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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

CIÊNCIA

Filtering by Tag: Protocolo SCAA

Torrando e avaliando cafés como profissional: APPs

Thiago Sousa

Tecnologia na ponta dos dedos.

Assim é o que os tablets e smartphones com tela sensível trabalham (ou como ouvi de adolescentes… “batendo no vidro…”), facilitando nossa vida. Com a dupla iPhone e iPad no mercado, muitos APPs para profissionais e os loucos por café foram surgindo, alguns muito interessantes, e vou comentar sobre 3 deles.

O primeiro é o COFFEE CUPPING, destinado aos que fazem avaliação sensorial de cafés crus com a Metologia SCAA – Specialty Coffee Association of America.

Ele permite que você insira dados básicos da amostra que será avaliada, ficando numa lista única de lotes avaliados. Aqui observa-se o primeiro problema: é recomendável colocar a data ou uma ordem cronológica para você encontrar um determinado relatório, caso contrário será necessário abrir arquivo por arquivo até encontrar o que procura.

Como este aplicativo baseia-se nos Protocolos SCAA, os onze itens avaliados podem ser movimentos por barra móvel. O primeiro de todos é o de Cor de Torra – Ponto SCAA-Agtron, que varia de 10 em 10 unidades. Ao se avaliar os outros atributos, é possível anotar suas percepções como notas de sabor e suas intensidades, por exemplo. Tal qual o Protocolo SCAA, as pontuações apresentam frações de 1/4 (0,25), porém ao se fazer o cálculo final, há um inesperado e inoportuno arredondamento da pontuação final!

Outros problemas graves: Se você tentar efetuar qualquer outra modificação em seu julgamento de um determinado atributo (por exemplo acidez, que pode ter sua percepção alterada conforme a temperatura do café avaliado cai), todos as outras informações automaticamente se perdem.

E, por fim, o mais grave de todos os problemas: ele deveria enviar o relatório por email. Deveria… mas, não faz! Infelizmente.

Aí você pode me perguntar: mas, vale a pena comprar, então?

Pelo valor, sim, pois eu, por exemplo, utilizo como memória da avaliação, facilitando no momento de emitir um Laudo Técnico. Se eu fizesse numa planilha em papel, como é usual, o trabalho seria o mesmo. Se você não é profissional, mas gostaria de ter uma idéia de como a seria usar a Planilha SCAA, este APP é bastante razoável para isso.

O  APP COFFEE JOURNAL permite trabalhar com diversas informações sobre um determinado lote de café que você adquiriu ou tenha torrado pessoalmente. Por exemplo, dados como nome do produtor e fazenda, certificações, variedade predominante no lote, notas de aromas e sabores, além de uma classificação automaticamente feita todas as vezes que você avaliar sensorialmente um café e pontuar.

Ao se fazer a avaliação, importantes dados como quantidade de café moído, quantidade de água, tipo de serviço, temperatura e tempo de extração podem ser anotados, bem como suas impressões.

No campo Avaliação são focados apenas os atributos Acidez, Aroma, Sabor, Corpo e Finalização, numa escala de zero a dez pontos, com variação de um ponto. No entanto, cada ponto na escala equivale a 2 pontos na pontuação final. A razão para isso é que os cafés avaliados devem ser supostamenteEspeciais (pela Metodologia SCAA são lotes que alcançaram ao menos 80 pontos SCAA). No pé da página fica a escala de torra, que varia de Cinnamon (torra clara, tom castanho) a Spanish (muuuuito torrado, batendo de longe o French!!!).

Para quem é apenas um grande apaixonado por café, é um APP altamente recomendável, além de ser eficiente e barato.

Para os Mestres de Torra, Aspirantes a e Geeks de plantão, o APPROASTMASTER é indispensável!

Permite trabalhar com um bom elenco de informações sobre o lote de café, desde sua origem como nome do produtor e da fazenda, região produtora, forma de secagem, certificações, variedade, características físicas da semente, além do valor de compra e um inventário de estoque. Informações muito úteis para o Mestre de Torra.

No entanto, a melhor parte está na anotação das Torras. É possível construir cada curva de torra com excelente grau de precisão, incluindo-se dados como a Carga Térmica, Ventilação e a Temperatura do Sistema por unidade de tempo. Para os que gostam, é possível anotar os momentos em que os Pops ou Cracks (Primeiro e Segundo) aconteceram. Todas essas informações ficam armazenadas para posterior consulta e análises.

Existe, também um inventário sobre a composição de diferentes Blends que o Mestre de Torra pode elaborar, interligando as diversas informações desde características da matéria prima, comportamento durante os ciclos de torra e avaliação sensorial de cada Lote-Componente.

A Avaliação Sensorial empregada é especialmente criada para Cafés Torrados, bastante diferente da Avaliação Sensorial de Café Cru (Green Coffee) como a da Metodologia SCAACup of Excellenceou COB – Classificação Oficial Brasileira. A que está no programa foi adaptada de uma metodologia que estava sendo desenvolvida pela SCAA anos atrás (e da qual participei como membro doTechnical Standards Committee). São verificados 5 atributos: Aroma, Sabor, Corpo, Acidez e Finalização.

Por tudo que apresenta, pela facilidade de manipulação, convergência de dados e estabilidade do programa, além do preço muito camarada, é APP obrigatório.

Sobre elefantes, concursos, preços e qualidade percebida…- 1

Thiago Sousa

Outro dia surgiu uma discussão muito interessante: depois do Kopi Luwak, do Jacu Bird Coffee (aqui um representante tupiniquim…), do Bat Coffee (sim, café produzido por um morcego mexicano) e do cuspidor Cuíca Spat Coffee (outro reforçando o time brazuca), chegou a vez do Elephant DUNG Coffee, da Tailândia!

Diga-se que este chegou trombeteando a todos os cantos que é o mais caro do mundo, vendido a US$ 1,100 /kg (isso mesmo, mil e cem dólares americanos o kg!) ainda cru. O nome é o mais realista de todos os Defecated Coffees oferecidos no mercado, pois diz exatamente como é produzido.

Muita exoticidade, não?!

Por outro lado, os últimos leilões de concursos de cafés de alta qualidade que hoje estão presentes em praticamente todos os países produtores, registraram lances de altíssimo calibre  feitos por cafeterias do Japão e Coréia do Sul, atingindo cifras impressionantes como foi com um microlote do Panamá que recebeu US$ 111,50 per pound, o que equivale a US$ 14,749.22 ou R$ 29.498,44 a saca de 60 kg!

Perguntaram para mim: será o Fim dos Tempos chegando?!

Uma outra pergunta poderia ser feita: O que seria na xícara um café tão excepcional?

Veja que esta questão vale também para diversas outras bebidas que tem feito muito barulho no mercado, como vinhos e coquetéis entre outros.

Creio que podemos começar a responder levando a questão para uma outra perspectiva: Como percebemos as diferenças sensoriais em níveis crescentes?

Existe um estudo muito interessante que foi desenvolvido pelo Físico e Matemático alemão Gustav Fechner em meados do Século XVIII que procura correlacionar a resposta a um estímulo sensorial com a intensidade desse estímulo. Ele aperfeiçoou conceitos estabelecidos por Ernest Weber ao ditar a famosa Lei de Weber-Fechner (SR = k.logS, onde Sé a intensidade de um Estímulo Sensorial, k uma constante que varia entre zero e um, e SR a resposta ao estímulo), que diz que A resposta a um estímulo é proporcional ao logaritmo desse estímulo. Para melhor compreensão dessa lei, é importante também se conhecer o conceito de Limiar de Percepção Diferencial ou da chamada DIFERENÇA MINIMAMENTE PERCEPTÍVEL – DMP (em inglês JND –Just Noticeable Difference), que mostra o limiar de percepção à menor variação de um determinado estímulo e que é representado pela equação ∂E = c.E, onde ∂E é a mínima diferença percebida na variação de intensidade de um estímulo, c uma constante e E a intensidade desse estímulo.

Muito complicado?

Vamos a um exemplo. Imagine que você tem um fardo de café pesando, digamos, 20 kg. Qual seria a menor quantidade de café adicionada que seria perceptível para quem está carregando?

Admitindo-se que a constante c para este caso seja 0,03, e tendo que E são os 20 kg, o resultado será de 600 gramas. Bem o que significa isso?

Se você colocar mais um pacote de 500 g de café no fardo, esse aumento de peso certamente será imperceptível a quem carrega. No entanto, caso adicione outro de 250g (no total, 750 g), aí, sim, esse aumento será percebido, pois essa quantidade é maior do que a mínima, no caso 600 g!

A partir do conhecimento do conceito de Limiar de Percepção, fica mais fácil de compreender o que o Gráfico de Weber-Fechner quer nos transmitir. Observe que a curva começa com um grande diferencial no início, que declina rapidamente. Como resultado, mesmo com aumentos estáveis na intensidade de um estímulo, a resposta tende a apresentar percepções cada vez mais próximas; portanto, a partir de uma determinada intensidade de estímulo, para que este seja efetivamente perceptível, é necessário que essa intensidade seja cada vez maior! Ufa!

E por que é comentei tudo isso?

É porque nos nossos Cursos de Educação Sensorial, uma das referências utilizadas é justamente a Lei de Weber-Fechner, principalmente para todo o processo de educação do Paladar. A SCAA – Specialty Coffee Association of America determinou em seus protocolos que um lote de Café Especial, além de estar isento de impurezas e problemas verificados por avaliação física, ele tem de apresentar bebida que ultrapasse 80 pontos SCAA. Isso numa escala decimal que vai até cem pontos.

Numa linguagem direta, 80 pontos SCAA é a linha divisória que separa cafés que são agradáveis e absolutamente sem asperezas daqueles que tem adstringência e outros probleminhas, mesmo que discretos. Para o grande mercado de commodities, um Café Especial tem a chamada Bebida MOLE, pois não pode apresentar traço qualquer de adstringência, que sempre é desagradável.

À medida que o conjunto de sementes que forma o lote, em sua grande maioria tenha se originado de frutos maduros, a presença de açúcares (desde que o café tenha passado por uma boa torra) é maior  e, consequentemente, a percepção de Doçura aumenta. É quando a bebida ganha a classificação de ESTRITAMENTE MOLE, pois tem os atributos sensoriais percebidos na Bebida Mole intensificados.    Estes lotes alcançam notas acima de 85 pontos SCAA, sinalizando outra linha divisória, que é a dosCafés Excepcionais  ou Excelentes. Ao se comparar cafés com bebidas de 75 pontos, 82 pontos e 88 pontos SCAA, por exemplo, claramente podem ser reconhecidas as diferenças entre eles, pois tem distância na intensidade dos estímulos suficiente para que sejam muito evidentes. No entanto, a partir dos 90 pontos SCAA, somente pessoas com grande aptidão e muito treinamento tem a capacidade de discernir corretamente os incrementos dos estímulos relativos aos atributos  como Sabor, Acidez, Corpo e Finalização, entre outros, que levarão a números próximos do limite de 100 pontos SCAA.

A delicada questão da água

Thiago Sousa

A maior parte das bebidas leva água em sua composição, mesmo aquelas de teores etílicos elevados como um clássico Cognac ou uma espivetada Vodka.

Como bebida, a Água é a mais consumida no mundo, seja quando gratuitamente bebida diretamente nas fontes e rios ou em sofisticadas embalagens que atravessam mares e continentes para simplesmente saciar a sede de um apreciador mais exigente.

Tem propriedades físico-químicas incríveis como nenhuma outra substância conhecida, como a sua capacidade de conduzir eletricidade ou de absorver energia (= calor). No lado químico, consegue dissolver grande parte das substâncias, daí o seu título de Solvente Universal.

Dentre suas características, tem destaque o fato de serinodora (= sem cheiro), incolor (uma boa água deve ser cristalina!) e insípida (= sem gosto). Opa! Paramos por aqui!!!

Na verdade a água tem gosto, sim! (Não vale dizer que é “gosto de água”…)

Em sua composição entram sempre os Sais Minerais, que são obrigatoriamente discriminados em todo rótulo de Água Mineral do mercado. Eles podem alterar o pH (medida que indica se uma água tem personalidade ácida ou alcalina) e diretamente no sabor. Sim, exatamente isso: são os responsáveis pelo sabor da água!

Vamos a um exemplo prático: o nosso conhecidíssimo Sal de Cozinha (= Cloreto de Sódio) tem dividido nos últimos anos espaço nas gôndolas dos supermercados com o chamado Sal Light (= Cloreto de Potássio). Experimente e compare os dois. Você perceberá que o Sal Light (= Cloreto de Potássio) é levemente picante e deixa um final amargo. Diferente? Sim e esse é o preço a ser pago pela substituição…

Nas águas minerais 3 sais não devem, em minha opinião, ter presença muito, digamos, maciça: o Magnésio (que dá sensação untuosa, oleosa como a famosa Água de Magnésia de Phillips), o Potássio (que dá o toque picante que comentei acima e o leve amargor ao final) e o Manganês (que dá um sabor terroso).

Segundo o Protocolo SCAA – Specialty Coffee Association of America para Avaliação Sensorial de Café, que fez um estudo minucioso dedicado exclusivamente à água, recomenda que o TDS (Total de Sólidos Dissolvidos = minerais) para água a ser utilizada no preparo de café fique entre 100 ppm e 225 ppm, porém preferencialmente na estreita faixa de 125 ppm a 175 ppm. O pH deve se situar em terreno levemente ácido, na faixa entre 5,0 e 6,5. Com estes requisitos, o café preparado será sempre fiel ao que o grão torrado tem para mostrar!

Alguns baristas tem usado águas com grande carga de minerais, alterando sensivelmente o resultado final na xícara. É importante lembrar que os minerais, dada sua alta capacidade de estímulo dos nosso sensores gustativos (como estes tem estrutura semelhante aos dos neurônios, são muito reativos aos íons provenientes dos sais dissolvidos na água), mudam nossa percepção dramaticamente, camuflando alguns sabores ou mesmo estímulos físicos (ou táteis) em nossa boca.

É nesse ponto que gostaria de comentar um pouco da “dobradinha” Espresso e Água com Gás. Beber água gaseificada (ou com grande carga de carbonatos = gás carbônico) vem da prática dos apreciadores de vinhos.

Vinhos muito jovens podem apresentar taninos, que são divididos pelos enólogos em “bons” e “maus”. Nada que um pouco de descanso e contato com madeira, principalmente o carvalho, não ajudem a minimizar. Os maus taninos, que caracterizam os vinhos de qualidade inferior, causam a típica adstringência devido a frutos não maduros utilizados na fermentação. A adstringência, neste caso, é resultado da presença de substâncias chamadasalcalóides, que são as defesas naturais que as plantas empregam para protegerem seus frutos dos ataques de insetos.

Como quimicamente os alcalóides tem grande afeto por moléculas de água, quando em nossa boca “roubam” a água presente na mucosa, desidratando-a. Dessa forma, esta se enruga por alguns momentos, causando a sensação de “aperto” ou secura na lateral interna da boca, que é o efeito físico da adstringência.

No café, o mesmo pode ocorrer, quando sementes de frutos colhidos não maduros estiverem presentes num lote.  Só que diferentemente dos vinhos, só ficam os maus taninos, até porque não se deixa café em barricas de carvalho para envelhecer…

As águas gaseificadas tem uma grande carga de gás carbônico que dissolvido na água forma uma estrutura molecular que também nutre especial afeto por moléculas de água livre, como as encontradas na mucosa! É por isso que a primeira sensação que temos ao beber água fortemente gaseificada (ou refrigerantes) é a de ressecamento da boca. Se em seguida você beber um café, digamos, medíocre, que seja adstringente, porém em menor intensidade do que a percebida pela água altamente carbonatada, a sensação que você terá é a de que o café é “macio”!

Bem, isto até o segundo gole, quando os problemas do café se revelam escancaradamente…

É por isso que cafeterias de ponta começaram a servir a mesma água tanto para beber como para preparar o café. Dessa forma, a verdadeira personalidade do café se faz presente, valorizando o trabalho de todos os profissionais, desde o produtor, o juiz degustador, o mestre de torras e o barista!