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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

CIÊNCIA

A Torra do Café não é Pop!

Ensei Neto

Gráfico vrLink sendo analisado durante exercício no curso Ciência da Torra do Café. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal.

Gráfico vrLink sendo analisado durante exercício no curso Ciência da Torra do Café. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal.

A vida é uma sucessão de reações químicas e bioquímicas cujos resultados chegam ao ponto de serem considerados verdadeiros milagres. Tudo na Natureza acontece de acordo com condições que a Ciência denomina de Condições Pétreas ou Obrigatórias.
Para que uma reação química possa ocorrer, três são as condições obrigatórias: que os componentes estejam disponíveis; que a proporção entre os componentes esteja correta para que a reação seja possível (Lei da Estequeometria); e que exista energia necessária e suficiente para que a reação aconteça, que é conhecida por Energia de Ativação.

Para se preparar um bolo, por exemplo, essas condições continuam válidas:
a) você precisa ter todos os ingredientes para executar a receita;
b) em seguida, você deve fazer a combinação nas quantidades ideais entre eles; e
c) finalmente, a sua mistura deve ser levada ao forno para assar.

Se todas as condições estiverem satisfeitas, o resultado será no mínimo saboroso!

Uma das crenças mais fortes que existe entre os praticantes da Torra do Café é a audição de uma série sonora conhecida como Crack (como é conhecido nos países do Hemisfério Norte) ou Pop e até mesmo por Pipoco, como esse som é chamado pelos brasileiros como uma referência de processo.
Segundo diversos compêndios sobre Torra do Café, existem dois Pops bem definidos, sendo que o primeiro ocorre por volta dos 180ºC na condição de 1 atm de pressão. Esse som é devido à ruptura da parede celular em razão da forte pressão exercida pelo gás carbônico e vapor de água formados durante a Reação de Pirólise.

A Reação de Pirólise, que  pode ser classificada também como uma reação de combustão, acontece quando a molécula de Glicose se combina com o Oxigênio sob grande quantidade de energia, resultando em Gás Carbônico e Água (vapor), além de estupidamente grandes 15 kJoules de energia (equivalentes a 4,3 watt) gerados por grama de Glicose.  Para se ter idéia do que essa quantidade de energia pode fazer, basta saber que em 1 kg de grãos de café, a quantidade de energia que pode ser gerada permite você ligar um aparelho de 60w por 13 horas ininterruptas!

 

       1 GLICOSE + 6 O2  + Energia ==== > 6 CO2 + 6 H2O + 2.805 kJ/mol

 

A energia necessária para que essa incrível reação aconteça corresponde a praticamente outros 2805 kJ/mol. Essa reação é conhecida também como Reação da Vida porque é fundamental ao possibilitar qualquer atividade de um ser vivo, desde as mais prosaicas às mais sofisticadas, como o ato de simplesmente abrir os olhos, de respirar, coçar a cabeça, andar ou praticar uma maratona e até pensar.
Sim, a Glicose é o combustível que torna viável realizar tudo isso.

Observando a equação que descreve a Reação de Pirólise, fica claro que a proporção de Oxigênio na reação é de 6 vezes em relação à Glicose, o que nos faz concluir que é necessário que no ambiente onde a reação acontece deva ter ar, muito ar disponível!

Num torrador de café, o principal mecanismo de transmissão de calor, principalmente quando o conjunto está em fase mais adiantada, é o de Convecção, que é quando um fluido mais quente aquece outro mais frio. Tecnicamente, considera-se fluido todo material que pode, digamos, se comportar como um líquido, para ficar mais fácil de imaginar, tal qual quando a água em seu estado líquido passa por um encanamento. A massa composta pelas sementes de café, durante o movimento do tambor, adquire comportamento que pode, mesmo que grosseiramente, ser assumido como a de um fluido, vindo a trocar calor com o fluido assumido pelo ar aquecido.

Em equipamento de boa tecnologia, a parede de seu tambor deve estar isolada para que o mecanismo de Convecção seja predominante, pois além de sua maior eficiência, tem-se maior precisão no controle da Convecção do que quando a Condução ocorre. Nesses torradores, é possível dosar a energia para cada etapa da Torra do Café através do perfeito controle da temperatura do ar que passa pelo tambor, trocando calor com as sementes de café. A temperatura do ar aquecido pode variar de 380ºC a 650ºC, a depender da tecnologia do queimador.

A Glicose é uma molécula que pode estar em qualquer parte da semente, inclusive em sua superfície. Imagine que, por obra do acaso, uma  dessas moléculas esteja livre e bela na superfície de uma semente de café vendo um caloroso vento a mais de 400ºC devidamente oxigenado passar. É o que basta: acontece a Reação de Pirólise porque as 3 condições obrigatórias para que uma reação química aconteça foram satisfeitas.

Assim sendo, é razoável pensar que será visível a ruptura da parede celular de uma semente que tenha sido palco dessa impetuosa reação, mesmo que a temperatura do sistema esteja muito abaixo dos 180ºC.

Efeito Hulk. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal.

Efeito Hulk. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal.

Na foto acima, é possível observar o calombo provocado pelo rompimento das paredes das células que continham Glicose, que se decompôs quando ficou exposta ao caloroso ar aquecido, mesmo com os termômetros registrando temperatura pouco menor que 160ºC. 
Esse efeito, em que a expansão da semente do café decorrente da Pirólise ocorre pontualmente, denomino de Efeito Hulk. Por capricho da Natureza, o som do rompimento da parede celular que deu origem ao calombo não é audível por ouvidos nus; é necessário um sonar ou um amplificador para se captar esse som.
Portanto, para se ouvir o Pop ou Crack é necessário que uma quantidade muito grande de Glicose esteja se decompondo simultaneamente. Esse fenômeno é fiel a um clássico ditado que menciona que uma andorinha só não faz Verão!

Isso quer dizer que tentar ouvir o som do Pop pode fazer com que você perca o bonde da qualidade do café!

Definitivamente, a Torra do Café não é Pop!