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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

MERCADO

Robustas, os incompreendidos

Ensei Neto

Variedades clonais de conilon/INCAPER Norte, Linhares, ES.

Variedades clonais de conilon/INCAPER Norte, Linhares, ES.

Um dos principais motivos para levar um produto ou serviço à rejeição e, por vezes, ao esquecimento é quando seu conceito é mal comunicado. A incompreensão de atributos ou de características de um produto tem como resultado freqüente o uso incorreto que, enfim, molda a percepção de que se trata de algo que não é bom.

Cafés da espécie Coffea canephora, cujas variedades mais conhecidas por aqui são o Conilon e o Robusta, sempre foram considerados produtos de segunda categoria no mercado, sendo seu uso reservado aos cafés comerciais de baixa qualidade ou que requerem matéria prima essencialmente barata, como os solúveis.

Ao se classificar as bebidas do café, são dois os aspectos avaliados: as características físicas do lote e seu perfil sensorial. 
As características físicas estão correlacionadas com a qualidade decorrente da seleção das sementes, que preferencialmente devem ser de frutas colhidas maduras, isentas de apodrecidas, acometidas por fermentações indesejadas, verdes ou de contaminações como terra. Também, sementes mal formadas ou quebradas penalizam sua qualificação. 
Uma boa inspeção visual é o que basta!
Pureza é isso. 
E para um lote ser considerado consistente, há que existir uniformidade ou, tecnicamente, consistência estatística.

Já o perfil sensorial pode ser compreendido como o resultado da influência de três elementos: território, local onde está a lavoura, processo de secagem e processo de torra.

Desde os primórdios do café, quando seu consumo ainda era restrito ao leste africano e Península Arábica, variedades do Coffea arabica estiveram associadas a produto que proporcionava uma excelente experiência sensorial e uma sensação de bem estar promovida pela cafeína. As variedades do Robusta, encontradas inicialmente em áreas do atual Congo, sempre estiveram à margem do mercado, cujas sementes eram consideradas um produto secundário. 

A introdução de robustas no Vietnã, no início dos anos 1990, foi decisiva para a mudança de cenário do mercado cafeeiro. Após a grande geada de 1994 no Brasil, quando os preços do café alcançaram preços da ordem de US$ 300/saca de 60kg, o governo vietnamita considerou como oportunidade única expandir rapidamente a cafeicultura por meio de generoso financiamento aos produtores. Hoje, o Vietnã é o segundo maior produtor mundial de café, apesar de exclusivamente robusta, com mais de 30 milhões de sacas de 60kg. 
O impressionante salto de produção dos robustas reside no fato de se destinar preferencialmente à elaboração de blends competitivos em todo o mundo, com destaque para os países europeus como Portugal, Espanha e Itália, onde o espresso é um importante serviço nas cafeterias e restaurantes.

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No Brasil, devido à necessidade de matéria prima por parte da indústria de café solúvel e da mudança de patamar de preços dos arábicas, a produção de robusta, representado pela variedade Conilon, experimentou grande crescimento de produção, seja por meio de novas áreas na Amazônia, ou por incorporação de muita tecnologia no Espírito Santo. Da produção de Cafés do Brasil, nos últimos tempos o Conilon têm respondido por aproximadamente 1/3 do total. 
Devido à pressão de custos industriais, na segunda metade dos anos 2.000 iniciou-se em nosso país o emprego de Conilon em maiores proporções nos blends de produtos mais competitivos pelas empresas líderes de mercado. Até então, era usual se utilizar em torno de 10% a 15% dessa espécie na composição, observando-se olímpico salto para 40% e até 50%!

Historicamente, a qualidade sempre foi um desafio na produção de cafés em nosso país e no mundo. Desde o final do período do Império, já havia consciência da necessidade de se agregar valor por meio da qualidade da bebida. 
Um excelente documentário, “O Vale”, produzido pelo jornalista Marcos de Sá Correa e que foi ao ar no ano 2.000, fez um levantamento da cafeicultura do Vale do Parnaíba, apresentando descendentes dos barões e viscondes do café, cuja decadência se deu pela não observância de princípios de uma produção sustentável e voltada para a qualidade. É contundente, por vezes deprimente, pois mescla belas imagens com depoimentos de alto impacto. 

                                                                         

Um dos aspectos mais interessantes e até intrigantes do Conilon brasileiro é como sua bebida chega a ser descrita em diversas publicações: verde característico, gosto de madeira ou pipoca.
Quando se analisa com maior cuidado essas descrições, fica claro que existe um grave problema de cuidado na colheita. Da mesma forma que as frutas do cafeeiro da espécie arábica como um Mundo Novo, também no caso do Conilon colher sua fruta madura faz parte das regras para se obter uma bebida de alta qualidade. De fato, a questão crucial é que se colhe a maior parte da safra do conilon quando as frutas ainda estão verdes. 
Se sua colheita, em boa parte, é feita sem critérios de qualidade, na secagem não é diferente. Para tentar fazer vendas o mais rapidamente, os produtores empregam secadores com fogo direto, que fazem com que o fogaréu esfumaçante fique em contato com as frutas, que absorvem o gosto de fumaça. 

Como toda fruta, a do conilon também merece um tratamento digno para se obter uma bebida de qualidade, a começar pela colheita. Frutas maduras têm açúcar e acidez, tal qual como já tive oportunidade de provar cafés de robustas africanos de altitude, cujas bebidas eram excepcionais. Portanto, ter o entendimento de que se deve colher frutas maduras para se obter cafés conilon de alta qualidade é fundamental.
A secagem, por lógica, deve também ser feita de forma cuidadosa, em ritmo adequado, para que a sempre delicada semente não morra antes do tempo.
A torra do conilon e, dos robustas em geral, é outro ponto crítico. 
Há um pensamento comum de que sua torra deve ser sempre intensa, pois demora a fazer o  “crack”, segundo afirma a esmagadora maioria de mestres de torra que trabalham com essa semente. Na realidade, há que se compreender a composição química do conilon, que é o ponto de partida para se fazer um correto planejamento de torra, tal como deve ser para qualquer semente de café.

Considerando-se os três grupos de substâncias mais importantes, açúcares, gorduras e compostos clorogênicos ou família da cafeína, robustas têm metade do teor de açúcares em relação aos arábicas, enquanto que o dobro de gorduras e de cafeína & cia. A partir desta preciosa informação, pode-se concluir que com menor quantidade de açúcares redutores disponíveis, é mais difícil de se atingir o patamar de energia necessária para que ocorra a reação de pirólise em larga escala. Ou seja, há que se incorporar maior energia ao sistema. 
Uma torra feita com excelente domínio técnico conserva boa parte dos açúcares, o que garante a dignidade sensorial da bebida, preservando aromas e sabores originalmente desenvolvidos na fase viva da semente, além da construção de outros.

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Finalmente, outro ponto incompreendido é o relativo à extração da bebida. Apesar de se contar com matéria prima excelente, isto é, com frutas colhidas maduras e secagem bem conduzida, que se soma a um processo de torra inteligente, pode ocorrer ainda pecados que impedem de se obter uma bebida de alta qualidade. 
Certamente, o equívoco mais comum é o fato de não se compreender a composição química das sementes dos robustas e, por tabela, do conilon. É necessário, ainda, ter em conta como funciona o processo de percolação, uma vez que é o processo comum aos métodos de extração mais utilizados, como o Espresso, Hario, Melitta, Chemex e Kalita. 
Ao se combinar essas informações, chega-se à conclusão que a origem de boa parte da rejeição aos robustas está na concentração ou, como alguns preferem dizer, na proporção usada. Como nossa percepção para o sabor amargo é 15 vezes maior do que para o sabor ácido, por exemplo, é fundamental saber manejar sabiamente a concentração no preparo da bebida. Ou seja, com o conilon ou robusta 100%, a bebida fica com melhor percepção de seus atributos adocicados e ácidos se forem preparados a 5,5% m/v (equivalente a aproximadamente 1:18) contra os 7,0% m/v (ou, aproximadamente, 1:14), que hoje é bastante comum para os arábicas de excelente qualidade. 

Isso tudo demonstra que há um uma galáxia inteira a ser desbravada no universo cafeinado…