Specialty é a nova Commodity
Ensei Neto
Tenho o privilégio de ter como grande amigo de longa data o José Carlos Spinelli, químico de formação e paixão. Quando o conheci, na época que Donna Summer e a Disco Music eram o coquetel molotov que agitavam as noites paulistanas, Zé Carlos trabalhava na filial brasileira da então legendária R. O. Hull Co. ou simplesmente Rohco, cuja sede era em Ohio.
O fundador dessa empresa, Mr. Hull, foi o criador da emblemática Célula de Hull, muito empregada em laboratórios de galvanoplastia ou ciência do tratamento de superfícies, fundamental, por exemplo, na preparação de pintura em veículos nas montadoras em geral.
Zé Carlos sempre foi um pesquisador nato, inspiradíssimo, chegando a desenvolver diversas patentes para as empresas em que trabalhou. Por esse espírito inquieto, fez a empresa crescer, chegando a ocupar alta posição no comitê internacional. Uma de suas frases mais frequentes era "a Rohco é pequena, mas tenho certeza que se tornará grandiosa porque seus fundamentos e produtos são muito bons."
Um de seus presentes mais simbólicos foi uma pequena esfera de vidro que tinha os continentes jateados, que ao me entregar disse uma frase marcante: "este é o território que temos de conquistar!"
Uau! O mundo é o limite!
Em tudo na Natureza, que se reflete no mercado, há uma lógica muito interessante: movimentos ou negócios que são geniais em sua concepção rapidamente crescem, muitas vezes contra as estruturas dominantes, em processo chamado de Contracultura.
Contracultura representa rebeldia, até uma certa romântica beligerância em sua forma de atuar durante o seu crescimento, extremamente próximo do espírito adolescente. E todas as vezes que existe uma tentativa de ser diminuído ou até barrado, replica com maior vigor.
Porém, depois da adolescência, assim como o ser humano entra na maturidade, depois de experimentar a consolidação de seus negócios e objetivos, os movimentos ou as instituições passam a buscar posição estável e confortável, sem querer perder a liderança.
O mercado dos Cafés Especiais ou simplesmente Specialty Coffee completa quase 35 anos desde que foi configurado pelo incrível Grupo de San Francisco, que fundou a então SCAA - Specialty Coffee Association of America, fundamental ao estimular a aproximação entre os cafeicultores e as então inovadoras cafeterias. Essa transparência entre as pontas do mercado é que caracteriza a 3ª Onda do Café.
No início dos anos 2000, cafeterias inovadoras e cheias de ideais de transformação do mundo através de transparência no comércio de café, apresentando os produtores como verdadeiros artistas e modelo arejado de negócios tinham como suas principais representantes a Intelligentsia, de Doug Zell e Geof Watts, em Chicago, a Stumptown, de Duane Sorensen, em Portland, e Victrola, em Seattle. Na inauguração de sua terceira loja, a Stumptown Downton, um serviço de vinhos passou a ser oferecido, numa antevisão do que poderia ser um cardápio mais eclético nas cafeterias.
O crescimento dessas inspiradas empresas foi vertiginoso, expandindo suas operações por outras grandes cidades e despertando a atenção das gigantescas empresas.
Recentemente, numa tacada só, a gigantesca JDE - Jacobs Dowe Egberts tornou-se dona da irreverente Stumptown, da então radical Green Mountain, de Vermont, e da descolada Peet's. Para não ficar atrás, a suíça Nestlé adquiriu a Blue Bottle com valores que surpreendeu o mercado. Chegou o momento desses rapazes de outrora desfrutarem dos louros da fama e fortuna, exatamente como é o "American Dream": iniciar algo criativo, crescer, despertar o interesse e ter o negócio vendido por um excelente valor para, daí, desfrutar a vida.
Estas últimas compras chegaram a abalar a fé dos puristas e idealistas do café de relacionamento, base conceitual do Specialty Coffee. No entanto, aquelas operações já estavam grande o suficiente para deixarem de ser consideradas como irreverentes.
Outro movimento que identifica a mudança do mercado de especiais é o modelo de comércio do café cru a partir de suas origens. No início dos anos 2.000, as principais casas de comércio internacional criaram braços para atuarem no segmento dos cafés especiais, como a Cape Horn, do Grupo Tristão, e a Volcafe Specialty, da germânica Volcafe. O que diferenciava esses braços da operação da casa matriz era o modelo de financiamento de seus clientes na aquisição dos lotes adquiridos em diversos países.
Uma das grandes casas, que hoje assumiu com folga a liderança mundial nesse segmento, foi a empresa da família Esteves. Sua inteligente estratégia consistiu na aquisição de empresas que estavam se especializando no mercado, mantendo seus donos originais como executivos com a finalidade de demonstrar que nada havia mudado...
No Brasil, fazem parte de seu rico portfólio de braços de cafés especiais a Bourbon Coffees, de Poços de Caldas, a Carmo Coffees, de Carmo de Minas, e, mais recentemente, a Capricórnio Coffees, de Jacarezinho. Essas empresas atuam como a casa matriz, por exemplo, adquirindo cafés de outras origens que não as de sua localidade, como foi em sua fundação.
Nos últimos dias, uma notícia extremamente relevante abalou muitas pessoas ativistas dos cafés especiais: a decisão da Spruge, importante empresa de mídia e notícias, de renunciar à posição de Media Partner da SCA/World Coffee Events, que organizam as competições mundiais de baristas, por exemplo.
Você pode saber mais através deste link: http://sprudge.com/sprudge-resigns-sca-media-partners-127965.html.
Com mais de 35 anos de estrada, a SCA, que surgiu da absorção da SCAEurope pela SCAAmerica, optou pela realização financeira em detrimento da essência e ideais que permearam sua fundação. Como maior organização comercial do mundo do café, segue agora o caminho típico de quem é Mainstream.
No entanto, o mercado é dinâmico e como na Natureza, em breve movimentos rebeldes e irreverentes irão surgir para surpreender.
Será a nova Contracultura!