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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

MERCADO

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O Café de Pedra e O Café Cabeludo – Uma prosa deliciosa com Ana Rita Suassuna

Thiago Sousa

O Brasil tem Sertão e Sertão. Tem o Sertão que fica no Sudeste, de matas bonitas e exuberantes que só a Serra do Mar poderia ter, mas também tem o Sertão Nordestino, que convive parte com a fartura que a chuva traz e experimenta também a seca prolongada e angustiante. E assim, a escassez desperta no sertanejo o espírito do zelo com a comida como em nenhum outro lugar.

 Relatos desse preciosismo nordestino com o alimento, antes passados oralmente e que foram preservados graças à memória e mãos de Ana Rita Suassuna, escritora de deliciosa estampa e conhecedora nativa daquela realidade, chegam ao conhecimento do Povo do Sul através de livros como o Gastronomia Sertaneja*.

Ana Rita, como gosta de ser chamada (nem pense em tratá-la por “Dona” ou “Senhora” porque a faz “infeliz”…), tem um cabedal de histórias e casos deliciosos de ouvir, além de apresentar utensílios e preparos que deles saem junto com algo de divertida eloquência. Nordestina e tipicamente sertaneja…

Durante o Evento PALADAR COZINHA DO BRASIL, no finalzinho de julho, em São Paulo, SP, ela me fez duas perguntas danadas de boas: “Você sabe o que é Café de Pedra?” e “E o Café Cabeludo?”. A bem da verdade, houve uma terceira, que foi “Conhece o Café com Rapadura?”.

O Café com Rapadura, bem como suas variações com o açúcar mascavo e cristal, eu conhecia há muito tempo, tanto como modo de torrar quanto de preparo, comum pelo interior do Brasil. No caso, ela se referia ao café preparado com rapadura dissolvida na água, que assume papel de costume tão arraigado que quase se parece com umBaião de Dois para beber…

Caipiramente pelo interior adentro do Sudeste, o Café com Rapadura é um retrato da cultura desbravadora do Bandeirante e mostra como esses dois produtos da terra eram tão próximos aos exploradores das fronteiras mato adentro.

O Café de Pedra não tem parentesco com a Sopa de Pedra, que faz parte da Antologia dos Contos Caipiras. Conheci no interior da Bahia e de Minas Gerais esse preparo. Na verdade, uma pedra “de estimação”, de preferência arredondada e sem porosidades, era posta junto às brasas da fogueira que os tropeiros faziam para preparar as refeições e, também, se aquecer. Depois de bem aquecida, bem “pelante”, era colocada num bule que recebia o pó de café e a água.

É uma clássica infusão, devendo o pó de café ser fino para precipitar mais facilmente, depois de devidamente mexido e, conforme o gosto pessoal, adoçado.

Veja que a pedra “pelante de quente” é muito prática, pois pode acompanhar o tropeiro ou sertanejo por onde ele for, sem ocupar espaço no embornal, além de ter profundo espírito ecológico devido à sua total reutilização…

Como parte da etiqueta sertaneja, canecas em ágata fazem o conjunto perfeito!

E o Café Cabeludo?

Bem, para responder esta pergunta, tive de revirar minhas anotações e memória… não foi de “bate pronto”.

Como a própria Ana Rita me disse (“Já vi Café Cabeludo até no Google!!!”), fui ver o que era. E descobri que já conhecia também, porém com outro nome: Café de Tição, que provei no interior de São Paulo, na Sorocabana!

Num bule com água que vai ao fogo é colocado o pó bem fino, até chegar à fervura. E aqui temos uma outra infusão, desta vez muito mais próxima ao Ibriq, que é o preparo mais antigo do mundo. O Café Cabeludo difere do Ibriq porque ao invés do bule ser retirado do fogo quando o líquido ferve, repetindo-se este ato por até 3 vezes até que o pó precipite totalmente, pode ter um pedaço de carvão em brasa rapidamente mergulhado no café ou ter um pouco de água fria despejada. Como resultado, há a formação de grossa camada delicadamente cremosa e revolta na superfície, lembrando uma despenteada cabeleira.

Observe na foto a formação de estrias depois de um pouco de água fria ser colocada, parecendo rastros ou mechas de aloirada peruca…

Tente fazer também um desses cafés, experimentando, assim, o autêntico espírito sertanejo num bule de café!

*GASTRONOMIA SERTANEJA – Receitas Que Contam Histórias (Editora Melhoramentos, 2010)

Trip to Yemen – 4: Haraz & Jabal Bura (& Yemeni Baristas!)

Thiago Sousa

Os trabalhos da 2nd International Conference on Arabica Naturals, em Sana’a, encerram-se no dia 13 de dezembro com excelentes resultados. O dia seguinte,  14, estava reservado para o início de uma longa jornada pelas principais origens yemenitas produtoras de café. Eram antes das 6 h da manhã quando um grupo de amigos se juntou no lobby do hotel, aguardando as camionetes 4X4 que nos levariam. Expectativa total!

Todos estavam ansiosos pelo início da grande aventura, uma vez que todos, apesar de experientes no café, estavam se iniciando nas origens do Yemen. Este país, considerado ainda o mais pobre dentre os da Península Arábica, pode ser dividido em duas grandes áreas geográficas: o Sul, onde predomina o deserto, é rico em petróleo, que gera a maior parte das divisas do país, enquanto que o Norte, onde grandes cadeias de montanhas se estendem generosamente, tem na agricultura sua sustentação econômica. Apesar da conhecida fertilidade dos rincões montanhosos, em parte explicada pela incrível quantidade de rochas calcáreas, apesar da topografia íngreme e repleta de pedras, tem outra restrição: a água, que é bastante escassa. Ou seja: se não é o caso de paisagem desértica de dunas em mutação, predomina a aridez das montanhas pedregosas.

As chuvas são diminutas se compararmos à abundância existente no Brasil (não mais que 30% do que chove em nosso país!), por isso tem de ser sabiamente empregada pelos yemenis.

Nesta primeira etapa da jornada, nosso destino era Haraz, uma das mais antigas cafeiculturas do mundo (lembrem-se de que a cafeicultura do Yemen é milenar!) nas montanhas. Lavouras de café entre 1.500 m e 1.800 m de altitude. Não, não eram as mais elevadas… no entanto, elevações dessa magnitude já ultrapassam as Centro-Americanas como em BoquetePanamá.

A principal característica das lavouras é o fato de que todo o plantio é feito empregando a técnica de terraços, que permitem lidar com a declividade das montanhas e auxiliam na retenção da água. O que impressiona é o perfeito trabalho em nível, no que podemos chamar de alinhamento em State of Art. Aproveitamos, o Companheiro de Viagem Manuel Diaz e eu, e fizemos algumas medições e cálculos rápidos. Conclusão: no espaçamento médio empregado, a densidade de plantio fica em torno de (pasmem!) 7.000 plantas por hectare!

Isso explica, em parte, a relativa boa produtividade dessas lavouras.

Estes terraços estão em Jabal Bura, e ficam entre inacreditáveis 2.000 e 2.400 m de altitude. Algumas lavouras chegam a conversar com as estrelas, pois estão a cerca de 3.000 m acima do nível do mar!

Observem em detalhe a construção de um terraço. Impressionante, não?

Imagine que fizeram, inicialmente, o traçado de cada linha, verificaram o nível para, finalmente, construírem, literalmente, as paredes de cada terraço. Daí, é razoável concluir que por se tratar de uma obra de engenharia, o custo para a implantação de uma lavoura como essa chega a ser… impensável! Porém, é algo que fazem a centenas e centenas de anos…

Outra coisa: sendo a largura dos terraços, principalmente naquela altitude, bastante pequena, dá para compreender que todos os serviços são feitos manualmente. Tratores são impensáveis e até mesmo cavalos. Para vencer esses terrenos pedregosos e íngremes, somente burricos e cabras. Estradas em desenhos pouco civilizados e repletas de seixos rolantes são vencidas com certa dificuldade pelos valentes Toyotas 4×4!

Foi uma aventura vertiginosa!

Como refresco, assiste ao vídeo abaixo e conheça o mais antigo serviço de café, o Ibriq, numa cafeteria típica do Yemen: