e que foi a grande ousadia. É produzido em Colares, que dá nome à sua DOC. Detalhe: é, com certeza, uma das raras vinícolas que fica na região de Lisboa, que tem sua área metropolitana toda tomada pelos loteamentos imobiliários. Essa vinícola tem sua área de vinhedos tomabada, daí poder, mesmo que em pequena escala, produzir belos vinhos brancos como este!

Em geral, quando a equipe de produção da Revista Espresso inicia as conversas com o restaurante e seu chef para propor a Harmonização, o primeiro sentimento que se observa no semblante deles é o de surpresa ao saber que o Café fará parte. Houve caso em que um chef simplesmente desconsiderou a proposta por achar que se tratava de alguma “pegadinha”, deixando de atender o pessoal da produção…

No entanto, com a Chef Ilda Vinagre, foi exatamente o oposto que aconteceu. Ao comentar que ter uma boa xícara de café coado para acompanhar os pratos de bacalhau era um costume que aprendeu desde criança e que fazia parte da cultura da região! Ora, pois!!!

Para ela, a harmonização nada mais seria do que uma deliciosa volta à infância no Alentejo e que me fez tornar seu grande fã! Daí, fizemos também um brinde com o café!

Bem, escolhi um lote do café em grãos Mantissa, produzido pela Agro Fonte Alta, que extraí numa Hario V60. O Café, que tinha elegante notas florais como jasmim e bom fundo adocicado, foi muito bem com o Bacalhau, deixando a percepção de um surpreendente toque de canela ao final. E com o Vinho…. a harmonização ficou simplesmente bestial, resultando num inesquecível sabor de frutas em compota e especiarias, algo como damasco em calda polvilhado de canela.

Para saber mais, recomendo que leiam a Revista ESPRESSO #39, que tem muitas outras experiências interessantes!