Sobre elefantes, concursos, preços e qualidade percebida… – 3
Thiago Sousa
Um café processado gastricamente por um dócil elefante ou um irriquieto pássaro que por vezes ronda uma lavoura de café, será realmente tão delicioso na xícara?
E um café que foi produzido seguindo rigoroso procedimento de certificação de orgânicos, tem sempre bebida bacana?
Uma xícara de café feito de um lote que foi colhido somente por mulheres que tem o nome Maria durante a Lua Cheia, tem de fato sabor especial?
Afinal, você sabe dizer o que existe em comum nestes três casos?
Todos fazem parte de uma classe conhecida por Produtos de Fé.
Produtos de Fé são aqueles em que a percepção de suas características sensoriais surge por meio de sugestão ou é induzida por uma crença num fato, numa filosofia ou mesmo através da visualização de um selo por parte do consumidor.
Se alguém lhe disser ou você ler um artigo que um café foi processado de uma determinada forma por algum animal e que o sabor resultante é exoticamente bom, você pode acabar acreditando que ele é realmente bom (ou talvez não, dependendo de sua resistência à persuasão…).
Esses produtos necessariamente precisam de pessoas que se impressionem facilmente com atributos que são basicamente quintessenciais, isto é, que se formam no imaginário e acabam se traduzindo em reações físicas, num processo conhecido por somatização. É exatamente o mesmo processo psicológico que acontece em testes com medicamentos onde parte do grupo recebe pílulas de placebo. Algumas pessoas tratadas com essas pílulas de amido puro chegam a manifestar reações positivas ao tratamento como se estivessem sob efeito do princípio ativo.
Esse é o poder da fé!
Um caso muito comum entre compradores de café em treinamento é o de superestimarem a qualidade de lotes quando provados na fazenda em que estão sendo recebidos. Essa, digamos, superestimação é devida a uma por vezes intrincada combinação de ambiente aconchegante, recepção festivamente gentil por parte do produtor e um sentimento de reciprocidade despertado no comprador. Quando as mesmas amostras são avaliadas no local de trabalho desse profissional, distante da bucólica paisagem por muitas horas de vôo transcontinental e com foco e razão em níveis normais, muitas vezes uma realidade não tão especial se manifesta nas xícaras.
No entanto, se notas de aroma e sabor são novamente percebidas como da primeira vez à mesa com o produtor, certamente um sentimento de êxtase vai imperar triunfante.
Esta é a técnica que experientes juízes degustadores adotam, o que muitos chamam de A Prova do Dia Seguinte!
Nada melhor do que uma boa noite de sono, que faz o espírito e as percepções renovarem o seu vigor e fazerem seu set up, para fazer uma nova rodada deavaliação e daí ter a certeza do perfil sensorial da bebida.
É por isso que você deve sempre confiar nos seus sentidos!
Se algo é realmente bom, de excelente resposta sensorial, não precisa de qualquer justificativa técnica.
O gostar é algo essencialmente pessoal, que nem sempre é pactuado entre as pessoas da mesma forma. Lembre-se que é estatisticamente nula a possibilidade de duas pessoas responderem a um mesmo estímulo sensorial, olfativo ou gustativo; respostas similares ocorrem quando as pessoas estão calibradas.
Não pode haver, tampouco, uma DITADURA DOS SABORES, que vez ou outra surge através de pessoas que acham que podem impor um determinado tipo de sabor como tendência…
Sabor não é moda, é Sensação Percebida!
Outra forma de não ter suas percepções embaçadas (esta foi uma expressão muito divertida que ouvi de uma aluna num dos cursos de Educação Sensorial!) é fazer uma prova às cegas com outros cafés (ou vinhos ou cachaças ou brigadeiros…). Neste caso, a magia que histórias mirabolantes de produção poderiam exercer sobre sua percepção, podem simplesmente sumir… como por encanto!
E prevalecerá o que realmente lhe agrada mais.
Experimente de tudo, confiando em seus sentidos!
Sempre.