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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

MERCADO

Cafezinho: Resgatando o Jeito brasileiro de preparar café!

Thiago Sousa

Outra dia, durante um Curso de Educação Sensorial que apliquei em São Paulo, SP, surgiu uma discussão muito interessante: que, segundo um dos alunos, que é barista residente no Rio de Janeiro, o preparo de café usando o coador de pano deveria ser banido devido à baixa qualidade da bebida resultante.(!)

“Nossa”, pensei com os pespontos da minha camiseta, “essa nova geração desconhece totalmente os preparos tradicionais de café, inclusive o do clássico e genuinamente brasileiro Cafezinho!”.

Talvez ainda deslumbrados com os inúmeros ajustes que um serviço de espresso prescinde e permite (até porque essa leva de gente jovem faz parte da geração MP3 e iPad), acreditam que este é o único reinante para extrair uma xícara de um bom café… e que se torna sinal de puro desconhecimento.

O Cafezinho é um método de preparo que possui singularidades que o tornam único, como o fato de se adicionar o pó de café à água “pelantemente” fervente (observe: é o pó na água e não água no pó!), de ter um tempo de extração bastante longo e altamente turbinado pela alta temperatura da água, de fazer uso de um filtro de pano com trama pouco fechada e uma concentração (relação entre o pó de café e o total de bebida extraída) muito elevada.

Apesar de ter uma concentração por volta dos 10% m/v (100 gramas – 6 colheres de sopa –  para se obter 1 litro de café), quase 50% mais do que se usa na Europa e a West Coast , da California a Washington, que tem se fixado nos 7% m/v, o processo químico de extração é intensificado pela moagem fina (que aumenta dramaticamente a área de contato) e o intenso turbilhonamento provocado pela água em fervura.

E aqui cabe se desfazer outro mito, que é sobre a água fervente.

A Água Potável (hummm… observe esta sutileza: há uma notável diferença entre a Água Pura e a Água Potável!), além dos sais minerais que são responsáveis pelo seu sabor (veja mais sobre Os Sabores da Água em http://coffeetraveler.net/outras-questoes-delicadas-sobre-a-agua/) tem moléculas de Oxigênio dissolvidos e que ajudam muito na percepção dos sabores.

Durante a ebulição (ou fervura), boa parte do Oxigênio se esvai, tornando o sabor da Água Potável menos palatável. No entanto, ao se adicionar o finíssimo pó de café para fazer o Cafezinho, inicia-se um processo químico clássico conhecido por Extração, que tem como referência a solubilidade de cada substância encontrada nas partículas ante a água. As moléculas de Oxigênio permanecem na água e passam a reagir com as substâncias encontradas nas partículas do café torrado e moído.

A turbulência da água promovida pela fervura aumenta muito a eficiência de extração das substâncias das partículas, o que faz resultar um sabor bastante intenso!

É razoável esperar que a quantidade de Compostos Clorogênicos (grupo de substâncias ao qual a Cafeína faz parte) seja bastante grande, uma vez que o tempo de contato foi longo.

Pelo fato de se empregar tecido de algodão com trama não muito fechada (algo como um “Super 60″ ou 60 fios), a retenção de óleos é baixa, passando em boa parte para a bebida de extração. E aqui outro detalhe: substâncias de sabor (e aroma) mais, digamos, pesadas, formadas quando a Reação de Pirólise na torra se intensifica, em geral tem caráter amargo e são lipossolúveis (dissolvem-se em gorduras ou óleos). Como resultado prático: a bebida, além de mais concentrada, carrega teor turbinado de Compostos Clorogênicos e de sabores que tendem a dar maior percepção de Amargor!

Uma vez que o sabor Amargo se manifesta de forma esplêndida na xícara, resta adoçar para minimizar esse efeito, nem sempre amado pelo apreciadores de café…

Como tudo que é mais concentrado, o Cafezinho é servido em doses menores, quase sempre em xícaras de 50 ml ou em divertidas coloridas canecas de ágata. Tudo muito lógico, intuitivamente científico…

É um produto que mescla técnicas milenares como o preparo do ibriq(método desenvolvido no Yemen e também conhecido como Preparo Árabe) ao aplicar o pó na água, ao mesmo tempo que envolve aspectos ritualísticos ao fazer passar aquela solução por um filtro de pano. É, também sinônimo de cortesia entre as pessoas, que podem ter momentos de relaxamento enquanto apreciam o negro e cálido vinho como declamado em versos de Omar Khayan.

Mas, principalmente, é o Cafezinho parte da cultura gastronômica brasileira e deve ser preservado todo o seu ritual.

Ah, quanto à questão da baixa qualidade da bebida na discussão que original este post, basta que sejam usadas sementes de boa qualidade, corretamente torradas, para que o resultado também seja simplesmente delicioso!

Experimente preparar em casa um autêntico Cafezinho e tenha orgulho de beber algo que é bom, com um gostinho bem Brasil.