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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

CIÊNCIA

Filtering by Tag: Reações de Maillard

Negro como a noite… Mas, é na noite que a lua brilha!!!

Thiago Sousa

Omar Khayyam foi um grande pensador, matemático, astrônomo e poeta iraniano, que viveu no início do Primeiro Milênio. Dentre suas grandes obras estão o método para resolver equações cúbicas, que foi séculos depois novamente estudado por Descartes, e os Rubaiyat, que se tornaram conhecidos no Ocidente a partir da tradução de Edward Fitzgerald.

É dada a Omar a célebre referência ao Café que seria uma bebida “Negra como a Noite, Amarga como Fel e Quente como o Inferno”….

Mas, a bem da verdade, as noites não são negras, pois existem estrelas e é quando a Lua mostra sua face mais brilhante!

E é interessante observar que as fases da Lua apresentam três momentos distintos: um em que as estrelas predominam porque a Lua está Nova, quase totalmente encoberta pela sombra da Terra; no momento oposto, seu brilho domina a noite como um segundo Sol, quando a Lua está Cheia; e duas fases intermediárias que são a Crescente e a Minguante.

Certamente Omar Khayyam deve ter bebido apenas café “meia boca”, pois nos Berços do Café, tanto na Etiópia quanto no Iêmen, os cafés são excelentes porque existe uma preocupação em colher frutas no ponto ideal, secar cuidadosamente e torrar com toda a atenção, pois é uma bebida muito especial e rara até para eles.

Observe nesta foto as duas bebidas preparadas e muito difundidas no Iêmen: à esquerda vê-se um copo com o Bunn, que é o café (torra média pela coloração), enquanto que o copo da direita, com aparência turva, está o Qeishr, bebida típica preparada com as cascas externas da fruta do café (que aqui no Brasil seria chamada de palha) combinada com especiarias.

A Torra do Café é uma etapa importante para se obter a transformação final das substâncias que existem na semente da fruta do cafeeiro por meio de uma intrincada combinação de reações químicas entre Açúcares, Aminoácidos, Ácidos Orgânicos, Compostos Cíclicos das mais diferentes famílias e assim por diante. São moléculas que conferem notas de Aroma e Sabor, provocam sensações extasiantes em nosso cérebro (Cafeína & Família…) e ainda assim nos levam a devaneios de prazer (desde que a bebida seja realmente boa!).

Essa grande quantidade de reações fazem parte do que é conhecida como Reações de Maillard e que pode ser observada também no cozimento da carne bovina, por exemplo. Dependem necessariamente de muita energia para que possam ocorrer, sendo que cada grupo de substâncias exige uma quantidade específica. Assim como é fatídico que o Tempo sempre avança, no caso da Torra do Café, aTemperatura é também unidirecional, sempre crescente até o momento que o processo é considerado terminado.

A Cor dos Grãos depende do ponto de finalização da Torra. Torras muito claras podem indicar que o grão está Sub Torrado, com acidez cítrica estupidamente alta e com pouca presença de açúcar, apesar de, a depender da origem das sementes, notas de maior brilho e volatilidade surgirem com intensidade. Porém, uma nota que lembra palha seca em geral está presente também.

Numa Torra Escura, se o processo prosseguiu muito além do ideal, um gosto de fumaça, que é o gosto do carvão, se faz presente, minimizando a Doçura e, consequentemente, a percepção de Corpo. A Acidez diminui conforme mais intensamente torrado são os grãos, que em momento de exagero passam a ter a migração dos óleos para a sua superfície.

Na foto acima estão alguns discos do conjunto de Discos de Cores SCAA-Agtron, que foi desenvolvido especialmente para a SCAA – Specialty Coffee Association of America com alternativa mais econômica para comparação de Cor de Torra. Essa escala que tende a Zero para a cor quase Negra como a Noite de Lua Nova, enquanto que tende a 100 para tons claros (como uma Noite de Lua Cheia!). Este conjunto começa com o Disco #95 para a cor mais clara, saltando de 10 em 10 pontos (essa escala é logarítmica) até o Disco #25 para uma torra bastante escura.

Para você ter noção, a cor do Disco #45 representa a média dos cafés tipo Almofada encontrados em praticamente todos os supermercados e que é ainda o mais vendido no Brasil sob o título deTradicional pela classificação do PQC-ABIC. Cafés Especiais e também os de classificação Gourmet pelo PQC-ABIC normalmente tem cor correspondente ao Disco #65 a #55.

O importante na Torra é atingir o equilíbrio de sabores e texturas, quando a bebida do café se torna encorpada, aveludada por vezes, adocicada (ah, sempre este é um REQUISITO OBRIGATÓRIO!) como Caramelo, de elegante Acidez (preferencialmente licorosa ou adocicada) e com uma gama de notas de sabor de grande complexidade.

Outro ponto importante: cafés de excelente qualidade tornam a experiência sensorial ainda mais rica conforme esfriam, pois como comentei em posts anteriores, nosso corpo responde melhor aos estímulos do Paladar abaixo dos 50.C e mais próximos aos 37.C, nossa temperatura corporal aproximada.

Portanto, para escrever aqueles versos, Omar Kayyam deve ter experimentado cafés muito queimados para se parecerem com a negritude de uma noite sem luar e estrelas, além do amargo sabor do carvão. Foi um sofrimento e tanto…

Caramelização: Um olhar microscópico

Thiago Sousa

Um dos grandes desafios na Torra de Café é o de se conseguir preservar ao máximo aqueles que denomino de Açúcares Majoritários (Sacarose, Frutose e Glicose). Definitivamente não é tarefa simples.

A Torra de Café depende de alguns parâmetros que podem levar à soluções absolutamente distintas para cada tipo de situação. Por exemplo, em sua etapa final há o predomínio da Reação de Pirólise, quando existe um ganho de energia muito grande pelo sistema.  Isso leva à conclusão de que quanto maior a quantidade de grãos de café o sistema tiver, tanto maior será a quantidade de energia gerada nessa reação. Ou seja, neste caso, tamanho é documento!

A etapa de maior importância para se trabalhar os Açúcares é naquela em que há o predomínio das Reações de Maillard, um impressionante conjunto de reações envolvendo quebra, rearranjo e formação de moléculas de aminoácidos e açúcares entre outros. CompetentesMestres de Torra sabem trabalhar muito bem esta etapa, produzindo verdadeiras obras primas de se beber!

Observe nesta foto, que fiz usando uma poderosa lente Macro, o que denomino de Efeito Mousse.

Este é um grão Moca ou Peaberry, semente que preencheu sozinha todo o espaço dentro do fruto (a outra não vingou!), ganhando o formato arredondado. Veja que sua junto à sua superfície há uma fina camada de cor mais clara que é obtida pela caramelização e posterior cristalização, formando uma superfície de grande resistência mecânica e que ajuda muito para garantir boa longevidade sensorial do grão torrado.

Nesta foto, para comparação, podem ser vistas partículas de grãos moídos de um café que passou por uma Torra Clássica (à esquerda) e outro que experimentou um belo trabalho na etapa das Reações de Maillard (à direita). São muito diferentes, mesmo empregando mesma regulagem de moinho!

Em geral, numa Torra Clássica as sementes experimentam uma expansão muito rápida devido à Reação de Pirólise que acontece intensamente, criando forte expansão da estrutura interna e, assim, tornando mais frágil a parede celular. No momento da moagem, há formação mais frequente de partículas muito pequenas, que pode ser verificado pela análise granulométrica ou pela foto à esquerda. Junto com açúcares caramelizados (e cristalizados) estão partículas muito menores como um fino pó. A foto à direita apresenta de forma clara maior incidência de caramelo cristalizado e pequena incidência de partículas de dimensões muito menores.

É resultado de um belo trabalho de competente Mestre de Torras!

E qual seria a diferença numa extração como no Espresso desses dois cafés?

Esta foto mostra o multipontilhamento devido à grande quantidade de caramelo cristalizado desse café!

Sob alta pressão, a dissolução do caramelo pela água quente é facilitada e o resultado fica muito bonito de se ver, docemente aromático ao se inspirar e muito, mas muito mesmo, adocicado, com notas bem definidas de deslumbrante Caramelo!

Um Espresso extraído a partir de grãos da torra mostrada à esquerda na segunda foto  tem crema de cor uniforme, sem qualquer contraste proporcionado por açúcares caramelizados.

Excelentes grãos, torra muito bem feita e uma ótima extração compõem pinturas abstratamente bonitas e sensorialmente esplêndidas sempre!

Como preparar a mais fantástica xícara de café – 2

Thiago Sousa

Você já ouviu falar no Clever Coffee System?

Este é um porta filtro desenvolvido e patenteado por uma empresa de Taiwan e que foi lançado há cerca de 10 anos atrás.

A princípio, se parece com um clássico porta filtro como os criados pela germânica Melitta. Feito em acrílico de alta qualidade e com excelente acabamento, há uma referência na caixa que a matéria prima é preparada no Japão!

Assim como um clássico porta filtro, as estrias internas estão dispostas em linha reta de alto a baixo, assim como, observando-se pelo alto, a boca tem formato oval. Até aqui, nada de diferente…

Mas, observe atentamente a parte inferior desse Clever e pode ser visto um pequeno tampão em silicone que se ajusta por sobre o orifício de saída, bem maior do que o usual. Este tampão está ligado a uma base plana no formato de um disco que fica internamente ao pés de apoio do porta filtro.

O disco, quando na posição de descanso, faz com que o tampão de silicone feche o orifício, vedando perfeitamente a passagem do líquido que estiver no porta filtro. Por outro lado, se estiver apoiado na boca de um jarro ou mesmo de uma xícara (sim, o seu diâmetro foi dimensionado para promover esse efeito!), o tampão ficará na posição Aberto, permitindo o escoamento do conteúdo.

E esta é a grande sacada deste sistema!

O que eles criaram foi um Sistema de Controle de Fluxo, algo bem esperto (= clever …), de fácil acionamento e engenhosa escolha de materiais. O silicone tem excelente capacidade de acomodação entre suas peças, fazendo vedação total do orifício de passagem do porta filtro.

Observe nesta foto como esse sistema de controle de fluxo tem umdesign realmente inteligente.

E o que torna este sistema diferente é a forma como é feito o controle da extração do café. No coador clássico, seja um Melitta ou mesmo um inspirado Hario, o que determina o tempo de contato da água com as partículas das sementes torradas e moídas de café é a vazão da água vertida. Sobre este assunto, que envolve chaleiras e tipos de bico, vou comentar num post à parte.

Com a Clever, o serviço é executado por uma sequência bem diferente: você pode verter a quantidade de água desejada sobre o café torrado e moído acomodado no filtro.

Estando o porta filtro Clever com o Sistema de Controle de Fluxo em posição Fechado, você define o tempo de contato a partir da moagem escolhida para as sementes.

Apenas como recordação, algumas notas de Aroma e Sabor se formam durante o processo de Torra do Café em dois momentos distintos: um grupo é formado durante um enorme conjunto de reações químicas conhecida porReações de Maillard, dando origem a notas como Caramelo,  Chocolate e Manteiga, enquanto que outro grupo, que necessita de mais energia para sua formação, surge quando a Reação de Pirólise se torna mais intensa. É quando aromas que nos arremetem à Especiarias como Nóz Moscada, Aniz e  Baunilha podem se expressar.

Estes últimos, como tem moléculas mais pesadas e menor solubilidade na água, precisam de tempo de contato maior para se fazerem presente no café. Portanto, se você tiver um café que tenha boa presença de notas de aroma e sabor que lembrem especiarias, o Sistema Clever se torna mais indicado do que outros de maior velocidade de extração!

Esta peça pode ser adquirida no Brasil na Academia do Café, www.academiadocafe.com.br, de Belo Horizonte, MG.