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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

CIÊNCIA

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Por que Blend? – 1

Thiago Sousa

Cada boca, uma sentença!

Já ouviu algo assim?

Na verdade, o ser humano é sempre único, quero dizer, se não existem duas pessoas iguais (nem mesmo os gêmeos univitelíneos!), muito menos duas pessoas terão exatamente as mesmas percepções. Cada órgão do nosso corpo tem, digamos, uma capacidade operacional como ouvidos mais sensíveis ou um nariz extremamente bem equipado com  milhares de sensores olfativos. Porém, tudo isso só será bem empregado desde que haja uma “central” de grande desempenho para processar informações e correlacionar com diversas experiências para, então, chegar a uma dedução de bom senso.

Imagine que você está numa cafeteria muito bacana, belo ambiente e, então, é hora de pedir um café. Você dá uma olhada na carta de cafés e decide pedir um coado do Blend da Semana.

Hum… e o que seria, afinal o Blend da Semana?

Algumas casas são altamente didáticas e procuram explicar ao consumidor “Louco por Café” como foi que chegaram ao Blend da Semana que está sendo servido. Você pode pensar: “Puxa, estou no Brasil, não tenho a possibilidade de encontrar um café produzido em Limu, na Ethiopia, ou mesmo um sempre instigante Guatemala de Hue Huetenango.”

Não tenha essa preocupação, até porque se você chegou a este ponto certamente já é sabedor de que o Brasil tem origens de café que se esparramam do Ceará ao Paraná e, portanto, podem ser encontrados cafés com uma riqueza impressionante de aromas e sabores com um punhado de países do Hemisfério Norte!

Numa descrição sensorial do café pode haver uma referência à sua acidez (alta ou muito discreta), encorpado (muito ou nem tanto) e a alguma nota de aroma que remete a algo bem conhecido uma flor ou uma fruta seca como nozes. Observe que, no fundo, muito da descrição será percebido por você desde que uma experiência semelhante tenha sido vivenciada. Só podemos descrever uma sensação depois de sentí-la!

A partir da descrição, uma expectativa é criada. “Será esse Blend da Semana tudo isso que escreveram?”

Chega o tão esperado café!

Perfumado, de aroma intenso… seria floral ou uma fruta? O risco de se somatizar a percepção de uma dada nota aromática é muito grande após saber qual é a descrição sensorial, principalmente quando a experiência em desvendar aromas e sabores é pequena e a insegurança que o pouco conhecimento provoca é muito grande. Indução quase que inevitável.

Para superar essas barreiras, experimente! Muito! Sempre! Tudo!

Voltando ao Blend da Semana… para os Iniciantes, é desejável que seja bem fácil e agradável de beber. “Fácil” é um termo que usamos para cafés com bebida, digamos, descomplicada, ou seja, com menor quantidade de informações sensoriais, centradas em sabores mais comuns. Um exemplo: uma bebida que tenha o clássico aroma com notas a caramelo, de boa intensidade; na boca a primeira coisa que se percebe é uma boa doçura, que revela a presença de boa quantidade de açúcares e, portanto, de que os grãos são de frutas colhidas maduras, como se deve! Pode haver um elegante toque cítrico devido a uma acidez de intensidade suficiente para, também, “quebrar” as notas “melosas” de caramelo.

De forma simplificada, ao se pensar num Blend (sim, o que fazemos é Blend Design) a primeira questão é saber quem vai beber (será um iniciante ou iniciado?), como vai beber(ah… qual o melhor preparo?) quando (hum… pela manhã algumas pessoas gostam de sabores ligeiros, espertos, enquanto que à tarde algo mais repousante, caminhando para o relaxamento). Nem sempre um único lote de café produzido numa fazenda específica apresenta um leque extenso de informações sensoriais. É quando se torna necessário combinar diferentes lotes produzidos em diferentes fazendas de localidades distintas.

Um café produzido em região montanhosa tem uma tendência a apresentar maior acidez, enquanto que um produtor se especializou em produzir Naturais que carregam deliciosas notas que lembram frutas como o pêssego. Por outro lado, combinar diferentes variedades pode resultar em cafés de maior complexidade, isto é, que trazem muitas informações sensoriais, o que  é ótimo para testar a evolução de sua capacidade de degustar!

Em cada boca, uma sentença…

Thiago Sousa

O ser humano tem por natureza procurar padrões em tudo que o cerca, muito disso em razão de uma incansável busca de tudo que possa lhe transmitir sensação de segurança. Afinal, quando vemos algo que nos soa familiar, sentimo-nos confortáveis, abrigados como pássaros no ninho.

Um exemplo interessante é o que encontramos na Música. Da Renascença até o início do Romantismo, por exemplo, a estrutura musical predominante se caracterizava por uma sequência harmônica denominada Consonante, que são sons que transmitem sensação de repouso. Se você ouvir peças desse período, perceberá que algumas sequências são até, digamos, previsíveis. No final do período Romântico estruturas harmônicas diferentes começaram a pulular por inspirados autores como Beethoven e Tchaikowsky, que passaram a empregar com mais frequência os chamados acordes Dissonantes, que são aqueles que nos passam idéia de movimento. O Jazz é, por sinal, o estilo musical que mais abusa criativamente da Harmonia Dissonante, empregando acordes impensáveis para um Bach ou Pachebel.

Fica claro que quando um determinado padrão se impõe por um período muito longo, é esperado um movimento de inconformismo, geralmente tímido no início, que cresce rapidamente porque mais pessoas começam a buscar novas luzes, permitindo, assim, leituras diferentes para uma mesma obra. Dessa forma, novas interpretações podem ser adicionadas também!

É o que acontece com nossos sentidos para perceber gostosuras, o Olfato e o Paladar. Nossa vida é uma verdadeira Jornada Sensorial, que começa nos primeiros dias de nossa vida, com os aromas e sabores mais simples como o cheiro da nossa mãe e o seu precioso leite, ganhando sofisticação e complexidade com os anos.

Parte do que costumo chamar de Educação Sensorial se deve a nós mesmos, uma vez quesomos verdadeiros Equipamentos de Avaliação Sensorial, que variam em função do ”Fabricante”, “Ano de Fabricação”, “Modelo” e “Acessórios”…

Como todo bom equipamento, saímos com o ajuste básico de fábrica, principalmente em duas peças muito importantes: Nariz e Boca. Ambas são compostas de um impressionante conjunto de sensores, o Conjunto Olfativo e o Conjunto Gustativo, previamente definidos pelo “fabricante”. Ou seja, a quantidade de Células Olfativas e dePapilas Gustativas é definida geneticamente, ainda no momento do “projeto do equipamento”.

Nossa língua é como nossas digitais ou a íris: ela é única! 

Não existem duas pessoas com o mesmo desenho da língua, formado pela quase infinito número de combinações entre as Papilas FiliformesFungiformes e Caliciformes!

Na foto acima, você pode ver uma língua com uma enorme quantidade de Papilas Fungiformes, em formação típica de pessoa que tem grande sensibilidade para o Sabor Amargo. Sim, é possível fazer uma Leitura Lingual (como disse a Companheira de Viagem Roberta Malta, numa tirada divertida!) e ter idéia dos sabores favoritos de cada pessoa.

A Educação Sensorial é um processo de acúmulo contínuo de experiências e que torna o equipamento mais eficiente na medida que ele é mais exigido. Motor de carro novo precisa de um período de amaciamento para, então, poder ter o seu melhor desempenho. E esse amaciamento depende exclusivamente do piloto e sua habilidade.

Pessoas que se interessam por novas experiências, que buscam descobrir novas leituras de uma mesma obra ou, no nosso caso, de uma bebida ou comida, deixam para trás o simples ato de mastigar e engolir e adentram no maravilhoso mundo da degustação. Degustar é isso: é perceber, é interpretar e, dependendo, se deleitar. Tudo depende de começar: experimentar, comparar e não se acomodar.

Seja para café ou outras bebidas, comida e todas as guloseimas da vida!

Um toque final: não se acanhe se você não perceber “notas florais como alfazema francesa” ou “sabor como frutas silvestres da Noruega”. Afinal, só conseguimos reconhecer aquilo que já tivemos contato. Caso contrário, as tais ”frutas silvestres” podem nos lembrar as amoras do quintal do vizinho…

O importante é que ao levar à boca uma xícara de café, a interpretação deve simplesmente ser gostei,gostei em parte ou não gostei. Mesmo porque, gosto é um julgamento estritamente pessoal. Por isso, em cada boca, uma sentença!