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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

CIÊNCIA

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As origens dos sabores do café – 1

Thiago Sousa

Verdes, Maduras e Senescentes

Verdes, Maduras e Senescentes

 

O Homem mostrou vocação agrícola ao dominar os cultivos de cereais, possibilitando sua fixação em determinados locais e, portanto, deixando uma vida nômade para a procura de alimentos. O surgimento de pequenas vilas nesse período foi o início da organização das cidades e da vida urbana, havendo criação de postos de trabalho e profissões. 
Em cada localidade, passaram a observar como o Tempo possuía cadência própria, com períodos mais quentes alternados por outros mais frios, bem como o Clima se conjugava e formava um conjunto que tinha grande sintonia.

As plantas têm excepcional capacidade de adaptação ao Clima e ao local,  estabelecendo, assim, um Ciclo de Vida ou de Frutificação com o melhor desempenho possível. Dessa forma, existem plantas que trabalham melhor em clima quente e de grande umidade, como as gramíneas em geral, enquanto que outras desenvolveram mecanismos para suportarem altas temperaturas e baixa umidade do ar, como os cactos. Na verdade, plantas de uma mesma espécie possuem características similares, fazendo expressar seu potencial genético a partir das condições ambientais.

Os cafezais no Mundo se esparramam entre os Trópicos de Câncer e Capricórnio em faixa onde existe maior incidência dos raios solares ao longo do ano. No entanto, o Cafeeiro é originário das densas florestas da Etiópia, sendo ainda hoje sua colheita de forma extrativista naquele país. Quando as primeiras mudas foram plantadas no Yemen, berço da Cafeicultura, locais de grande altitude apresentaram-se mais adequados. Até antes da fraticida Revolução do Café, iniciada em meados de Dezembro de 2010, logo após um Simpósio Internacional de Cafés Naturais que teve lugar naquele pais, as principais regiões produtoras de café estavam localizadas em áreas de 1.500 m de altitude, em Talook, chegando a 3.000m, em Jabal Bura.

Quando se observa com maior atenção onde a Cafeicultura Brasileira é majoritariamente presente e confrontar com o Mapa Climático Brasileiro, é notável a interseção entre as lavouras com o clima Subtropical de Altitude, abrangendo origens como o Norte Pioneiro do Paraná (Jacarezinho), Alta Paulista (Garça), Alta Mogiana (Franca),  Média Mogiana (Espírito Santo do Pinhal e São Sebastião da Grama), Cerrado Mineiro (Araguari, Patrocínio e Monte Carmelo), Sudeste de Minas (Guaxupé, São Sebastião do Paraíso e Poços de Caldas), Sul de Minas (Varginha, Três Pontas e Carmo de Minas), Matas de Minas (Tombos e Manhuaçu) e o Centro-Sul de Minas (Santo Antonio do Amparo).

Não foi por coincidência que ocorreu essa distribuição das lavouras de café. Foi, sim, resultado da busca intuitiva dos produtores pelo clima em que as plantas fossem mais produtivas. Sob visão moderna e racional, nada mais do que avaliar o desempenho metabólico das plantas.

A importância de se ater ao desempenho metabólico dos cafeeiros reside no fato de que para se obter excelentes bebidas é fundamental que as sementes sejam de frutos maduros e de plantas que puderam trabalhar bem durante todo o Ciclo dos Frutos.

Parece algo simples, porém a complexidade desse processo está ligada ao Clima, que está a cada ano mais imprevisível e enigmático. Decididamente, o padrão climático, por exemplo, no Cinturão dos Cafés do Brasil está passando por mudanças que ainda não foram perfeitamente compreendidas. Seca e altas temperaturas em momentos que não são desejadas, chuvas que se prolongam até o início do Inverno e considerável alteração das faixas de temperatura durante as Estações do Ano tem levado a um complexo quebra cabeças que interfere diretamente nas etapas de Maturação dos frutos.

Originalmente, os sabores que são formados nos frutos são aqueles considerados como Sabores Básicos, principalmente os Sabores Doce e Ácido.

A intensidade do Sabor Doce é resultado da quantidade de Açúcares formados durante a fase intermediária e final da Maturação, enquanto que a Acidez é definida pelo processo respiratório. O Ácido Cítrico, que lembra o limão, é presente em 100% das sementes de café, enquanto que o Ácido Málico é um indicador de lavouras de grande altitude.

Os açúcares são formados na fase em que as plantas estão no chamado Metabolismo Basal, quando as temperaturas brandas tem importância absoluta.

Lavouras localizadas em regiões de solo vulcânico contribuem com teores de minerais expressivos nas sementes. É interessante notar que não existem dois solos iguais, o que leva a um número enorme de combinações desses minerais.

De forma  rústica,  a localização da lavoura promove exclusivamente a formação de Sabores Básicos, principalmente o Doce, o Ácido e, eventualmente, o Salgado.

E os outros Sabores?

Bem, isto fica para o próximo post…

O sabor está no ar – 1

Thiago Sousa

Certamente o maior quebra cabeças que a Humanidade sempre enfrentou é o relacionado à conservação dos alimentos. No princípio, era a fartura de comida e água que determinava o tempo que os povos se fixariam num dado local. Com o domínio das técnicas de Agricultura, ainda que rudimentares, foi possível fazer com que os povos, finalmente, pudessem se fixar e, digamos, criar raízes numa região.

A prática da Agricultura fez com que as pessoas observassem mais atentamente os fenômenos da Natureza, como a passagem das Estações do Ano, o movimento do sol e até a distribuição das chuvas. Para muitos povos, o ciclo das lavouras foi a referência para a criação dos calendários, pois clara era a percepção de que os fenômenos se repetiam regularmente.

A fixação dos grupos de pessoas criava condições para o crescimento populacional mais consistente, uma vez que os riscos da vida nômade se tornavam mínimos. E o aumento da população incorria na maior necessidade de alimentos e água disponíveis. As mudanças de estações climáticas ao longo do ano também impuseram algumas regras de sobrevivência, como a busca de maior eficiência na produção de alimentos no período apropriado, isto é, da Primavera ao Outono, que levou à escolha de plantas adequadas a cada época do ano.

Nas regiões mais distantes da Linha do Equador, as Estações do Ano são mais distintas, principalmente na faixa que vai de 23º a 50º de Latitude, permitindo uma percepção bastante clara das transições. A estação que sempre norteava o ritmo dos trabalhos era o Inverno, que em algumas localidades poderia ser muito rigoroso e com nenhuma perspectiva de se produzir alimentos. Portanto, esse período de escassez deveria ser precedido de uma longa fase de preparação e estocagem de alimentos e insumos, caso da lenha, para se garantir o aquecimento.

Alguns alimentos são mais perecíveis, de forma que sua conservação deveria passar por algum tipo de tratamento.

O domínio do fogo foi imprescindível para que a possibilidade de se melhorar a chamada Palatabilidade (ou o quão gostoso seria…) dos alimentos.

Com o tempo, o uso do Sal se revelou providencial para a conservação de vegetais e carnes. O sal diminui a quantidade da chamada Água Livre disponível, minimizando os riscos de contaminação.

Alguns povos observaram que, de forma espontânea, alguns alimentos sofriam modificações quando estavam ao tempo. O aspecto se alterava e, principalmente, diferentes aromas surgiam. Era como se algo invisível transformasse a comida e faziam surgir, também, novas bebidas.

Isso mesmo: muito dos aromas ou sabores são formados por processos naturais que envolvem fermentações.

Na verdade, a fermentação é um indicativo de vida!

Vejamos alguns bons exemplos: o vinho é obtido por fermentação da polpa das uvas; o queijo, do leite; o picles, de legumes; a cachaça, da cana de açúcar.

A lista é quase infindável, pois basta que haja alimento e boas condições para os microorganismos trabalharem  que as fermentações podem acontecer em qualquer lugar.

O que foi conhecido por “Geração Espontânea”, como se o desenvolvimento de microculturas se desse como que por mágica, nada mais é que a manifestação do trabalho dos laboriosos microorganismos. E, obviamente, pode-se ter como resultado coisas do Bem e do Mal, que comentarei a seguir.

Dedico esta série ao Barista Ton Rodrigues, Sofá Café, SP.

A natureza é imprecisa – 3

Thiago Sousa

Os vegetais podem apresentar todos os Sabores Básicos ou Gostos (= Taste, em inglês), que são Doce, Salgado, Ácido, Amargo e Umami, juntamente com os Sabores Complexos ou simplesmente Sabores (= Flavor, em inglês), conferindo características particulares a cada um. Um incrível número de combinações de aromas e sabores cria a identidade de cada fruta, o que nos permite identificar e distinguir umas de outras. Apesar das similaridades, é perceptível a diferença de sabores entre o damasco e o pêssego ou entre a laranja pêra e uma tangerina.

Mesmo entre frutas de mesma espécie é possível perceber suas diferenças, como, por exemplo, entre uma banana nanica e uma prata. A partir desta evidência, fica compreensível a influência da variedadebotânica na construção das notas de aroma e sabor entre os vegetais em geral, que decorrem diretamente das características genéticas.

Essas características genéticas necessitam de determinadas condições ambientais para que possam se expressar de forma mais ou menos intensas, conduzidas pelo efeito de “adaptação”, como observado por Darwin, e que hoje é mais conhecido por Fenotipia.

Nesse contexto, o clima tem influência decisiva no ciclo das plantas, constituindo-se em um estudo específico denominado Fenologia. Lembrando que, sob a óptica científica, a Vida é um intrincado conjunto de reações químicas e bioquímicas, e que estas tem sua velocidade relacionada diretamente com temperatura, fica claro que o clima é um elemento de extrema importância na produção agrícola. E plantas mais sofisticadas, como o cafeeiro, são mais sensíveis às variações climáticas, levando a resultados sensoriais diferentes de sua produção em cada local, em cada microclima!

Se o clima, dentre o conjunto que determina o conceito de TERRITÓRIO (= Geografia + Botânica + Manejo de Produção), é o elemento mais mutável, fica fácil de compreender porque as safras de café NUNCA se repetem, principalmente no aspecto das características sensoriais.

O ser humano é um ser essencialmente SENSORIAL, movido pelas experiências com as respectivas percepções. Cada pessoa percebe e interpreta de forma única um determinado estímulo, em geral com base em experiências anteriores. Caso seja uma experiência nova, esta se torna referência para os próximos estímulos. É por isso que cada pessoa tem reações distintas a cada estímulo sensorial, pois aquelas podem ser resultado de uma experiência que foi agradável ou que trouxe desconforto. Da mesma forma, a intensidade na percepção de cada estímulo depende da aptidão que cada pessoa possui.

Se cada pessoa tem aptidões específicas e suas experiências de vida são interpretadas de forma também particular, somando-se a este conjunto uma perspectiva cultural, é fácil compreender que o conceito de MELHOR ou PIOR varia de pessoa a pessoa!

Daí nasceu a necessidade de serem criados modelos de treinamento para que as interpretações dos estímulos e respostas sensoriais ficassem sob foco essencialmente técnico, ou seja, uniformizados para um determinado grupo de pessoas. É por isso que as avaliações técnicas, que tem obrigatoriamente um caráter bastante rigoroso, devem ter parâmetros bem definidos para que as pessoas devidamente treinadas possam reconhecer, identificar e estabelecer níveis de intensidade e qualidade de diferentes atributos sensoriais. Especialistas em avaliação sensorial tem de ser calibrados periodicamente para que seu julgamento não se distancie demais dos padrões técnicos e enverede pelo campo da preferência pessoal, fazendo com que uma avaliação deixe de ser isenta.

Quando falo de aptidão estou me referindo à capacidade que uma pessoa tem de perceber Aromas (= Olfato apurado ou treinado) e Sabores (= Paladar apurado ou treinado). O Paladar tem importância fundamental, pois ele funciona sempre, mesmo quando você ficar constipado. E, diferentemente do Olfato, com bom treinamento você aprende a identificar e caracterizar cada resposta física na Boca!

A Avaliação Sensorial Pontuada ou Objetiva, como a criada pela SCAA – Specialty Coffee Association of America (Associação Americana de Cafés Especiais), também estabelece uma faixa de incerteza na pontuação feito por um Juiz Certificado SCAA ou QGrader Licenciado. Isso deve ser feito porque cada profissional, ao ser considerado como um sofisticado equipamento de avaliação sensorial (inclusive você!), é normal ter sua faixa de incerteza.

Veja este exemplo: a SCAA considera um lote de café (no caso válido para o grão cru ou na condição de matéria prima) ESPECIAL se obtiver no mínimo 80 pontos SCAA numa avaliação sensorial.

Se um profissional pontuar um lote com exatos 80 pontos SCAA, que é justamente um número que fica, digamos, na linha divisória entre as categorias, podemos interpretar que ele está sobrevalorizando esse lote se ele estiver na condição de vendedor ou simplesmente subvalorizou se for um comprador. Que dúvida cruel, não?

É por isso que adota-se uma variação de +/- 1 ponto SCAA ao valor dado ao lote avaliado por um juiz certificado. E para se ter certeza de que um lote é realmente especial, um valor de referência razoável é o de 82 pontos SCAA.

Mas voltemos ao mundo das pessoas comuns…

Se você não conseguiu identificar uma nota de sabor que lembre o do pêssego ou de uma compota de ameixa preta, não se preocupe. Não se angustie com descrições quilométricas que algumas pessoas muito treinadas possam fazer de um determinado café (ou qualquer outra bebida como o vinho e a cachaça!). Muitas vezes isso é resultado de anos de treinamento constante e até por dever do ofício, ou seja, entenda como algo essencialmente técnico.

O importante é que o seu julgamento seja simplesmente GOSTEI ou NÃO GOSTEI. O que vale é que você se lembre como algo que foi agradável ou não.

E, tenha certeza: se você gostou, vai querer repetir essa bela experiência novamente.

É o que importa!

Territórios – 1

Thiago Sousa

Certamente você já ouviu a palavra Terroir, tão pronunciada ultimamente. De origem francesa, esta palavra pode ser traduzida por Território.

Desde os tempos antigos já se sabia que havia uma estreita relação entre os produtos agrícolas e onde eram produzidos. São bons exemplos as famosasEspeciarias, entre elas o Cravo da Índia e a Canela, que saíam da distante Índia para fazer parte de receitas de pratos servidos à nobreza européia. Sim, os indianos sempre tiveram queda especial para as especiarias, bastante ver como sua rica culinária sempre combina de forma exuberante um conjunto delas.

Tem relação com sua cultura, muito mística, com os aromas intensos que auxiliam na ambientação para a prática da meditação e até do Yoga.  Hoje, como outro bom exemplo, o Tchai é uma bebida que pode ser considerada bastante popular, muito difundida mundo afora pela gigantesca rede Starbucks.

De forma sistematizada, a noção da relação entre Território e Produtos Agropecuários se formou na Europa. Desde o Jamón da Espanha até o arroz cultivado no vale do Rio Pó, passando pelas quase incontáveis regiões vinícolas e produtoras de queijo, a lista é p’ra lá de longa…

Foi o vinho o primeiro produto agrícola a ter um processo deDenominação de Origem. Ao contrário do que muita gente pensa, a primeira Denominação de Origem foi para o Vinho Verde de Portugal no início do Século XX, vindo depois a impressionante série de origens vinhos franceses. Estes foram mais eficientes em propagar pelo mundo que seus vinhos, além do prestígio que já desfrutavam, tinham produção com território definido.

De qualquer forma, os processos foram bastante semelhantes, desde a criação de um organismo que coordenasse os serviços de certificação dos vinhos produzidos, atestando não apenas sua qualidade como também o processo utilizado. Este foi o ponto mais importante para que um modelo de criação do que podemos chamar deTerritórios de Produção pudesse ganhar espaço.

Falar em Terroir é relacionar as condições geográficas, como o local de produção, o clima e o solo, além dos aspectos botânicos e, não menos importante, o papel do produtor. Tudo tem de funcionar bem, harmonicamente. No caso do café, o namoro com as Denominações Geográficas é algo recente.

Apesar de ter sido a primeira região produtora no mundo a se organizar para obter uma Denominação Geográfica, o Cerrado Mineiro perdeu essa oportunidade ao receber uma Indicação de Procedência pelo INPI quase 6 meses após a região de Vera Cruz, no México.

Um dos requisitos mais importantes para uma região receber a Indicação de Procedência, no caso específico do Brasil, a Notoriedade, que é o reconhecimento pelo mercado de um atributo que seja relacionado diretamente com uma determinada origem, tem grande peso, assim como acontece para a Denominação de Origem, dada pela WIPO.  Apesar de sua história recente, o Cerrado Mineiro construiu a partir das boas condições climáticas a fama de origem produtora de cafés de boa qualidade dentro do Brasil, confundindo, por vezes, a origemcom o conceito de qualidade superior.

Se uma região com o Cerrado Mineiro, mesmo que demarcada e reconhecida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, com uma gigantesca área abrangendo 55 municípios, obteve sua IP – Indicação de Procedência, uma micro região poderia conseguir algo semelhante mais facilmente. Foi justamente esta linha de pensamento que norteou a demarcação da Micro Região da Face Mineira da Serra da Mantiqueira, liderada pela APROCAM – Associação dos Produtores de Café da Mantiqueira, na hoje renomada Carmo de Minas. Sua IP foi concedida neste ano de 2011, após quase 6 anos de tramitação do processo junto ao INPI.

E sobre sua notoriedade? Bem, cafés que são cultivados numa área particularmente montanhosa, a belíssima Serra da Mantiqueira, com o adicional de dividir um dos mais ricos mananciais de água mineral do Brasil, só poderiam resultar em bebidas de boa complexidade de notas de sabor, intensos aromas e quase sempre exuberante acidez cítrica.

Tudo isso é resultado da combinação que um Território pode proporcionar.

Sobre as fotos: 1- lavouras em São Roque, montanhas do Espírito Santo; 2 -lavoura sombreada em modelo agroflorestal em Piatã, Chapada Diamantina, BA; 3 – Selo do Café do Cerrado, hoje substituído pelo Selo da Região do Cerrado Mineiro; 4 – Selo de Origem para os Cafés da Mantiqueira.