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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

CIÊNCIA

Filtering by Tag: coffee

Sobre sistemas, métodos e tirashizushi

Ensei Neto

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Um dos meus pratos prediletos da cultura dos meus avós, que têm origem japonesa, é o Tirashizushi, que é arroz temperado especialmente para o sushi com uma cobertura de pedaços de diferentes peixes e frutos do mar servidos numa tigela.
Esse prato era, originalmente, feito com as partes não aproveitadas para o sashimi, que são fatias de peixe cru cirurgicamente preparadas, ou o clássico niguirizushi, composto por uma porção de arroz temperado delicadamente compactado com uma fatia selecionada de peixe cru. Como todos os pratos conhecidos, sofreu uma natural evolução, e hoje é um prato que ganhou os mais nobres ingredientes com o rigor estético nipônico.

Tirashizushi. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal.

Tirashizushi. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal.

O arroz é a base desse grande prato. A variedade típica da culinária japonesa tem como seu correspondente no Brasil o catete, que é redondo, plantado em tabuleiros, portanto, sob inundação. Os dois tipos mais utilizados desse importante cereal podem são, além do catete ou redondo, os longos finos, também conhecidos como arroz agulhinha, que é o preferido pela grande maioria dos brasileiros.

O tipo agulhinha tem como característica após o seu cozimento formar uma estrutura molecular que lembra algo gelificado, o que explica o seu comportamento “soltinho” no prato. É possível ser frito em óleo porque sua capacidade de reter água é muito baixa.
Os redondos, por sua vez, depois de cozidos mantém estrutura amorfa, ou seja, ficam amolecidos e, como consequência, o amido ganha quase consistência de cola, que o pessoal por aqui dá o apelido de arroz “juntos venceremos”. O Arboreo, “primo” italiano da variedade Hoshi Hikari, japonesa, é indicado para o preparo de risotos porque também possui excelente capacidade de retenção de água.

Preparar o shari envolve método, que nada mais é do que seguir fielmente um roteiro de preparação: lavar o arroz, deixar por um tempo sob água, cuja quantidade é calculada a partir da capacidade de retenção do arroz escolhido, cozinhar, fazer o resfriamento em uma cuba de madeira, que absorve eventual excesso de água, para, quando se atingir a temperatura ideal, adicionar a solução com o mágico tempero e fazer a mistura delicadamente. Cada cozinheiro tem sua receita particular, sendo a base sakê, açúcar, sal e vinagre, fundamental para facilitar o trabalho manual com o arroz.

Observe que existe uma metodologia ou, digamos, uma regra que é seguida pelo sushiman ao preparar o arroz que fará composição com o sushi e até o tirashizushi. Um ou outro profissional pode fazer variações, porém deve se observar se o resultado se aproxima ou não do original. 

Existem diversos métodos de preparo de café disponíveis no mercado, cada um com os seus equipamentos e materiais que compõem o chamado sistema. 

É muito importante notar que existe, em grande parte, confusão com os conceitos Método e Sistema entre os profissionais do café.  
Quando é feita referência a um método, espresso ou ibriq, por exemplo, entende-se que existe um conceito estabelecido e um roteiro de execução, conhecido também como protocolo.

Para ilustrar, o ibriq, considerado como o primeiro método de preparo de café, é uma infusão e que a solução de água com o pó de café dissolvido sofre ebulição por 3 vezes antes de ser servido. Numa cafeteria, todo esse protocolo deve ficar descrito numa ficha técnica correspondente.

Baristas do Yemen preparando Ibriq. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal.

Baristas do Yemen preparando Ibriq. Foto: Ensei Neto/Arquivo Pessoal.

 O sistema é o conjunto composto pelo utensílio e acessórios para a execução do método. Retomando o exemplo do café preparado pelo método conhecido por árabe, turco ou iemenita, o seu principal utensílio é o ibriq, que é um jarro metálico com a boca mais estreita que seu fundo com um cabo para seu manejo junto ao fogo. A geometria do jarro facilita a decantação do pó do café finamente moído após a terceira fervura, tornando o líquido limpo e pronto para servir. 

 No último dia 25 de janeiro, quando a cidade de São Paulo comemorou 466 anos de fundação, foi realizada a 1ª Copa Hario V60 de São Paulo, reunindo um expressivo número de competidores.

O sistema Hario foi apresentado ao mundo barista em 2005 durante a Feira da então SCAA – Specialty Coffee Association of America, realizada em Seattle, WA. Foi uma feliz combinação de fatores que levou esse sistema ao rápido estrelato já naquele evento: o fato de Seattle ser quase uma ponte aérea com Tokyo, fez com que a maior presença de japoneses naquela feira ocorresse; foi a celebração do acordo de cooperação entre as associações SCAA e SCAJ, esta do Japão; e, como cereja do bolo, o campeão do WBC foi o barista japonês Hiroyuki Kadowaki, que empregou em seu blend um brasileiro Cerrado Mineiro e um etíope Yirgacheffe.

O sistema Hario V60 é composto por um porta filtro que é um cone invertido com, digamos, o bico cortado, criando um enorme furo. Tem estrias em discreto vórtex para facilitar o escoamento do café filtrado. 
O cone tem um ângulo entre sua lateral e um eixo vertical de 60º (que no plano assume a forma de um triângulo equilátero) e, por essa razão, tem no manual de instruções do V60 a indicação de se verter a água no centro para que o pó de café se acomode nas laterais do filtro, onde ocorre a filtração propriamente dita.

Loucos por café (a partir da esquerda): Felipe Machado, Fabio Suzaki, Tulio de Souza, Luiz Ligabue e eu, Ensei Neto.

Loucos por café (a partir da esquerda): Felipe Machado, Fabio Suzaki, Tulio de Souza, Luiz Ligabue e eu, Ensei Neto.

O vencedor da competição foi o barista paraibano Túlio Fernando de Souza, que seguiu à risca a forma de uso recomendada pelo fabricante, uma vez que o sistema era o Hario V60. 

Método Hario V60 do barista Túlio de Souza: segundo o protocolo Hario. Foto: Túlio de Souza.

Método Hario V60 do barista Túlio de Souza: segundo o protocolo Hario. Foto: Túlio de Souza.

É claro que cada pessoa pode adotar uma “licença poética” ao utilizar esse sistema ou outro qualquer, porém, no caso de uma competição, pesou o fato de que, além do estudo de como dosar o fluxo de água para se obter a mais eficiente extração dos melhores sabores do café, o Túlio se destacou entre os competidores ao atender fielmente à metodologia ou protocolo do método.

A lição que fica é esta: preparar café, de forma profissional, exige conhecimento, disciplina e metodologia para que os resultados sejam consistentes.

 

A altitude, a densidade e o casco duro

Ensei Neto

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O cafeeiro é originário das florestas da Etiópia, humildemente instalado debaixo das sombras de grandiosas árvores. De lá, atravessando o Mar Vermelho, sobe as impressionantes montanhas iemenitas, até cordilheiras de fazerem perder literalmente o fôlego  e que integra a paisagem de Jabal Bura.
Estou falando de grandes altitudes e altitudes ainda maiores!

Há uma crença de que as sementes dos cafeeiros de grande altitude têm maior densidade e que suas paredes celulares são mais duras, o que torna o seu processo de torra mais exigente em termos de quantidade de energia. Ou, simplesmente, há que se usar de “mais fogo”...

Para melhor compreensão do que significa a “densidade da semente do café”, há que se considerar alguns aspectos básicos sobre o funcionamento do cafeeiro, conjunto de mecanismos conhecido por Fisiologia, juntamente com a estrutura química resultante. 

Deve ser lembrado que o desenvolvimento da semente está perfeitamente sincronizado com o da fruta do cafeeiro, que tem o que se chama de ciclo anual. Cada substância formada ao longo desse ciclo, que obedece uma linha lógica de demanda de energia, contribui para a determinação da densidade da semente. 


De forma simplificada, a densidade da semente é equivalente à média ponderada das substâncias que a formam. Por exemplo, a densidade da Glicose é de 1,54 g/ml, o que nos permite inferir que quanto mais açúcar houver na fruta e, por consequência, na semente, maior será a densidade desta. A partir desta constatação, fica claro o porquê se deve colher preferencialmente apenas frutas maduras.

 Frutas saudáveis ocorrem em plantas sadias e que sofreram pouco estresse. Cafeeiros que levam uma vida muito agitada, com pouca trégua entre muitos ataques de insetos, ou cheia de aborrecimentos e doenças, definitivamente têm frutas com potencial medíocre devido ao menor acúmulo de açúcar.
Por outro lado, a altitude do cafezal pode interferir positivamente na formação de reserva de açúcares. 

A atmosfera terrestre, a grosso modo, é uma combinação de Oxigênio e Nitrogênio, sendo que ao nível do mar a proporção é de 29:71. Quanto maior a altitude, essa proporção se modifica dramaticamente, pois o oxigênio é mais denso que o nitrogênio, de forma que este último aumenta consideravelmente sua participação na atmosfera. 

Com menor quantidade de oxigênio disponível, o processo respiratório das plantas tende a ser mais lento como forma de adaptação. A respiração lenta faz com que o ciclo da fruta se alongue naturalmente, de forma que a acumulação de açúcares se torna mais eficiente. 

Ao final, frutas adocicadas têm sementes com mais açúcares, que, como conseqüência, tendem a apresentar maior densidade do que outras de plantas cultivadas a menor altitude.

Em relação à parede celular das sementes ficar mais “dura” em razão da altitude pode-se dizer que tende a ser mais uma lenda rural...
Os habitantes de locais a grandes altitudes são, sim, preparados para baixas temperaturas e restrição de oxigênio decorrentes da menor pressão atmosférica.

Estruturas celulares tendem a ganhar maior resistência quando são expostas à maior pressão, como é o caso de animais que habitam o fundo do mar. A cada 10 m de profundidade, dobra-se a pressão em relação à que existe ao nível do mar. É por isso que os chamados seres abissais tem estrutura e arquitetura para poder suportar essas pressões elevadíssimas. 

O principal efeito da altitude é, sem dúvida, a possibilidade de um perfil de ácidos de maior complexidade se formar na semente, expressando-se ricamente na bebida. Além de intensidade acima do normal do ácido cítrico, vêm junto o ácido málico e, eventualmente, o fosfórico. 

Posso afirmar que essa combinação na xícara fica incrível!

Sua pequena fábrica de cafeína...

Ensei Neto

Copo "to go" da Fábrica Café, de Maceió, AL.

Copo "to go" da Fábrica Café, de Maceió, AL.

Preparar café em casa nada mais é do que você ter uma pequena fábrica que produz cafeína.
Sim, você não leu errado!
Tecnicamente, ao preparar um bom e delicioso café, você está, basicamente, realizando a extração da cafeína.

Como se sabe, a cafeína é uma substância que opera maravilhas em nosso cérebro, tornando nosso raciocínio mais eficiente ao mesmo tempo que gera uma sensação de bem estar. A família da cafeína atua muito bem na parte da memória recente, além de, conforme pesquisas comprovam, manter o coração com batida tão afinada como o de bateria de escola de samba...

Molécula da cafeína em representação 3D.

Molécula da cafeína em representação 3D.

O Companheiro de Viagem Marcelo Ricci, de Blumenau, SC, perguntou qual é a diferença entre preparar o café com água quente e água fria?
Toda essa dúvida foi gerada depois que algumas pessoas lhe comentaram que o café preparado com a água quente contém mais cafeína, enquanto que outras, menos. No caso do Cold Brew, presume-se que tem bem menos, porém muitos baristas falam em números que são muito elásticos.
Afinal, o que é verdade e o que é lenda barista?

Primeiramente, vale a pena rever a origem química da cafeína.
A Cafeína faz parte da grandiosa família das Xantinas, da qual fazem parte também a Teobromina (encontrada principalmente no cacau e que é prima primeira da cafeína) e a Teofilina (presente nas folhas de chá). Por outro lado, a cafeína é, quimicamente, um alcalóide, família de substâncias sintetizadas pelas plantas como agentes de seu sistema de defesa contra pragas e doenças fúngicas.
Pode-se afirmar que todo alcalóide é um veneno, porém, em baixa dosagem pode desempenhar o papel de estimulante.

Na preparação de um café, independente do método, a água é o principal elemento empregado. Portanto, existe uma relação direta entre a solubilidade em água das diferentes substâncias contidas numa semente de café torrada e moída e o que se obtém na xícara, expressando a combinação de aromas e sabores extraídos.
Por outro lado, a solubilidade em água das substâncias é diretamente proporcional à temperatura. Logo, é razoável pensar que a água em temperatura próxima ao seu ponto de ebulição trabalhará de forma mais eficiente na extração dos solúveis do que no caso de temperaturas mais próximas aos 25ºC. 
Para se ter idéia da importância da temperatura da água na extração da cafeína, esta se torna até 30 vezes mais eficiente próximo a 100ºC do que a 25ºC, sempre levando-se em conta que a referência é ao nível do mar.

Partículas de café torrado e moído após extração (aumento de 10x).

Partículas de café torrado e moído após extração (aumento de 10x).

Outro fator que permite obter maior quantidade de cafeína extraída pela água são o tempo de contato e a eficiência de contato. A eficiência de contato é observada no quanto de cafeína o solvente, no caso a água, consegue retirar do interior das partículas sob condições específicas (com agitação, sem agitação, com muita agitação), enquanto que em relação ao tempo de contato, um período mais longo permite se obter maior extrato.

Portanto, uma bebida obtida por Cold Brew deve conter menos cafeína, para um mesmo volume e perfil de moagem, do que uma outra de extração a quente. Mas, o que importa mesmo é que as pequenas fábricas de cafeína continuarão funcionando todos os dias...
Ainda bem!

 

 

Leche de Tigre, caramelo e crema tigrada...

Ensei Neto

Leche de Tigre, Leche de Pantera e variações.

Leche de Tigre, Leche de Pantera e variações.

Leche de Tigre é o saborosamente rico resultado da ação do ácido cítrico do limão sobre pedaços de peixe, principalmente do robalo ou similar de carne firme, combinado com sal marinho e folhas de coentro.
Por vezes coquetel, por vezes "salsa", o Leche de Tigre é muito popular na culinária de Lima, Peru, que se beneficia da generosa porção de águas profundas do Oceano Pacífico e, por isso, com acesso a frutos do mar cheios de sabores personalíssimos. 
Seu primo que também é muito apreciado é o Leche de Pantera, de cor negra, obtido com ostras negras e temperos.
De sabor mais intenso, é uma experiência fantástica. Este é o meu preferido!

A figura do "tigre" também ronda o café...
Entre os coffee lovers que adoram o espresso, uma boa extração deve apresentar o tigramento na crema.
Mas, afinal, e o que é esse tigramento? De que selva saiu esse tigre?

Um espresso bem tigrado... observe quantas estrias escuras mostra esta extração.

Um espresso bem tigrado... observe quantas estrias escuras mostra esta extração.

Bem, tudo começa no processo de torra do café.
Quando se inicia a Etapa Química da torra, uma série de reações químicas acontece e uma das mais importantes é a da quebra do amido que se transforma em Sacarose.  Este é o açúcar de cana que todos conhecem, mas pode ser encontrado também no côco e na beterraba branca.
Importante: a sacarose é o principal ingrediente para se preparar o caramelo.

Você se lembra como se prepara uma calda de caramelo ou mesmo uma crocante capa de um Creme Brullè?
Vamos lá.
Inicialmente, coloca-se o açúcar numa panela sob aquecimento. Em condições normais (sempre a 1 atm ou pressão ao nível do mar), a sacarose tem seu ponto de fusão, isto é, muda de estado sólido para o líquido, a 160ºC. Em seguida há a perda de uma molécula de água de sua estrutura, desencadeando um conjunto de reações que formam um polímero que assume estrutura cristalina quando se resfria, desde que nas mesmas condições normais.
Para facilitar a compreensão, pense que um polímero é como se fosse uma manta formada por diversas peças muito parecidas que se encaixam. No nosso caso, esse polímero é o caramelo.
Interessante notar que tudo se passa em ambiente sem água.

Creme Brullè Nordestino, revisão do genial chef Julien Mercier para o Mocotó, em São Paulo, SP.

Creme Brullè Nordestino, revisão do genial chef Julien Mercier para o Mocotó, em São Paulo, SP.

Ao se resfriar, devido às suas características moleculares, o caramelo assume forma cristalina, como pode ser observado na foto acima, que é uma sobremesa famosa do restaurante Mocotó de São Paulo.

No caso da semente de café que tenha passado por um processo de torra que cuidadosamente permitiu a formação do caramelo, durante a extração, especialmente de um espresso, os filetes marrom escuros nos indicam que a crema terá belos reflexos tigrados!
Para completar, um aroma e sabor notáveis de caramelo se farão presentes na xícara!
Veja este vídeo, captado na Fábrica Café, de Maceió, AL, onde torras muito bacanas estão sendo feitas e excelentes extrações acontecem...

Portanto, o sabor do caramelo é percebido numa xícara de café somente se os grãos forem de excelente qualidade, a torra tenha sido magistral e a extração cuidadosa. Caso contrário, há que se ter um pote de caramelo para adicionar...
Caramelo para todos!!!