Ora, chupar grãozinhos!
Thiago Sousa
A lenda mais corrente sobre a origem do café, originário dos altiplanos da Ethiopia, Leste Africano, diz que um pastor de nome Kaldi percebeu que suas cabras ficavam muito agitadas quando próximas a uns arbustos de belas folhas de formato elíptico e intensa cor verde.
Observando atentamente, Kaldi descobriu que suas sabidas cabras estavam se esbaldando com frutinhas arredondadamente vermelhas que se formavam nos ramos desses arbustos.
Ele próprio, segundo a lenda, experimentou essas rubras frutas e adorou o seu sabor intensamente adocicado. Deve ter pensado “como são inteligentes minhas cabras…”
Certamente, o adocicado da polpa da fruta deve ter deixado Kaldi ligeiramente eufórico como acontece conosco quando ingerimos açúcar, principalmente a sacarose (= açúcar de cana) e glicose (encontrada no mel, por exemplo). Estas substâncias, reconhecidas como energéticas, tem um rápido metabolismo em nosso corpo e o “choque”, se assim podemos dizer, é sentido facilmente pelo nosso corpo, assim como o seu agradável sabor. Apenas para lembrar um pouco de como o açúcar é importante na nossa recomposição depois de um grande esforço, todos as bebidas isotônicas, indicadas para os atletas, tem açúcar e sais minerais em suas fórmulas.
Em geral, a polpa do grão perfeitamente maduro do café tem uma concentração de solúveis da ordem de 20 %, dos quais 6% a 10% correspondem aos açúcares. Por isso é que os frutos do cafeeiro atraem tantos animais para o seu consumo: de cabras ao luwak da Indonésia, passando pelos jacus, maritacas e mesmo os “loucos” por café como nós…
Naquela época, de nada adiantaria Kaldi colher as sementes de café animalmente processadas para comercializar como algo exótico, mas, ao menos, permitiu que um novo nicho de mercado fosse criado milênios depois.
Dizer que as cabras de Kaldi ficavam hiperativas devido à cafeína não é verdade porque ela se encontra no interior das sementes, sendo extraída após a torra e preparo da bebida. Porém, esta é uma lenda e como toda boa lenda tem os seus mistérios.
O hábito de chupar as frutas do cafeeiro, no entanto, tem uma razão para nós: assim como outras frutas de polpa como a sempre mencionada jabuticaba e a uva, o sabor adocicado nos demonstra se a maturação está completa ou não. É um exercício muito interessante e sempre estimulo aos amigos “loucos” por café para fazerem isso, desde que a lavoura permita isso, ou seja, que o prazo de carência de eventuais agroquímicos aplicados esteja encerrado. Casos de lavouras que empregam manejo com pouco uso desses agroquímicos ou até mesmo sem eles são os mais seguros para essa, digamos, prática de habilidade sensorial.
A foto acima mostra o Companheiro de Viagem Chad Moss, de Edmonton, Canada, procurando por frutas do café para experimentar.
Antes da ida ao campo, havia comentado com ele sobre os diferentes pontos de maturação e comparamos com o que ocorre com as uvas viníferas. Chad, talentoso barista, também adora experiências enogastronômicas, o que torna nossas conversas sempre muito bacanas.
Conforme o processo de maturação da fruta avança, é possível perceber a notável alteração na relação entre os alcalóides, que transmitem a sensação de adstringência, e os açúcares. Existe, ainda, um outro dado importante, que é o perfil de açúcares na polpa, pois apesar de uma infinidade de açúcares presentes, há o predomínio de três deles: a glicose, a sacarose e a frutose. Dependendo de como o teor de açúcares está composto, a nossa percepção pode mudar dramaticamente.
Mas isso é tema para um outro post…