O Carrossel Holandês, o Ponto Futuro e as firulas...
Ensei Neto
1974. Talvez nem todos tenham vivido a experiência de assistir aos jogos da Copa do Mundo que aconteceu na Alemanha, mesmo que pela tv.
A seleção brasileira vinha do êxtase da conquista do então inédito tricampeonato com um grupo de jogadores que ficou para a história. A base foi mantida para a Copa de 1974, bem como o técnico Zagalo, que comandou a inesquecível seleção de 70.
Como inovação, a seleção de 74 tinha um comitê técnico que contava com Claudio Coutinho como seu supervisor.
Naquela época havia o sombrio clima da Guerra Fria, que representava a polarização entre os Estados Unidos e a ex-União Soviética como regimes dominantes. Diversas competições esportivas, como os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo de Futebol, serviam de palco para medir a eficiência de cada sistema.
Eram, por exemplo, duas Alemanhas, a Ocidental, que, apesar da pura ironia quanto à localização geográfica que lhe nomeava, era alinhada com a OTAN e, portanto, os Estados Unidos, enquanto que a Oriental o fazia com a ex-União Soviética.
Como direito adquirido pela conquista do certame anterior, a seleção brasileira foi dispensada da participação das eliminatórias regionais, tendo ingresso direto à Copa. A falta de treinamento dos jogadores brasileiros aliada à maluca idéia que o talento sempre se sobrepunha ao esforço, fez com que o desempenho da seleção canarinho fosse um desastre.
Por outro lado, havia uma outra seleção que fazia de cada jogo uma apresentação de gala, de alto nível técnico e aparente algazarra tática: a Holanda, que ficou conhecida como o Carrossel Holandês e também como a Laranja Mecânica (devido à cor do uniforme), comandada pelo talentoso Johan Cruijff. A Holanda massacrou o Brasil, apesar do placar de 2 x 0 não corresponder ao que se passou em campo.
Depois do fiasco, a seleção brasileira mudou de técnico, assumindo o posto Claudio Coutinho, que foi responsável por trazer o modelo europeu de futebol para a escola brasileira. Muito culto, Coutinho, porém, pecava com sua linguagem quase interestelar com os jogadores, como o "ponto futuro" e overlapping.
Do chamado "futebol arte" a seleção do Brasil passou a jogar um futebol burocrático e truculento. Talvez por isso mesmo e devido ao fracasso na Copa da Argentina, em 1978, a carreira de Coutinho na seleção não foi longa. Sua última grande frase foi "o Brasil é o campeão moral", pois o time saiu invicto da Copa, apesar de amargar o terceiro lugar.
Nos últimos tempos o mercado de café vem caminhando com desenvoltura devido ao consistente crescimento de consumo via novos países aderindo ao movimento dos cafés de alta qualidade ou especiais. Em países onde o consumo já está em sua fase madura, um movimento de gourmetização tem avançado como forma de supostamente demonstrar um viés hermético que alguns jovens hipsters podem adicionar.
Novos termos foram adicionados ao cardápio de café como "extração autoral", quando um desvio no método escolhido poderia ser interpretado como uma releitura.
Até aí, nada demais, pois é justamente a criatividade humana que torna toda atividade vigorosa e perene. No momento em que se esgota a possibilidade de reinvenção de um mercado, ele se extingue.
O que deve ser sempre levado em conta são os exageros, quando a boa técnica e conhecimento são relevados ante puro marketing, que é reforçado pela superexposição que os Snapchats, Instagrams e Facebooks da vida proporcionam.
Recentemente, surgiram postagens com novos mestres de torra usando máscara contra gás (isso mesmo, você não leu errado: "usando máscara contra gás"!) durante a torra de café!
Embora tivessem um longo texto fazendo apologia à peça que estavam encenando, havia evidente incoerência e desconexão com a Ciência.
A encenação foi muito infeliz!
A torra artesanal do café, que é aquela de pequena escala (até 60 kg), permite a possibilidade de acompanhar cada etapa através do desfile aromático.
Logo, usar uma máscara contra gás é no mínimo hilário ou de dar dó...
O passo seguinte é vender os cafés torrados a preços exorbitantemente autorais, mesmo que a bebida resultante seja sofrível. Isso tem começado a afastar o consumidor comum ou iniciante, que simplesmente procura um bom café ou uma boa experiência, sem que para isso seja tratado como displicência.
Bom mercado é aquele que se sustenta pelo seu crescimento orgânico, que acontece através da adesão de novos consumidores. Portanto, ter simplicidade e clareza ao falar de café é o que torna o mercado atraente.
Há pouco tempo a McDonald's UK/McCafe lançou um divertido vídeo sobre a postura hermética que algumas cafeterias e respectivos baristas vêm imprimindo ao mercado.
Vale pela reflexão, não pelo café.
Deve haver, sim, criatividade sem burocracia, inovação sem pedantismo, mas, principalmente, sem se afastar do conhecimento científico, que valida tudo o que é feito.
Simplicidade sempre!
Sem firulas, nem overlapping ou ponto futuro...