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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

CIÊNCIA

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O inefável raio gourmetizador versus o bom senso

Thiago Sousa

Nos dias de hoje, devido à velocidade que a internet impregnou na disseminação das notícias, idéias e conceitos, rapidamente as palavras podem ganhar super exposição, vindo a perder, muitas vezes, o seu sentido original.

Uma delas é a palavra GOURMET, que originalmente do francês tem o significado de “aquele que sabe apreciar e degustar vinhos”. Porém, já em meados do Século XIX, a palavra ganhou maior amplitude ao somar “entendedor e apreciador de boas mesas”. Posteriormente, passou a funcionar como um adjetivo para “aqueles que preparam alimentos com alta qualidade”.

Isso me lembra uma passagem interessante do Mercado do Café Torrado: em 1999 a ABIC resolveu criar um novo programa para complementar o identificado pelo SELO DE PUREZA ABIC, baseado no conceito de Qualidade do Café.

Para isso, foram estabelecidas Categorias de Café que identificariam ao consumidor a Qualidade Sensorial do Produto. Assim nascia o PQC – Programa de Qualidade do Café da ABIC, que pode ser melhor compreendido através do seu website (www.abic.com.br). São três as categorias: Tradicional, Superior e Gourmet.

Para possibilitar a classificação dos produtos das indústrias, criou-se aprimeira Metodologia de Avaliação Sensorial de Café Industrializado/Torrado do Mundo que emprega pontuação de Zero a Dez pontos: Tradicional (Nota de 4,5 a 5,9), Superior (Nota de 6,0 a 7,2) e Gourmet (Nota de 7,3 a 10,0).

Ainda esta metodologia estava em fase de estruturação quando uma das empresas associadas à aquela entidade lançou produtos com o o nome GOURMET associado. Naturalmente foi uma grande novidade para o mercado, gerando muito impacto na mídia ao mesmo tempo que um enorme desconforto ficou no grupo de trabalho da ABIC.

A lição que ficou é que a simples adoção do adjetivo não significava que o conteúdo fosse de fato de excelente nível, principalmente porque ainda não havia uma metodologia para atestar qual era sua verdadeira classificação.

Se observarmos as pontuações e, sugiro, forem experimentadas as marcas autorizadas a estamparem os respectivos Selos PQC. Apesar da nota relativamente distante da notória Nota 8,0 ou os famosos 80 pontos SCAA/Specialty Coffee Association of America que representam a barra mínima para um Café ser considerado Especial,  os 7,3 PQC estão mais próximos, por exemplo da metodologia empregada pelaBSCA/Associação Brasileira de Cafés Especiais. Esta é a razão pela qual a BSCA tem utilizado como sua barra, principalmente para concursos, a nota 84 pontos CoE/Cup of Excellence.

Aproveitando o caminho aberto por uma das grandes empresas do mercado, outras seguiram o exemplo, proliferando-se rapidamente o número de marcas de Cafés Gourmet no mercado Brasileiro. Uma das características mais interessantes era o fato de que como o serviço de Espresso estava ganhando muita projeção, as diversas indústrias que estavam apostando fichas nesse novo segmento o faziam empregando lotes de café com peneiras maiores, as chamadas Peneiras 17 /18.  Entre as torrefações havia a crença de que o tamanho dos grãos era sinônimo de qualidade, pois, evidentemente, há uma diferença de preços entre lotes com cafés de grãos menores, como os Peneiras 14/16, e os de Peneiras 17/18.

Só para se ter uma idéia de grandeza, uma semente crua de Peneira 14 tem diâmetro médio de 5,56 mm, enquanto que uma semente de Peneira 176,75 mm.

Foram necessários muitos anos para que o mercado começasse a mudar e o consumidor, mais aberto às diferentes experiências com cafés, notar que a Qualidade está ligada com os Aromas & Sabores, que devem ser sempre agradáveis, sem causar sofrimento para beber o conteúdo de uma xícara…

A melhora do poder aquisitivo do brasileiro contribuiu muito para melhorar a percepção da qualidade dos produtos através da possibilidade de viajar para diferentes países e, assim, experimentar produtos e serviços de qualidade superiores aos oferecidos em nosso país.

É a experimentação e vivência que possibilitam a criação da mais importante “arma” do consumidor: a capacidade de comparar!

O Bom Senso sempre supera a aceitação de produtos que não são exatamente aquilo que se autoapreagoam, distando muito quando apreciados com o espírito, digamos, desprendido e “pé no chão”.

Infelizmente, a Síndrome do Nouveau Riche ainda permanece no ar e muitas pessoas simplesmente ostentam ao invés de apreciar, o que fez surgir oInefável Raio Gourmetizador! Rá!!!

Esse Raio de efeito devastador criou uma Onda Gourmet de proporções Tsunâmicas, atingindo segmentos até então impensáveis como a Tapioca Rude Gourmet ou Maçarico Gourmet! Isso sem falar nas Varandas e os Etecetera & Tal Gourmets.

Uma simples água mineral de uma grande empresa, vendida em garrafas plásticas ultra finas, ao trocar de embalagem mais robusta, tem seu preço triplicado. Esse é o resultado do Raio Gourmetizador!

O que distingue, realmente, um bom produto de outro que faz parte desse folclórico nicho, são dois aspectos: a qualidade dos ingredientes e sua execução.

As coisas bem feitas saltam aos olhos e são verdadeiros afagos ao Palato, traduzindo-se em verdadeiras Experiências Sensoriais. Como deve ser!

É a qualidade dos ingredientes e a execução da receita que definem, em boa parte, os preços dos produtos, principalmente no caso dos alimentos. Produtos da grande indústria em geral não primam pelo uso de matéria prima de excelente qualidade pelo simples fato de que sua equação econômica segue um preceito básico: custos baixos para preços de venda elevados.

Perceba que para se obter algo de alta qualidade, os ingredientes devem ser muito bem selecionados, não indicando propriamente que o valor do produto final tenha de ser estratosférico.

Não importa o produto que você irá escolher para APRECIAR: café, chocolate, tortas, bolos, sushi, cerveja ou mesmo um complexa água… o que vale é reconhecer que ao final a Experiência valeu a pena!

Para isso, basta confiar em seus sentidos. Se por acaso se sentir intimidado pelo ambiente ou por quem está servindo, feche os olhos, respire fundo e deixe-se guiar por você mesmo!

Sobre elefantes, concursos, preços e qualidade percebida… – 2

Thiago Sousa

Voltando ao Limiar de Percepção Diferencial ou da Diferença Minimamente Perceptível, vejamos outro exemplo: você já percebeu como ao colocar gotas de um potente molho de pimenta vermelha, como o ardente Tabasco, numa empadinha o impacto é imediato?

É a ardência se espalhando pela boca, fazendo alguns pontos formigarem e  sensação de queimação na língua (e no resto do corpo!). Simples efeito da Capsaicina.

No entanto, se você depois de alguns instantes repetir a dose, perceberá que o impacto é menor e tanto  o será na terceira vez. Nosso conjunto sensorial se ajusta rapidamente a esse, digamos, tamanho de impacto, de forma que para se perceber maior ardência é necessária uma dose maior de molho de pimenta na empadinha.

Assim também é como a percepção para o sabor Doce funciona, por exemplo, e para isso, é importante se conhecer as intensidades limites de percepção dos Sabores Básicos (= Gostos). Há um clássico estudo sobre o Limiar da Percepção dos Sabores Básicos pelo ser humano, que, por outra vez, é baseado em outro cujos resultados são conhecidos pelo nome de Aptidão Sensorial – Paladar, que ajudarão a compreender melhor a questão da Diferença Minimamente Perceptível.

Comentei que cada pessoa percebe de uma forma peculiar os Sabores Básicos (Doce, Salgado, Ácido, Amargo e Umami) porque a percepção depende da, digamos, população de papilas na língua.

Existem 3 tipos de papilas e elas podem ter tamanhos variados, bem como sua distribuição pela língua, sendo isto tudo em razão das características genética de cada pessoa.

Considerando-se a multiplicidade de combinações entre tipos e tamanhos das papilas e sua densidade, chegou-se ao seguinte: 25% da população é considerada como Muito Aptos (incluindo-se as pessoas que trabalham com avaliação sensorial), 50% é considerada Aptos (ainda bem, pois isso já permite às indústrias de bebidas e alimentos desenvolverem seus produtos!) e 25% da população é de Pouco Aptos (pessoal que precisa de estímulos muito intensos para perceber os sabores).

A partir dessa constatação foi construída a tabela do Limiar dos Sabores Básicos, empregada pela indústria de alimentos e bebidas.

O que se pode entender ao olhá-la atentamente, é que temos o menor limiar para o sabor DOCE, daí ser necessária quantidade maior para se sentir minimamente do que, por exemplo, o sabor ÁCIDO, para o qual nosso limiar é 650 vezes maior do que o do primeiro.

E quando falamos em Análise & Percepção Sensorial, o sabor de maior influência na contabilidade da Percepção de Qualidade é o Doce, vindo daí a importância dos açúcares. Há que se lembrar que o fruto do cafeeiro amadurece somente enquanto ligado à planta e que as melhores sementes, que serão depois torradas, são as dos frutos maduros. O fato de ser maduro está relacionado com o de ter sua máxima quantidade de açúcares. Sempre!

Vamos a um exemplo: o sabor de uma clássica uva Niágara é inconfundível. No entanto, é possível perceber que quando está madura todos as nuances da uva se tornam mais nítidas e, portanto, potentes. É o mesmo que ocorre ao experimentarmos jabuticabas ou pitangas.

Sementes selecionadas e torradas corretamente podem fazer xícaras fantásticas.

Um Café Especial (café cru), como visto, tem de alcançar no mínimo 80 pontos SCAA, o que significa que  é composto por sementes de frutos maduros em sua grande maioria. Torradas magistralmente, o perfil sensorial deve corresponder às expectativas. Tanto mais alta é a pontuação, significa que maior complexidade e intensidade de sabores se apresenta como uma boa acidez, notas florais, de caramelo e chocolate, também, ou de elegantes especiarias como canela ou anis. Claro está que esse jogo de complexidades é sustentado por um fundo obrigatoriamente doce, que garante uma percepção agradável. Ou, mais intensamente agradável!

Lotes de café de concurso atingem pontuação altíssima porque presume-se que tem a esmagadora maioria das sementes que o compõem maduras (tanto mais próximo de 100%, melhor!) e, logo, é de se esperar grande Doçura na bebida. Porém, como visto, a partir de um certo ponto, que fica na psicológica barreira dos 90 pontos SCAA, os aumentos de intensidade (sim, o que define para cima a pontuação passa a ser exclusivamente a INTENSIDADE das notas de aroma e sabor) se tornam pouco perceptíveis para a grande parte das pessoas.

E aí tem origem uma dúvida atroz: se fica tão sutil a diferença e, por isso, mais difícil de ser percebida, os valores alcançados em Leilão por esses lotes seriam realmente  justificáveis?

É até cruel pensar que muitas pessoas não perceberão nitidamente diferenças sensoriais de lotes que alcançaram, por exemplo, 93 ou 95 pontos SCAA e passem, então, a comparar com um que alcançou 87 pontos e que já era muito gostoso de se beber. Certamente, a opção de uma nova compra seria para este último lote, apesar de sua pontuação sensivelmente abaixo da primeira.

Mas deve ser pensado que é justamente a capacidade de chamar a atenção das pessoas o mérito dos leilões de concursos de qualidade. Especialistas escolheram um lote magnífico e que proporciona belíssimas experiências, desde que a torra e a extração estejam à altura; cabe ao consumidor perceber quão gostoso é esse café e torná-lo parte de sua memória viva.

Este é o verdadeiro prêmio que todo café busca!

Sobre elefantes, concursos, preços e qualidade percebida…- 1

Thiago Sousa

Outro dia surgiu uma discussão muito interessante: depois do Kopi Luwak, do Jacu Bird Coffee (aqui um representante tupiniquim…), do Bat Coffee (sim, café produzido por um morcego mexicano) e do cuspidor Cuíca Spat Coffee (outro reforçando o time brazuca), chegou a vez do Elephant DUNG Coffee, da Tailândia!

Diga-se que este chegou trombeteando a todos os cantos que é o mais caro do mundo, vendido a US$ 1,100 /kg (isso mesmo, mil e cem dólares americanos o kg!) ainda cru. O nome é o mais realista de todos os Defecated Coffees oferecidos no mercado, pois diz exatamente como é produzido.

Muita exoticidade, não?!

Por outro lado, os últimos leilões de concursos de cafés de alta qualidade que hoje estão presentes em praticamente todos os países produtores, registraram lances de altíssimo calibre  feitos por cafeterias do Japão e Coréia do Sul, atingindo cifras impressionantes como foi com um microlote do Panamá que recebeu US$ 111,50 per pound, o que equivale a US$ 14,749.22 ou R$ 29.498,44 a saca de 60 kg!

Perguntaram para mim: será o Fim dos Tempos chegando?!

Uma outra pergunta poderia ser feita: O que seria na xícara um café tão excepcional?

Veja que esta questão vale também para diversas outras bebidas que tem feito muito barulho no mercado, como vinhos e coquetéis entre outros.

Creio que podemos começar a responder levando a questão para uma outra perspectiva: Como percebemos as diferenças sensoriais em níveis crescentes?

Existe um estudo muito interessante que foi desenvolvido pelo Físico e Matemático alemão Gustav Fechner em meados do Século XVIII que procura correlacionar a resposta a um estímulo sensorial com a intensidade desse estímulo. Ele aperfeiçoou conceitos estabelecidos por Ernest Weber ao ditar a famosa Lei de Weber-Fechner (SR = k.logS, onde Sé a intensidade de um Estímulo Sensorial, k uma constante que varia entre zero e um, e SR a resposta ao estímulo), que diz que A resposta a um estímulo é proporcional ao logaritmo desse estímulo. Para melhor compreensão dessa lei, é importante também se conhecer o conceito de Limiar de Percepção Diferencial ou da chamada DIFERENÇA MINIMAMENTE PERCEPTÍVEL – DMP (em inglês JND –Just Noticeable Difference), que mostra o limiar de percepção à menor variação de um determinado estímulo e que é representado pela equação ∂E = c.E, onde ∂E é a mínima diferença percebida na variação de intensidade de um estímulo, c uma constante e E a intensidade desse estímulo.

Muito complicado?

Vamos a um exemplo. Imagine que você tem um fardo de café pesando, digamos, 20 kg. Qual seria a menor quantidade de café adicionada que seria perceptível para quem está carregando?

Admitindo-se que a constante c para este caso seja 0,03, e tendo que E são os 20 kg, o resultado será de 600 gramas. Bem o que significa isso?

Se você colocar mais um pacote de 500 g de café no fardo, esse aumento de peso certamente será imperceptível a quem carrega. No entanto, caso adicione outro de 250g (no total, 750 g), aí, sim, esse aumento será percebido, pois essa quantidade é maior do que a mínima, no caso 600 g!

A partir do conhecimento do conceito de Limiar de Percepção, fica mais fácil de compreender o que o Gráfico de Weber-Fechner quer nos transmitir. Observe que a curva começa com um grande diferencial no início, que declina rapidamente. Como resultado, mesmo com aumentos estáveis na intensidade de um estímulo, a resposta tende a apresentar percepções cada vez mais próximas; portanto, a partir de uma determinada intensidade de estímulo, para que este seja efetivamente perceptível, é necessário que essa intensidade seja cada vez maior! Ufa!

E por que é comentei tudo isso?

É porque nos nossos Cursos de Educação Sensorial, uma das referências utilizadas é justamente a Lei de Weber-Fechner, principalmente para todo o processo de educação do Paladar. A SCAA – Specialty Coffee Association of America determinou em seus protocolos que um lote de Café Especial, além de estar isento de impurezas e problemas verificados por avaliação física, ele tem de apresentar bebida que ultrapasse 80 pontos SCAA. Isso numa escala decimal que vai até cem pontos.

Numa linguagem direta, 80 pontos SCAA é a linha divisória que separa cafés que são agradáveis e absolutamente sem asperezas daqueles que tem adstringência e outros probleminhas, mesmo que discretos. Para o grande mercado de commodities, um Café Especial tem a chamada Bebida MOLE, pois não pode apresentar traço qualquer de adstringência, que sempre é desagradável.

À medida que o conjunto de sementes que forma o lote, em sua grande maioria tenha se originado de frutos maduros, a presença de açúcares (desde que o café tenha passado por uma boa torra) é maior  e, consequentemente, a percepção de Doçura aumenta. É quando a bebida ganha a classificação de ESTRITAMENTE MOLE, pois tem os atributos sensoriais percebidos na Bebida Mole intensificados.    Estes lotes alcançam notas acima de 85 pontos SCAA, sinalizando outra linha divisória, que é a dosCafés Excepcionais  ou Excelentes. Ao se comparar cafés com bebidas de 75 pontos, 82 pontos e 88 pontos SCAA, por exemplo, claramente podem ser reconhecidas as diferenças entre eles, pois tem distância na intensidade dos estímulos suficiente para que sejam muito evidentes. No entanto, a partir dos 90 pontos SCAA, somente pessoas com grande aptidão e muito treinamento tem a capacidade de discernir corretamente os incrementos dos estímulos relativos aos atributos  como Sabor, Acidez, Corpo e Finalização, entre outros, que levarão a números próximos do limite de 100 pontos SCAA.

COFFEE HUNTERS 2012 – Projeto #5

Thiago Sousa

Estão abertas as inscrições para o Projeto #5 do Treinamento para Coffee Hunters em 2012!

Este é um treinamento que foi desenhado para atender a  uma nova classe de profissionais, chamada de Super Especialistas, e que é estruturado em 2 etapas: A CAMPO e EM LABORATÓRIO.

Na etapa A CAMPO, os treinandos visitam duas origens produtoras para conhecer, identificar e, posteriormente, comparar, os Elementos de Território e Técnicas & Procedimentos utilizados. São escolhidos alguns lotes de café que apresentam algo que se mostre interessante durante a colheita e o processo de secagem.

O Treinamento recebe o codinome de Projeto pelo fato de que os roteiros, ou seja, as localidades que são objeto de estudo, não se repetem. São definidas de acordo com o desenvolvimento dos frutos e elementos climáticos, que são particulares a cada ano. Essa diversidade de origens visitadas em cada Projeto tem proporcionado a criação de um belo acervo de conhecimento, além do encontro de verdadeiros tesouros sensoriais produzidos Brasil afora.

Na etapa EM LABORATÓRIO, com amostras dos lotes escolhidos durante a etapa A CAMPO, são feitas avaliações sensoriais e estudos de torra para identificar e compreender o impacto de cada Elemento de Território na xícara. É uma série de estudos muito importantes para aqueles que pretendem utilizar alguns dos lotes no serviço em cafeterias e micro torrefações.

Os trabalhos são centrados na análise sensorial e composição de perfis de torra para cada verificar o desempenho sensorial de cada lote de café nos diferentes serviços.

O modelo adotado para este Treinamento é o Coaching, pois o principal objetivo é o de construir uma linha de raciocínio lógico para compreender como cada semente de café pode se expressar numa xícara de café. É por esta razão que o número de vagas é bastante limitado, para que o aproveitamento seja excelente.

Há um processo seletivo para a composição do grupo de treinandos, que se inicia com o envio da Ficha de Inscrição juntamente com um Currículo. É, então, agendada uma entrevista. O Processo Seletivo para o Projeto #5 se encerra no dia 22 de maio, quando serão definidos os participantes.

O Treinamento tem o valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) e para saber mais sobre a forma de pagamento, além de outras informações e como obter a FICHA DE INSCRIÇÃO, entre em contato conosco através do email cafeotech@uol.com.br  .

Aguardo vocês!

Por que Blend? – 1

Thiago Sousa

Cada boca, uma sentença!

Já ouviu algo assim?

Na verdade, o ser humano é sempre único, quero dizer, se não existem duas pessoas iguais (nem mesmo os gêmeos univitelíneos!), muito menos duas pessoas terão exatamente as mesmas percepções. Cada órgão do nosso corpo tem, digamos, uma capacidade operacional como ouvidos mais sensíveis ou um nariz extremamente bem equipado com  milhares de sensores olfativos. Porém, tudo isso só será bem empregado desde que haja uma “central” de grande desempenho para processar informações e correlacionar com diversas experiências para, então, chegar a uma dedução de bom senso.

Imagine que você está numa cafeteria muito bacana, belo ambiente e, então, é hora de pedir um café. Você dá uma olhada na carta de cafés e decide pedir um coado do Blend da Semana.

Hum… e o que seria, afinal o Blend da Semana?

Algumas casas são altamente didáticas e procuram explicar ao consumidor “Louco por Café” como foi que chegaram ao Blend da Semana que está sendo servido. Você pode pensar: “Puxa, estou no Brasil, não tenho a possibilidade de encontrar um café produzido em Limu, na Ethiopia, ou mesmo um sempre instigante Guatemala de Hue Huetenango.”

Não tenha essa preocupação, até porque se você chegou a este ponto certamente já é sabedor de que o Brasil tem origens de café que se esparramam do Ceará ao Paraná e, portanto, podem ser encontrados cafés com uma riqueza impressionante de aromas e sabores com um punhado de países do Hemisfério Norte!

Numa descrição sensorial do café pode haver uma referência à sua acidez (alta ou muito discreta), encorpado (muito ou nem tanto) e a alguma nota de aroma que remete a algo bem conhecido uma flor ou uma fruta seca como nozes. Observe que, no fundo, muito da descrição será percebido por você desde que uma experiência semelhante tenha sido vivenciada. Só podemos descrever uma sensação depois de sentí-la!

A partir da descrição, uma expectativa é criada. “Será esse Blend da Semana tudo isso que escreveram?”

Chega o tão esperado café!

Perfumado, de aroma intenso… seria floral ou uma fruta? O risco de se somatizar a percepção de uma dada nota aromática é muito grande após saber qual é a descrição sensorial, principalmente quando a experiência em desvendar aromas e sabores é pequena e a insegurança que o pouco conhecimento provoca é muito grande. Indução quase que inevitável.

Para superar essas barreiras, experimente! Muito! Sempre! Tudo!

Voltando ao Blend da Semana… para os Iniciantes, é desejável que seja bem fácil e agradável de beber. “Fácil” é um termo que usamos para cafés com bebida, digamos, descomplicada, ou seja, com menor quantidade de informações sensoriais, centradas em sabores mais comuns. Um exemplo: uma bebida que tenha o clássico aroma com notas a caramelo, de boa intensidade; na boca a primeira coisa que se percebe é uma boa doçura, que revela a presença de boa quantidade de açúcares e, portanto, de que os grãos são de frutas colhidas maduras, como se deve! Pode haver um elegante toque cítrico devido a uma acidez de intensidade suficiente para, também, “quebrar” as notas “melosas” de caramelo.

De forma simplificada, ao se pensar num Blend (sim, o que fazemos é Blend Design) a primeira questão é saber quem vai beber (será um iniciante ou iniciado?), como vai beber(ah… qual o melhor preparo?) quando (hum… pela manhã algumas pessoas gostam de sabores ligeiros, espertos, enquanto que à tarde algo mais repousante, caminhando para o relaxamento). Nem sempre um único lote de café produzido numa fazenda específica apresenta um leque extenso de informações sensoriais. É quando se torna necessário combinar diferentes lotes produzidos em diferentes fazendas de localidades distintas.

Um café produzido em região montanhosa tem uma tendência a apresentar maior acidez, enquanto que um produtor se especializou em produzir Naturais que carregam deliciosas notas que lembram frutas como o pêssego. Por outro lado, combinar diferentes variedades pode resultar em cafés de maior complexidade, isto é, que trazem muitas informações sensoriais, o que  é ótimo para testar a evolução de sua capacidade de degustar!

Subtropical, Serjão, Subtropical – 4

Thiago Sousa

As origens dos vinhos em geral se localizam em latitudes maiores que 30º, podendo se estender a até 48º de latitude, onde predomina o Clima Subtropical por excelência.

A parreira e o cafeeiro são frutíferas que produzem somente em ramos novos, apesar das arquiteturas completamente distintas. Sim, enquanto a parreira é uma planta que precisa de, digamos, fios condutores para se esparramar, o cafeeiro é um arbusto que chega a ser imponente como uma conífera, com algumas variedades lembrando o formato de um pinheiro. A parreira que produz uvas viníferas é podada todo final de safra para que novos ramos cresçam após o tempo de dormência. O cafeeiro precisa lançar novos internódios para que botões florais possam ter lugar.

A localização do Cinturão Vinícola no mundo segue uma lógica que tem por base a busca por uma combinação equilibrada de insolação e faixas de temperatura adequadas. Excelente é o Verão que tem dias longos e boa quantidade de chuvas, pois esse é o período que corresponde ao que chamo de Momento Adolescência dessas frutas: precisam de muita energia (portanto muita luz!), pois o crescimento é absurdamente rápido (muita água para preencher os espaços criados…), tal qual os adolescentes!

No final do Verão e início do Outono, semelhante a quando chegamos ao ponto de nossa maturidade, continuando a comparação, as frutas precisam de equilíbrio entre luz e temperaturas, pois é quando as reações mais sofisticadas acontecem em seu interior. E sofisticado para as plantas significa produzir e acumular açúcares nos frutos. É nesse ponto que cai por terra o conceito detemperatura média anual para se considerar um local apropriado ou não para o cultivo dessas duas plantas.

Modelos modernos e sofisticados que empregamos utilizam média ponderada por momento fenológico, pois em cada fase do Ciclo do Fruto as necessidades de energia são diferentes e, portanto, as temperaturas reinantes tem de estar sincronizadas.

Observe abaixo o Gráfico Sensorial de um lote produzido na Fazenda Jaboticabal, de Johann Nick, em TomazinaNorte Pioneiro do Paraná, e que tive a oportunidade de apresentar a um seleto grupo de amigos e colegas juízes degustadores durante a FICAFÉ 2011, em Jacarezinho, PR.

A complexidade deste café é algo surpreendente e emocionante!

Isso foi possível porque combinou-se uma variedade que tem uma impressionante capacidade de adaptação ao Clima Subtropical, em parte devido à sua porção vinda do DNA de robusta. O ciclo da fruta foi impensavelmente longo, permitindo que uma riqueza de sabores viessem à tona, sustentados por uma doçura que chega a ser bestial, resultado de um fabuloso período com predomínio do metabolismo basal.

Criei este Gráfico Sensorial especialmente para a FICAFÉ e que é bastante intuitivo, ao mesmo tempo que dá pistas de elementos muito sofisticados.

O círculo da esquerda, que tem cores que vão do verde ao alaranjado, mostra a formação das notas de  Aromas & Sabores na frutificação e senescência. Portanto, você deve tomar como ponto inicial as notas HERBAIS, seguindo-se das FLORAIS, de FRUTAS CÍTRICAS, FRUTAS AMARELAS/TROPICAIS e FRUTAS VERMELHAS.

O círculo central e o da direita são notas de Aromas & Sabores formados durante a torra do café, sendo o central resultado das Reações de Maillard, enquanto que os da direita surgem durante a intensificação do processo de pirólise. No entanto, o círculo central é a chave do que é a qualidade de um café, pois o que determina a sua qualidade global é a colheita de frutos maduros, que, traduzindo-se para as nossas papilas, significa presença de AÇÚCARES e, portanto, do sabor DOCE. Durante essa etapa, onde as Reações de Maillard ocorrem e que denomino de Q1 (Etapa Química 1), pode ocorrer a formação de Caramelo
Para um café ser considerado bacana o sabor de Caramelo é Obrigatório! Escrevi em destaque para deixar bem claro que algo que sempre é encarado como um excelente atributo é, na realidade, o primeiro e necessário  indicador de que o café é de alta qualidade (= colhido maduro e secado direitinho)!

Durante as Reações de Maillard surgem em sequência as notas de Aromas & Sabores de NOZES (Amendoim e Nozes, que são defeitos), CARAMELO (Mel, Caramelo e Toffee) e CHOCOLATE (que começa com Amêndoa, Baunilha e chega no Chocolate, o Dark).

Quando se inicia a Pirólise, temos como sequência a notas de Aromas & Sabores que denominamos RESINOSOS, que estão no  Xarope de Maple e Erva Doce, por exemplo, as ESPECIARIAS LEVES como Anis e Canela, para, finalmente, chegar nas ESPECIARIAS PICANTES como Cardamomo e a rara Pimenta do Reino.

Observe que boa parte das notas de Aromas & Sabores é resultado de uma mescla de dois e até três grupos. Um exemplo: a Baunilha tem uma nota Floral, com leve passagem pelo Caramelo e de um aspecto químico como a da Amêndoa!

A retomada dos grandes vôos…

Thiago Sousa

Existem várias estórias que retratam a capacidade de retomada depois de um grande revés. Certamente a mais famosa é a da Fenix, mitológico pássaro que quando velho morria consumido por chamas geradas por si próprio, porém logo em seguida renascia de suas cinzas.

Considero a passagem da série Harry Potter (sim, assisti a todos os filmes da série porque minha filha fez parte dessa maravilhosa geração de pequenos fãs!) cujo episódio era A Câmara Secreta com uma Fenix como uma das mais belas!

Imagine um lugar que tem um solo muito fértil e, portanto, uma rara vocação agrícola reforçada pela presença de imigrantes italianos, alemães e poloneses. Bela mistura, não?

Bem, isso é o Norte do Paraná!

Esse solo fertilíssimo é conhecido como Terra Roxa, numa tradução simplória da expressão italiana Terra Rossa(rossa = vermelha). Ah, tem ainda o clima que é muito comportado, com as tradicionais estações do ano muito bem definidas, pois boa parte do Paraná está em latitude maior que o do Trópico de Capricórnio. Portanto, Primavera, Verão, Outono e Inverno são bem definidos. Com tudo isso, era natural que o café se tornasse um dos cultivos de grande interesse.

O Norte Pioneiro do Paraná tem esse nome para a cafeicultura porque foi onde ela se iniciou.

Observe bem o mapa ao lado. Na ponta do Noroeste estáJacarezinho, município que viveu a pujança do Ciclo do Café e que é a porta de entrada para quem vem de São Paulo, mais precisamente, da vizinha Ourinhos. Esta cidade é um interessante ponto de convergência, pois faz ligação com a Alta Paulista, uma das mais importantes origens paulistas de café ainda em atividade, e, também, com a Alta Sorocabana e parte do Centro-Oeste.   Só para nos situarmos, Garça é a cidade-polo da Alta Paulista, enquanto que Piraju tem esse papel na Alta Sorocabana e, há muitos anos atrás, Botucatu para o Centro-Oeste.

A divisa do Paraná e de São Paulo é feita pelo Rio Paranapanema, tendo ao longo a bonita Represa de Xavantes. Jacarezinho, PR, e Ourinhos, SP, fazem o papel de ligação entre esses Estados.

A cafeicultura se alastrou de forma impressionante, pois o fértil solo dava muito do suporte às lavouras. E  assim o Paraná se tornou o maior entre os Estados produtores de café, mantendo um longo reinado até o fatídico ano de 1975, quando a maior geada que o Brasil conheceu (e que definitivamente transformou o Mapa das Origens dos Cafés do Brasil!) dizimou quase todas aquelas lavouras. Muitos produtores perderam tudo.

Geada Negra em lavoura de café é como incêndio em fábrica de papel. Simplesmente não sobra nada…

Aqueles que tiveram condições pegaram suas malas e cuias e saíram em busca de novos lugares para continuar sua missão de cultivar lavouras de café. Foi quando as terras do Cerrado Mineiro ganharam novo colorido e sotaque.

No entanto, aqueles que permaneceram no Paraná, iniciaram uma longa e, por vezes, dolorosa jornada de reconstrução. Este processo, o de reconstrução, faz com que as pessoas reflitam mais sobre cada novo passo, em geral com maior dose de desprendimento porque tudo se reinicia. Por outro lado, esse sentimento motiva a busca por novas soluções, com muito empenho e atenção aos detalhes.

A busca de uma nova identidade foi o ponto de partida para a fundação da ACENPP – Associação de Cafés Especiais do Norte Pioneiro do Paraná. Arregaçam as mangas nova geração de produtores, muitos sem qualquer vínculo com o passado (afinal, 1975 já está distante…) e dispostos a percorrerem novas rotas.

Um dos trabalhos mais difíceis é o de mudar a percepção do mercado quanto à qualidade dos cafés produzidos na região. Depois de anos a fio cultivando-se café como era feito na Era Pré-Geada, o mercado vê o Café do Paraná como aquele com muitas xícaras defeituosas, quase sempre com fermentações indesejáveis e contaminações por terra, por exemplo. Portanto, de preços distantes daqueles praticados em regiões que se impuseram como produtoras de cafés de boa qualidade.

Mas… sangue novo e cabeças desprendidas sempre fazem coisas surpreendentes…

E tenham certeza, irão escrever uma Nova História da Cafeicultura do Norte Pioneiro do Paraná.

Territórios – 1

Thiago Sousa

Certamente você já ouviu a palavra Terroir, tão pronunciada ultimamente. De origem francesa, esta palavra pode ser traduzida por Território.

Desde os tempos antigos já se sabia que havia uma estreita relação entre os produtos agrícolas e onde eram produzidos. São bons exemplos as famosasEspeciarias, entre elas o Cravo da Índia e a Canela, que saíam da distante Índia para fazer parte de receitas de pratos servidos à nobreza européia. Sim, os indianos sempre tiveram queda especial para as especiarias, bastante ver como sua rica culinária sempre combina de forma exuberante um conjunto delas.

Tem relação com sua cultura, muito mística, com os aromas intensos que auxiliam na ambientação para a prática da meditação e até do Yoga.  Hoje, como outro bom exemplo, o Tchai é uma bebida que pode ser considerada bastante popular, muito difundida mundo afora pela gigantesca rede Starbucks.

De forma sistematizada, a noção da relação entre Território e Produtos Agropecuários se formou na Europa. Desde o Jamón da Espanha até o arroz cultivado no vale do Rio Pó, passando pelas quase incontáveis regiões vinícolas e produtoras de queijo, a lista é p’ra lá de longa…

Foi o vinho o primeiro produto agrícola a ter um processo deDenominação de Origem. Ao contrário do que muita gente pensa, a primeira Denominação de Origem foi para o Vinho Verde de Portugal no início do Século XX, vindo depois a impressionante série de origens vinhos franceses. Estes foram mais eficientes em propagar pelo mundo que seus vinhos, além do prestígio que já desfrutavam, tinham produção com território definido.

De qualquer forma, os processos foram bastante semelhantes, desde a criação de um organismo que coordenasse os serviços de certificação dos vinhos produzidos, atestando não apenas sua qualidade como também o processo utilizado. Este foi o ponto mais importante para que um modelo de criação do que podemos chamar deTerritórios de Produção pudesse ganhar espaço.

Falar em Terroir é relacionar as condições geográficas, como o local de produção, o clima e o solo, além dos aspectos botânicos e, não menos importante, o papel do produtor. Tudo tem de funcionar bem, harmonicamente. No caso do café, o namoro com as Denominações Geográficas é algo recente.

Apesar de ter sido a primeira região produtora no mundo a se organizar para obter uma Denominação Geográfica, o Cerrado Mineiro perdeu essa oportunidade ao receber uma Indicação de Procedência pelo INPI quase 6 meses após a região de Vera Cruz, no México.

Um dos requisitos mais importantes para uma região receber a Indicação de Procedência, no caso específico do Brasil, a Notoriedade, que é o reconhecimento pelo mercado de um atributo que seja relacionado diretamente com uma determinada origem, tem grande peso, assim como acontece para a Denominação de Origem, dada pela WIPO.  Apesar de sua história recente, o Cerrado Mineiro construiu a partir das boas condições climáticas a fama de origem produtora de cafés de boa qualidade dentro do Brasil, confundindo, por vezes, a origemcom o conceito de qualidade superior.

Se uma região com o Cerrado Mineiro, mesmo que demarcada e reconhecida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, com uma gigantesca área abrangendo 55 municípios, obteve sua IP – Indicação de Procedência, uma micro região poderia conseguir algo semelhante mais facilmente. Foi justamente esta linha de pensamento que norteou a demarcação da Micro Região da Face Mineira da Serra da Mantiqueira, liderada pela APROCAM – Associação dos Produtores de Café da Mantiqueira, na hoje renomada Carmo de Minas. Sua IP foi concedida neste ano de 2011, após quase 6 anos de tramitação do processo junto ao INPI.

E sobre sua notoriedade? Bem, cafés que são cultivados numa área particularmente montanhosa, a belíssima Serra da Mantiqueira, com o adicional de dividir um dos mais ricos mananciais de água mineral do Brasil, só poderiam resultar em bebidas de boa complexidade de notas de sabor, intensos aromas e quase sempre exuberante acidez cítrica.

Tudo isso é resultado da combinação que um Território pode proporcionar.

Sobre as fotos: 1- lavouras em São Roque, montanhas do Espírito Santo; 2 -lavoura sombreada em modelo agroflorestal em Piatã, Chapada Diamantina, BA; 3 – Selo do Café do Cerrado, hoje substituído pelo Selo da Região do Cerrado Mineiro; 4 – Selo de Origem para os Cafés da Mantiqueira.

23rd SCAA Show & Coffees of the year competition

Thiago Sousa

E hoje foi a abertura da 23. Edição do SCAA Show, o maior e mais importante evento de cafés especiais promovido pela SCAA – Specialty Coffee Association of America, desta vez em Houston, TX, USA. Além de abrigar a maior feira do setor, com presença de empresas de máquinas, equipamentos, insumos e utensílios para a indústria e cafeterias, tem diversas atividades educacionais e competições, sendo a mais importante o USBC – United States Barista Competition, que seleciona o representante norte-americano para o WBC – World Barista Competition.

 Outro evento que é muito badalado é o Roasters Guild Coffee of the Year Competition, onde cafés de diversos países com entidades irmãs da SCAA enviam amostras para serem avaliadas por juízes degustadores, Q Graders e SCAA Cupping Judges.Estes devem ser participantes do Roasters Guild, o grande grupo de discussão e educação para profissionais da indústria de torrefação organizada pela SCAA.

Dentre os diversos comitês de trabalho da SCAA, há o IRC – International Relationship Council, fórum que reune entidades representativas de cafeicultores de países produtores, onde o Brasil possui como representantes a BSCA – Associação Brasileira de Cafés Especiais e o Conselho do Café do Cerrado, além da ABIC – Associação Brasileira da Indústria do Café como membro convidado. 

No quadro acima estão os cafés escolhidos como Top 10 ou 10 Melhores Cafés do Ano pela SCAA. Gostaria de fazer algumas observações sobre os resultados.

A primeira coisa que salta aos olhos é a distância que o café campeão, produzido emCaucaColômbia, teve diante o vice: praticamente 2 pontos na escala SCAA. Numa competição dessa natureza, é uma diferença que impressiona, pois em geral esses cafés estão em nível de qualidade muito próximos, como pode ser observado na pontuação obtidas pelos outros lotes.

O lote de café vencedor é da variedade Geisha, que deu fama à panamenha Finca Esmeralda da região de Boquete, cujas lavouras ficam numa área de vulcões ativos e a expressivos mais de 1.600 m de altitude. Essa combinação confere á bebida exuberante acidez, efervecente e crepitante na boca. E por isso alçou os preços de lotes de Geisha produzidos naquela propriedade a valores antes impensáveis.   

 Nos últimos anos o perfil de bebida do café colombiano sofreu mudanças substanciais devido à utilização de variedades não tradicionais, à introdução de novas áreas de plantio a menores altitudes e, principalmente, pelo emprego da desmucilagem mecânica. Assim, a acidez, sua principal característica, perdeu a maior presença do ácido lático, que é formado no processo de fermentação aeróbica nos tanques de demucilagem. O fato de um lote Geisha produzido na Colombia ter conquistado o primeiro lugar no Coffee of the Year Competitioncertamente mostrou que o mercado sempre está apresentando supresas!

Destaquei o processo de secagem do terceiro colocado, que obteve a excelente pontuação de 89,46 pontos SCAA, que é o mais empregado no mundo e no Brasil: o Natural, quando os frutos são secos com a casca. E aqui outra surpresa: o café foi também produzido em Cauca, Colombia!

Incrível, não?!

 A imagem que a Colombia vende há mais de 30 anos é a de que produz Cafés Lavados (= Washed), como sinônimo de Café Despolpado, e que numa sutil mensagem induz a pensar que cafésNaturais ou Não Lavados (= Unwashed, portanto, não despolpados), produzidos principalmente pelo Brasil, seriam “sujos”!

É irônico pensar que o lote colombiano que obteve a terceira colocação foi produzido pelo processo Natural, à frente de 7 outros lotes. Isso demonstra que mais do que o processo escolhido para secagem, é o conjunto de cuidados que o produtor tem de tomar que definem a qualidade final do lote. Caso a variedade fosse o Bourbon Amarelo, pois apenas foi apontado que é Bourbon, outro ironia do destino se somaria: o Bourbon Amarelo foi originalmente encontrado nos altiplanos de Botucatu, SP, sendo historicamente conhecido como o Amarelo de Botucatu, portanto, variedade genuinamente brasileira aprimorada pelo venerando IAC – Instituto Agronômico de Campinas.

Observe que o quarto e nono colocados, cafés de El Salvador e da Guatemala, respectivamente, são da variedade Bourbon Amarelo. Também genuinamente brasileiro, outro resultado do magistral trabalho dos pesquisadores do IAC – Instituto Agronômico de Campinas, é a variedade Catuaí, presente no lote boliviano que ficou na oitava posição.

A reflexão que esses resultados nos levam é a de que o Brasil tem um setor de pesquisa genética que faz um trabalho primoroso, bem como nos setores de fisiologia e nutrição,  sem deixar de mencionar a pesquisa de processos de secagem. E se a Colombia está tentando reescrever sua história com a oferta de excepcionais cafés produzidos pelo método Natural, devem as entidades de produtores de Cafés do Brasil estimularem ainda mais para que todos trilhem os caminhos da Qualidade + Conhecimento + Tecnologia.

Finalmente: à exceção dos dois lotes produzidos na Bolívia, cujas áreas cafeeiras estão a majestosas altitudes, todos os outros são de origens localizadas no Hemisfério Norte. É questão de calendário: neste período, os cafés daquelas origens estão com o frescor da colheita recente, como acontece com os cafés brasileiros em outubro!

Porque o café é uma fruta! – 2: A torra

Thiago Sousa

Frutos maduros, frutos colhidos e secos. Descansados, beneficiados e selecionados. A etapa da Porteira para Dentro está encerrada e temos, agora, os Grãos Crus (na verdade, Sementes!) que seguem para a etapa de industrialização.

O café tem muito mais em comum, em se falando de processos industriais e partes botânicas utilizadas, com o cacau e chocolate do que com as uva e vinho. Da uva o que se quer é sua polpa para ser cuidadosamente fermentada e, assim, se obter finíssimos vinhos. As sementes tem de ser retiradas para não interferirem com o típico sabor amargo vegetal. Já do fruto do cacaueiro são as suas sementes procuradas para, depois de secas e tratadas, serem torradas para se chegar ao sempre apaixonante chocolate. Aliás, chocolate e café são tão próximos que suas principais substâncias são assemelhadas, respectivamente, theobromina e cafeína.  Na verdade, a theobromina (do grego theo = deuses, bromos = alimento) é uma molécula que dá origem à cafeína, por isso seus efeitos de prazer nas pessoas são tão semelhantes!

Para a indústria de torrefação, o grão cru é a matéria prima. Portanto, quanto melhor for a matéria prima, tanto melhor poderá ser o produto industrializado. É por isso que existe uma relação direta entre a qualidade da matéria prima, qualidade esta definida pela Pureza e Uniformidade, e o seu preço. Lembre-se que Pureza significa que o lote de café não tem impurezas como cascas, pedras e paus, além contaminações e grãos que sofreram fermentações indesejáveis. Já o conceito de Uniformidade pressupõe que os grãos sejam de frutos colhidos em pontos de maturação bastante próximos, preferencialmente plenamente maduros, conhecidos como Cerejas por lembrar essa saborosa fruta avermelhada como rubi.

Lotes de café pouco uniformes, contendo, por exemplo, grãos não maduros (ou Imaturos) vão originar probleminhas que afetarão a bebida na xícara. Comentei no primeiro post desta série que o cafeicultor tem como desafio procurar colher o máximo de frutos maduros, frutos estes que possuem o teor completo de açúcares previsto. Frutos plenamente maduros são doces e suas sementes perfeitas (é esta a razão porque as sementes são preparadas a partir de frutos nesse estágio!), com todo o açúcar que é de direito!

Caso o fruto colhido ainda não tenha chegado naquele ponto, substâncias que provocam adstringência, que é a sensação de “pega” como quando se come uma banana verde, se sobrepõem sobre a menor quantidade de açúcares formada. Para se ter idéia, para sabores desagradavelmente amargos e adstringentes somos quase 10.000 vezes mais sensíveis que em relação ao sabor doce!

Na foto acima, os grãos maduros estão separados dos imaturos (em menor quantidade), cuja cor mais clara os denunciam! Se você quebrar um desses grãos junto ao nariz, perceberá notas aromáticas lembrando a capim cortado.

O processo de torra envolve um grande número de reações químicas e bioquímicas estimuladas pelo calor. É bastante razoável pensar que o tipo de fonte de calor, bem como a forma como ele chega às sementes, sua intensidade e a delicada relação que tem de manter com o ar são decisivos para um resultado satisfatório. É ciência e arte combinadas, pois além do domínio técnico e um bom equipamento, o Mestre de Torra tem de ter sensibilidade para perceber as sutis transformações que a semente sofre a cada instante na linha do tempo de torra.

Durante a torra, a partir daquela que denominamos de Fase das Reações de Maillard, quando aquelas numerosas reações acontecem, quebrando e formando moléculas, os aromas e sabores começam a surgir magicamente!

A Roda de Aromas e Sabores da SCAA – Specialty Coffee Association of America, reproduzida parcialmente ao lado,  para fins didáticos, mostra alguns dos aromas e sabores mais comuns obtidos nessa etapa. Por exigirem menor quantidade de energia, moléculas das classes Aldeídos e Cetonassão formadas inicialmente, originando notas de aroma como nozes e amendoim.

Em seguida, envolvendo mais energia para as suas reações, são formados compostos Heterocíclicos, alguns sulfurosos, que fazem aflorar aromas como caramelo. Por fim, com o maior número de reações pirolíticas, que envolvem um aumento notável da quantidade de energia do sistema, formam-se compostos como Pirazinas, que geram aromas mais profundos como o chocolate e especiarias.

A Arte da Torra está no refinado controle dessas variáveis, em saber fazer com que notas de aroma e sabor que potencialmente estão nas sementes de um lote de café possam ser magistralmente formadas. É claro que a máquina ajuda, mas o piloto é a peça fundamental. Porém, sem um bom combustível, no caso um lote de café de alta qualidade, dificilmente se chega ao final de um rally…

O Circuito das Águas de São Paulo & O Café

Thiago Sousa

A região conhecida como Circuito das Águas de São Paulo é formada por cidades como Serra Negra, Amparo, Águas de Lindóia e Socorro, num dos extremos da Serra da Mantiqueira.

 Se tomarmos por base o que a Serra da Mantiqueira pode oferecer em termos de topografia e altitude, com paisagens e clima de montanha combinados com uma impressionante profusão de fontes de águas minerais que se esparrama por uma extensa área permitem prever excepcionais possibilidades de grandes cafés!

Amparo e Serra Negra mantém ainda um considerável número de cafeicultores, muitos de tradicionais famílias produtoras. Existem registros que indicam que o plantio de café na região iniciou-se por volta de 1830, tendo convivido com a euforia do final do Século XIX e a Crise de 1929, que fez com que a cidade de Amparo, por exemplo, passasse por um longo período de dormência econômica.

São Paulo é o Estado mais industrializado e, também, com a melhor estrutura de serviços do Brasil, fazendo, como contraponto, com que as novas gerações que vivem nas áreas rurais se desloquem para as cidades. Com certa proximidade de grandes cidades como Campinas e até mesmo de São Paulo, usar o apelo que as águas minerais tem transformou a região em pólo de turismo. Neste ponto, Amparo e Serra Negra se mostram como típicas cidades estâncias hidrominerais.

A cafeicultura da região é tipicamente formada por pequenos produtores, sendo poucos aqueles que tem áreas com 3 dígitos. A topografia montanhosa dificulta o emprego de máquinas, obrigando ao uso intensivo da mão de obra. Esta combinação impulsiona inevitavelmente os custos para cima, induzindo os produtores à alternativas de produção. Uma delas é o cultivo de hortaliças, principalmente do chuchu. Outra atividade que ganhou grande espaço é o Turismo Rural, com o surgimento de diversos hotéis e pousadas em propriedades de café.

Grande parte dos produtores de café não tem atividades diversificadas, porém um dos caminhos que tem sido trilhado por eles é a da torra do café. Café Torrado em Grãos e Torrado & Moído para todos os gostos!

A pequena indústria de café está presente em muitas propriedades, por vezes com grandes requintes de tecnologia, por outras na mais espartana simplicidade. E existem alguns casos onde esta atividade se somou ao Turismo Rural, permitindo alavancar ainda mais as vendas do café torrado. Eu diria que a torra do café abrange os mesmos extremos no caso das tecnologias adotadas para a secagem dos grãos colhidos: de um lado, manejo precário e resultados por vezes desastrosos, de outro, estruturas e esmero nos processos produzindo excelentes cafés.

Com algumas excelentes colocações no concurso estadual, os cafés de Amparo e região podem voltar ao período de grande brilho no mercado.

Torcemos por isso!

Coffee Hunters Projeto #2: Paralelos 16 e 23 Sul

Thiago Sousa

Pois é, de sopetão um novo projeto do Curso para Coffee Hunters acabou sendo concretizado.

O Projeto #2 teve como destinos, definidos em razão da época do ano, de 23 a 29 de agosto, localizados nos Paralelos 16 e 23 Sul. O roteiro teve como ponto de partida Brasília, DF, mais precisamente no Aeroporto JK, onde iniciamos a jornada rumo a Unaíe Bonfinópolis de Minas, no extremo noroeste de Minas Gerais.

Num momento em que estamos 60 dias depois do início do Inverno, o efeito da mudança da luminosidade ao longo dos dias em diferentes latitudes, ainda mais com distâncias tão expressivas, certamente seria notável, no que foi plenamente correspondido!

A colheita do café nesta região, ainda no Cerrado Mineiro, já estava em sua finalização, restando muito pouco de café sendo colhido por colheitadeiras como a K-3 e ainda boa quantidade de grãos no chão recolhidos por sistemas de aspiração.  Muito calor, umidade relativa do ar baixa e a percepção clara do impressionante efeito dos raios UV nessa latitude.

Um dos pontos mais importantes nesta etapa foi verificar o impacto da insolação em diferentes momentos do dia sobre os grãos de café.

Os dados mostraram claramente como a escolha do material para revestimento do terreiro é de expressiva importância durante o processo de secagem dos grãos de café, podendo modificar a curva de temperatura da massa e a consequente alteração da velocidade de secagem.

Na Fazenda Veredas, de Irmo Casavechia, além de fazermos todas essas medições, encontramos árvores raras na região e que tem formas inusitadas, como estes frutos de uma variedade da acácia, vistos nesta foto. Até parece que aquele macarrão “Miojo Lamen” dá em árvores…

A segunda etapa da viagem, que teve mais de 3.500 km percorridos nos 6 dias, teve como destino aAlta SorocabanaPirajuSarutaiáTimburi e Tejupá são os sonoros nomes dos municípios produtores de café da região. Um pouco da história do café pode ser revista, pois durante o Século XIX, a expansão das linhas férreas se deu por conta da cafeicultura, tendo sido a Estrada de Ferro Sorocabana uma verdadeira semeadeira de cidades.

Em Piraju está sendo restaurada a antiga estação, de belas linhas arquitetônicas de Júlio Prestes. Nas Fazendas Ouro VerdeSão FranciscoSão Vicente e Sítio Monte Alegre, da Unimesp Agropecuária, realizamos os mesmos levantamentos de temperaturas e insolação junto às lavouras e terreiros, cujos resultados serão devidamente discutidos na etapa EM LABORATÓRIO.

A última parte da viagem foi no Norte do Paraná, em Jacarezinho, onde acompanhamos a colheita do café da Fazenda Califórnia, hoje administrada pelos jovens agrônomos Flávia e Luiz Roberto Saldanha, que vem fazendo um excepcional trabalho de recuperação e manutenção das construções e documentação histórica desta centenária propriedade. 

Curso para Coffee Hunters possui 2 etapas: a primeira, denominada A CAMPO, tem duração de 7 dias, considerando-se 1 dia para os deslocamentos, pois tem como objetivo visitar duas origens distintas, conhecendo os diferentes terroirs e selecionando os lotes de café que farão parte dos testes na etapa EM LABORATÓRIO, quando testes de torras e degustações junto a estimulantes discussões técnicas se desenrolam ao longo de 4 dias.

Cada grupo de alunos participa de um roteiro específico, chamado de PROJETO, que recebe uma numeração. Os roteiros e, portanto, os Projetos não se repetirão, focando de forma lúdica, porém rigorosamente científica, os aspectos que influenciam definitivamente os aromas e sabores do café. 

A partir desta dia 31 de agosto, inicia-se a etapa EM LABORATÓRIO para o pessoal do PROJETO #1, que será todo no laboratório do CPC - Centro de Preparação de Café do Sindicafé de São Paulo.

Competição: Eles já são mais de 1.200!

Thiago Sousa

Uma das grandes discussões que tem sido centro de atenção em vários eventos ligados à produção de café tem sido sobre a Sustentabilidade do Cafeicultor. A palavra Sustentabilidade começou a ter um certo desgaste porque muitos pegaram carona na chamada Onda Verde, quando parte do entendimento do significado da Sustentabilidade está ligada à preservação ambiental.

Deve ficar claro que ela também deve ser entendida como parte da Sobrevivência dos produtores. O setor primário, onde está classificada a Agricultura em geral, vem sofrendo transformações dramáticas nos últimos anos, onde dois movimentos tem se cristalizado nesse cenário: o primeiro é em relação ao vertiginoso incremento da escala de produção (sim, propriedades cada vez maiores se tornam comum neste novo cenário); e o segundo é a debandada da geração mais nova do campo.

As chamadas commodities, palavra que generaliza mercadorias que no geral servem apenas de matéria-prima para as outras mais valorizadas, concentram-se nos minérios (ferro, ouro e cobre, por exemplo) e na agropecuária (soja, gado e algodão). Como mercadoria agrícola, o café, genericamente, na forma de grão cru não escapa das famosas Leis das Commodities: 1) A produtividade é sempre crescente; 2) Devido a isso, os preços tendem a cair…

Na verdade, não revelam nada mais do que o chamado Equilíbrio entre Oferta-Procura!

A situação da cafeicultura brasileira, apesar de manter sua produção anual em números musculosos e relativamente estáveis, vem apresentando os problemas crônicos que assolam a dos países produtores em razoável condição econômica: o custo crescente da mão de obra (e olha que no período da colheita a necessidade de pessoas é massiva, principalmente nas origens montanhosas!), de insumos (principalmente aqueles que estão sob controle do governo) e do relativo fortalecimento da moeda local em relação ao dolar americano.

Portanto, para emergir brilhantemente no meio de um oceano de grãos de café, é necessário que a qualidade da bebida seja superior.

O que difere o café das outras mercadorias agrícolas é o fato de que seu produto final é uma BEBIDA, o que permite maior facilidade para se perceber as diferentes características entre os grãos produzidos nas inúmeras origens. A qualidade dá o valor final do grão cru, desde que corretamente avaliado e, principalmente, comercializado. Quem busca por um perfil de bebida específico paga o devido valor!

Treinar os produtores para que compreendam todos os fatores que podem interferir na qualidade da bebida é o primeiro passo para que eles se tornem mais competitivos, condição básica para ficarem sob a luz da sustentabilidade.

Afinal, a Vida é uma grande competição, seja no reino vegetal, seja no reino animal, e, principalmente, entre a Humanidade!

Vence quem está melhor preparado, atento às mais sutis mudanças de cenário e condições, conhecendo perfeitamente suas potencialidades.  Neste aspecto, um dos mais ambiciosos programas de capacitação de produtores é o Programa de Certificação de Café do Governo de Minas Gerais, oCertifica Minas Café, lançado em 2006 e voltado principalmente aos pequenos e médios produtores.

Com base numa série de requisitos básicos que abrangem boas práticas de produção, gestão sensata dos recursos e um relato atualizado das atividades, tem na força dos profissionais daEMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Ruralo trabalho de orientação aos produtores em todos os municípios produtores de café no Estado. É um belo exemplo de recursos públicos bem aplicados, pois os resultados são notáveis.

Tive a experiência de conhecer vários produtores que já receberam o seu certificado. São produtores considerados micro e pequenos, com propriedades entre 5 e 10 ha (1 ha = 10.000 m2) e área de café entre 2 e 5 ha. Parece pouco, não, mas num evento que ocorreu no final de abril, mais de 1.200 cafeicultores já estavam certificados!

Talvez, este seja um dos maiores programas de certificação em andamento no café. Bem, a primeira fase está sendo resolvida: a de dar capacidade de competir aos produtores.

Agora inicia-se uma etapa mais delicada: a da comercialização, que tem por objetivo fazer essa produção certificada integrar blends que possam chegar nas xícaras de todas as manhãs… e valorizada!

SCAA Show 2010, Anaheim, California

Thiago Sousa

Começou neste dia 16 a 22ª Feira da SCAA – Specialty Coffee Association of America, retornando a Anaheim, CA.

A SCAA, que introduziu o conceito de Cafés Especiais no mundo, foi fundada em 1982 por um grupo de industriais e comerciantes apaixonados por café durante o momento de grande estagnação desse mercado nos Estados Unidos. Naquela época o café vinha perdendo espaço para outra bebidas como os refrigerantes, os energéticos e até mesmo as águas, de forma que sua fundação foi uma resposta dos apaixonados pelo café aos novos tempos.

O termo Specialty Coffee foi cunhado pela sempre 1ª Dama dos Cafés Especiais, a carismática Sra. Erna Knutsen, de San Francisco, para expressar o conceito de relacionamento e de especialidade que excelentes cafés podem sugerir ao consumidor. Graças a esse grupo de visionários, hoje o café se tornou uma bebida vibrantemente jovem, representada por descolados baristas, degustadores de café, especialistas e mestres de torra de café.

Através de um impressionante modelo de cooperação e voluntariado, a SCAA construiu um bem sucedido protocolo de avaliação sensorial de café baseado em modelo objetivo, quando a qualidade é expressa em pontos. São 10 atributos avaliados, cuja soma total de uma escala decimal  pode chegar a100 pontos SCAA, sendo considerados especiais cafés que alcançam no mínimo 80 pontos SCAA.

Desde 2004, a SCAA mantém um programa de certificação de juízes avaliadores de café, hoje conduzido pela sua entidade filial, CQI – Coffee Quality Institute, cujos profissionais licenciados recebem o título de Q Grader (Avaliador “Q” – Qualidade). Hoje, são mais de 950 Q Graders/SCAA Cupping Judges licenciados em todos o mundo, dos quais 50 no Brasil.

Você pode saber quem são os profissionais certificados G Graders/SCAA Cupping Judges no Brasil na nossa lista de downloads.

Através desse modelo de avaliação objetiva de café, instituiu-se uma linguagem comum entre os fornecedores de café cru e a indústria, tornado as transações comerciais mais transparentes. Ao mesmo tempo, facilitou a criação de competições de qualidade, uma vez que esta pode ser medida. Um dos eventos de maior prestígio é o concurso Coffee of the Year, promovido pela SCAA e conduzido peloRoasters Guild, que é o grupo de trabalho dos Mestres de Torra e profissionais ligados à indústria. Amostras de cafés das diversas entidades nacionais de cafeicultores são enviadas para os coordenadores do Roasters Guild, que avaliam os cafés e que são apresentados, devidamente pontuados e classificados, durante o Show Anual da SCAA.

Como voluntários e porisso sem chance de escolha do tipo de serviço, ficamos o meu grande irmão urso Bruno Souza, da BECCOR, de Portland, OR, e eu, seu Coffee Traveler, servindo o café de San Agustin, Huila, da Colombia no pavilhão do Coffee of the Year!

Sim, essas surpresinhas podem acontecer…

Sendo o maior evento do mercado, muitas empresas procuram fazer lançamentos de produtos, serviços e equipamentos com todo o barulho possível. Assim, o Show tem se tornado uma grande vitrine de produtos, muitos deles cheios de tecnologia e boas idéias.

Contudo, idéias malucas também podem estar presentes na forma de produtos e equipamentos inusitados como a Água na Caixa (Boxed Water)como pode ser vista na primeira foto deste post. Isso mesmo, você não se enganou: estão oferecendo água em embalagem longa vida!!!

E, para mim, o lançamento mais inusitado foi de uma empresa de Taiwan, a Taehwan Automation, especializada em automação industrial, que criou um torrador com o divertido formato de uma locomotiva antiga!

Pequenos grandes competidores – 1

Thiago Sousa

Um dos grandes desafios que os cafeicultores vem enfrentando é o descasamento entre os custos de produção e os preços obtidos na venda do seu produto, no caso, o café cru.

A “grita” tem sido geral, principalmente de produtores da tradicional região dos Planaltos do Sul de Minas, como Varginha e Três Pontas. Produtores de históricas fazendas vem reclamando desse perverso desencontro entre preços e custos.

No entanto, como toda crise, novas oportunidades acabam se abrindo. Costumo comentar que a palavraCrise na língua japonesa é representada por um ideograma composto por dois outros, que significam, respectivamente, Risco e Oportunidade. Ou seja, mesmo com todos os desafios que uma determinada situação pode apresentar, por outro lado, grandes oportunidades podem surgir. E Riscos e Oportunidades não escolhem pessoas, mas, as pessoas podem criar suas alternativas.

Um programa que pode ser considerado emblemático é o Programa de Certificação de Propriedades Produtoras de Café do Governo de Minas Gerais e que é conduzido na parte de campo pelos profissionais da EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais. Criado em 2005, esse programa procura atender principalmente os pequenos produtores, foco dessa empresa governamental. Com um modelo descomplicado, tem permitido o acesso desses Pequenos Grandes Produtores, como o caso do “seu” Sebastião Cunha, cuja história é muito bacana!

Ele trabalhou como trabalhador braçal durante anos até se aposentar e conseguir comprar um pequeno “chão de terra” na Comunidade dos Martins, em Patrocínio, MG, e iniciar o plantio de café, seu grande sonho e paixão…

“Seu” Sebastião ficou muito interessado em participar desse programa de certificação, estimulado pelos técnicos do escritório local da EMATER, e obteve seu certificado em 2009. Sua esposa faz todo os registros num caderno, de forma que todas as informações ficam rastreadas. Observe na primeira foto, ao topo, a simplicidade e eficiência ao manter um lugar para os agroquímicos, como pedem os protocolos da certificação.

Após saber do acordo de cooperação entre a ABIC – Associação Brasileira da Indústria do Café e o Programa de Certificação, ele me comentou entusiasmado sobre as vendas com prêmio pela qualidade dos seus cafés.

Portanto, os caminhos para o “seu” Sebastião estão abertos! E se depender dele, a viagem vai ser das melhores…

Na foto acima, estamos juntos, da esquerda para a direita, o Companheiro de Viagem Willem Boot, “seu” Sebastião, o outro Companheiro Graciano Cruz e eu, seu Coffee Traveler.

Microlotes de café: Quando menos é muito mais

Thiago Sousa

O que leva um lote de café ser excepcional quando se fala em qualidade?

São dois os fundamentos para isso: Pureza e Uniformidade.

A Pureza significa que não existem “elementos estranhos” ao café como pedras, paus e torrões de terra, nem mesmo grãos que tenham sofrido algum tipo de fermentação indesejável.

Quanto à Uniformidade, é um conceito que nos dá a idéia de que os grãos que compõem esse lote tem praticamente as mesmas características, definidas principalmente pelo ponto de maturação no momento da colheita.

Como já abordei em outros posts, o café é um fruto que deve ser colhido apenas quando estiver perfeitamente maduro. Parece simples, mas não é.

O cafeeiro frutifica apenas na parte nova dos ramos, cuja preparação acontece quase uma ano antes, nas suas interseções, conhecidos também por internódios. Cada internódio abriga 2 folhas, uma em cada lado, digamos assim, sendo que nesse espaço entre a folha e o ramo ficam as gemas florais, formando um “buquê” de 4 grupos de 4 gemas.

Quando as condições para a floração são boas, em geral a florada é intensa e praticamente única. Mas, nem sempre isso acontece, devido a uma série de fatores como alta temperatura ou mesmo umidade insuficiente no solo e ar. É quando ocorrem as chamadas múltiplas floradas ao longo da safra, como a representada nesta foto, onde podem ser observados frutos verdes, maduros (“cerejas”) e até “passas”.

Mesmo que a florada tenha sido única, nem sempre o desenvolvimento dos frutos é igual. Dependendo da posição no ramo, mais ou menos próximos das pontas, por exemplo, pode haver uma diferença na circulação da seiva da planta, alimentando de maneira diferente os grãos em cada roseta (= conjunto de grãos num mesmo internódio). Portanto, estatisticamente é muito difícil ter dois grãos de uma planta no mesmo ponto de maturação sob uma visão mais detalhista.

Durante a colheita o principal cuidado deve ser dispensado na colheita dos grãos perfeitamente maduros, ponto em que os açúcares majoritários estão de todo formados.

Logo, o tamanho dos lotes de café formado por grãos com a melhor aproximação da Uniformidade, de novo pela visão estatística, nunca será muito grande. É compreensível que a tendência é, justamente por isso, de serem pequenos ou mesmo de tamanho “micro”.

Esta é a explicação porque em concursos de qualidade os lotes mais bem posicionados ou simplesmente produzidos sob artesanal capricho são compostos por poucas sacas, de 5 a 30 em média. É quando Menos é Muito, Muito Mais…

Publicada pela Folha de São Paulo no último dia 19, na seção Ilustrada, uma maravilhosa matéria escrita pela Companheira de Viagem Cris Coutoprocurou evidenciar tudo isso. Fiquei honrado em ver esta foto que fiz com o Ruvaldo Delarisse, da Fazenda Chapadão de Ferro, como destaque.

Veja a matéria através deste link: http://www1.folha.uol.com.br/folha/comida/ult10005u696449.shtml 

Para finalizar, conheça um pouco mais da magia dos cafés de origem vulcânica do Chapadão de Ferro neste vídeo:

Um pouco mais sobre CAFÉS ESPECIAIS…

Thiago Sousa

Com frequência pode ser visto como alguns conceitos ainda estão difusos entre as pessoas, principalmente sobre os Cafés Especiais.

Na seção Reflexões sobre o Café, sugiro ler o texto Compreendendo os Cafés Especiais, onde procuro sintetizar as diferentes percepções sobre esse fascinante mercado de acordo com a posição relativa do participante da cadeia produtiva, seja o produtor, a indústria de torrefação ou o consumidor.

Como no post anterior comentei sobre mais uma edição do Curso Avançado de Avaliação de Café, aproveito para a todos os que querem conhecer um pouco mais dos conceitos técnicos dessa incrível metodologia desenvolvida pelaSCAA – Specialty Coffee Association of America no novo documento disponível paradownload, que é um Guia Rápido da Metodologia SCAA.

Através dele você irá perceber que existem 3 etapas para verificação se um determinado lote de café pode ser considerado ESPECIAL, segundo a SCAA: a avaliação física do café cru (quanto aos defeitos e, portanto, pureza e uniformidade dos grãos de café), a verificação do aspecto do café torrado em grão, e a avaliação sensorial da bebida.

O Curso Avançado proporciona, junto com os fundamentos científicos, um treinamento para o aprimoramento de suas percepcões sensoriais.