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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

SENSORIAL

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Sobre os desafios da produção de café – 3

Thiago Sousa

O ano de 1991, em meio a mais uma grave crise de preços, uma torrefação italiana comandada por visionário e simpático químico, Ernesto Illy, dava início a um projeto que foi o estopim de uma revolução pela qualidade sensorial: estabelecer um polpudo diferencial nos preços pagos a excelentes lotes de cafés.

Foi o princípio da Era dos Concursos de Qualidade de Café.

A italiana illycaffè se tornou uma referência entre os cafeicultores de torrefação que reconhecia o esforço em produzir cafés de alta qualidade através de preços diferenciados (por exemplo, em 1991, enquanto que em média a saca de café fino no mercado commoditie recebia US$ 40, a illy pagava US$ 90, numa verdadeira prática deFair Trade – Comércio Justo). Foi ela também que inaugurou no Brasil o modelo de Compra Direta (Direct Trade), quando pessoalmente Dr. Ernesto, como era carinhosamente tratado, juntamente com sua troupe visitava as fazendas para conhecer como trabalhava e vivia cada fornecedor de café para sua torrefação.

Durante os primeiros anos do hoje tradicional Concurso Illy de Qualidade de Café para Espresso, uma região se destacou, chegando a ter 10 cafeicultores entre os 10 primeiros colocados!

Era o Cerrado Mineiro, que despertou a curiosidade do Dr. Ernesto para compreender o porquê da região produzir uma profusão de excelentes cafés. Latitude mais baixa do que o restante das origens produtoras brasileiras e um inverno impecavelmente seco era a fórmula que a Natureza se encarregou de apresentar. Os cafés Naturais, secos com a casca, passavam por uma secagem cuidadosamente lenta, além do fato dos frutos terem sido colhidos maduros. Simples assim…

Mas, o final dessa incrível década de 1990 apresentou uma tecnologia que iria modificar definitivamente a forma de se secar café no Brasil: o descascamento mecânico.

No Sul de Minas, em meio a paisagem dominada por cafezais em morros sem fim de Ouro Fino, um dos grandes pesquisadores de café, José Peres Romero, testava o sistema clássico de secagem das sementes (ah, lembre-se que do fruto do cafeeiro se quer apenas as sementes para se preparar uma incrível bebida!)  para a grande escala.

O princípio do chamado CD – Cereja Descascado se baseia na retirada da casca externa do fruto Maduro (conhecido por Cereja), após a passagem pelo lavador, onde é separado dos outros em diferentes estágios de maturação, como Verdes e Passas. Isso é fundamental porque a semente germina somente quando está fora da casca externa; por outro lado, se rapidamente ficar com baixa umidade em seu interior (abaixo dos 12%) sua germinação é suspensa.

Os terreiros passaram a mudar sua coloração durante o período de colheita, pois sementes apenas cobertas pela casca interna, conhecida por Pergaminho, davam um tom claro ante o quase negro dos Naturais.

Origens de Cafés do Brasil mais próximas ao Oceano Atlântico sofrem com a alta umidade relativa do ar, daí secar as sementes colhidas do cafeeiro mais rapidamente e, além disso, usando uma área menor de terreiro, só poderia ser uma maravilha!

Com a popularização dos equipamentos de descascamento de café, verificou-se que havia, a princípio, um ganho significativo na qualidade média das sementes porque esse método de Pós Colheita tende a uniformizar os lotes pela perspectiva do ponto de maturação.

Descascar os frutos cerejas trouxe uma mudança radical nos resultados dos Concursos de Qualidade de Café no Brasil, que proliferaram endemicamente por todas as regiões produtoras. Por exemplo, oCup of Excellence, coordenado pela BSCA – Associação Brasileira de Cafés Especiais, já no início dos anos 2.000 tinha 10 lotes de cafés CD entre os 10 primeiros colocados, que passaram a ser disputados avidamente por pequenas torrefações Premium mundo afora.

Então, o CD “matou” o Natural…

Rei Morto, Rei Posto!

Territórios – 3

Thiago Sousa

Comentei que o Café, como um Produto de Território, apesar da clara influência das coisas daNatureza como o clima e o solo, além das respostas que a Planta dá por tudo isso, tem nas mãos doProdutor a definição que teremos na xícara.

O Primeiro e Mais Importante Conceito que o produtor deve ter em mente é o de que produzir café é antes de mais nada produzir fruta!

Creio que acabo sendo insistente neste conceito, porém a grande verdade é que os cafeicultores geralmente tratam o cultivo de café como o de prosaicos grãos (talvez pelo longo histórico do café em fazer parte do grupo comercial de commodities…) como milho ou soja, onde a visão cartesiana de que basta controlar doenças e pragas, eventualmente dialogar com São Pedro para decidir por uma irrigação ou pedir por chuvas, é o suficiente.

Quando estamos falando de frutas, a primeira coisa que nos vem à lembrança é que fruta boa é fruta madura!

Ninguém em sã consciência compra frutas absolutamente verdes, nem mesmo muito passadas, naquele limiar do estragado. Da mesma forma, colher frutas maduras do cafeeiro deve ser objetivo básico. Afinal, como sempre digo, boas sementes vem de frutas maduras e do cafeeiro queremos apenas e tão somente suas sementes!

Mas, na maior parte da vezes, nem sempre é possível colher apenas os maduros, vindo, em boa parte, aqueles ainda não amadurecidos.

Observe que a atenção e o cuidado do produtor ao fazer a colheita é fundamental, devendo se manter ao longo dos diversos procedimentos para a secagem das sementes. Um desses procedimentos é o de selecionar as frutas pelo seu ponto de maturação depois de colhidas através de equipamentos chamados de lavadores, que fazem este serviço usando a água e a diferença de densidade entre as frutas maduras, verdes e em ponto de passa (secas). O efeito visual deste processo é muito bonito, como pode ser visto nesta foto.

O fato de serem separados frutos secos daqueles ainda com muita água (os maduros, quase maduros e os ainda verdes) facilita o processo de secagem. Há um mito que se criou recentemente: grãos secos como Cerejas Descascados (sementes somente com a casca interna conhecida como Pergaminho) são superiores aos Naturais, que são sementes secadas com as cascas. É o típico caso de se justificar uma ocorrência pelo resultado. E, portanto, um pouco de falta de domínio de conhecimento científico.

Na realidade, o que se busca quando se quer Alta Qualidade  nada mais é do que sementes de frutos maduros, sem qualquer tipo de interferência, seja por contaminação ou causada por fermentações indesejáveis. É óbvio supor que o resultado será muito melhor em termos de uniformidade ao se passar frutas recém colhidas por equipamentos que fazem a seleção pela diferença de densidades (frutas secam flutuam, por exemplo) quando mergulhadas em água e daí passarem por outros que descascarão as frutas por atrito.

E se por acaso a região tiver uma severa restrição de água, como fazer?

A saída é secar com a casca, preparando Naturais.

A bem da verdade, produzir excelentes cafés Naturais exige muito mais cuidado, capricho e conhecimento pelo fato da possibilidade de que diversas floradas possam ter acontecido, gerando frutas em diferentes estágios de maturação. Sim, sem dúvida os resultados são diferentes na xícara, mas por razões absolutamente devidas à fisiologia e bioquímica, que comentarei numa outra oportunidade.

A partir destas pistas, pode-se concluir que apesar da Natureza estabelecer a maior parte das condições do Território como o clima e o solo, sem dúvida é o Produtor que tem nas mãos o poder de não deixar se perder o potencial de qualidade de um lote de café. Pode dizer que a Natureza contribui com 90% dos elementos, enquanto que o Produtor com meros 10% do conjunto; mas para preservar a qualidade sensorial das sementes, é do Produtor 90% da responsabilidade.

Portanto, quem faz o Território é o Produtor!

E vivas para o Produtor!

23rd SCAA Show & Coffees of The Year Competition

Thiago Sousa

E hoje foi a abertura da 23. Edição do SCAA Show, o maior e mais importante evento de cafés especiais promovido pela SCAA – Specialty Coffee Association of America, desta vez em Houston, TX, USA. Além de abrigar a maior feira do setor, com presença de empresas de máquinas, equipamentos, insumos e utensílios para a indústria e cafeterias, tem diversas atividades educacionais e competições, sendo a mais importante o USBC – United States Barista Competition, que seleciona o representante norte-americano para o WBC – World Barista Competition.

Outro evento que é muito badalado é o Roasters Guild Coffee of the Year Competition, onde cafés de diversos países com entidades irmãs da SCAA enviam amostras para serem avaliadas por juízes degustadores, Q Graders e SCAA Cupping Judges.Estes devem ser participantes do Roasters Guild, o grande grupo de discussão e educação para profissionais da indústria de torrefação organizada pela SCAA.

Dentre os diversos comitês de trabalho da SCAA, há o IRC – International Relationship Council, fórum que reune entidades representativas de cafeicultores de países produtores, onde o Brasil possui como representantes a BSCA – Associação Brasileira de Cafés Especiais e o Conselho do Café do Cerrado, além da ABIC – Associação Brasileira da Indústria do Café como membro convidado. 

No quadro acima estão os cafés escolhidos como Top 10 ou 10 Melhores Cafés do Ano pela SCAA. Gostaria de fazer algumas observações sobre os resultados.

A primeira coisa que salta aos olhos é a distância que o café campeão, produzido emCaucaColômbia, teve diante o vice: praticamente 2 pontos na escala SCAA. Numa competição dessa natureza, é uma diferença que impressiona, pois em geral esses cafés estão em nível de qualidade muito próximos, como pode ser observado na pontuação obtidas pelos outros lotes.

O lote de café vencedor é da variedade Geisha, que deu fama à panamenha Finca Esmeralda da região de Boquete, cujas lavouras ficam numa área de vulcões ativos e a expressivos mais de 1.600 m de altitude. Essa combinação confere á bebida exuberante acidez, efervecente e crepitante na boca. E por isso alçou os preços de lotes de Geisha produzidos naquela propriedade a valores antes impensáveis.   

 Nos últimos anos o perfil de bebida do café colombiano sofreu mudanças substanciais devido à utilização de variedades não tradicionais, à introdução de novas áreas de plantio a menores altitudes e, principalmente, pelo emprego da desmucilagem mecânica. Assim, a acidez, sua principal característica, perdeu a maior presença do ácido lático, que é formado no processo de fermentação aeróbica nos tanques de demucilagem. O fato de um lote Geisha produzido na Colombia ter conquistado o primeiro lugar no Coffee of the Year Competitioncertamente mostrou que o mercado sempre está apresentando supresas!

Destaquei o processo de secagem do terceiro colocado, que obteve a excelente pontuação de 89,46 pontos SCAA, que é o mais empregado no mundo e no Brasil: o Natural, quando os frutos são secos com a casca. E aqui outra surpresa: o café foi também produzido em Cauca, Colombia!

Incrível, não?!

A imagem que a Colombia vende há mais de 30 anos é a de que produz Cafés Lavados (= Washed), como sinônimo de Café Despolpado, e que numa sutil mensagem induz a pensar que cafésNaturais ou Não Lavados (= Unwashed, portanto, não despolpados), produzidos principalmente pelo Brasil, seriam “sujos”!

É irônico pensar que o lote colombiano que obteve a terceira colocação foi produzido pelo processo Natural, à frente de 7 outros lotes. Isso demonstra que mais do que o processo escolhido para secagem, é o conjunto de cuidados que o produtor tem de tomar que definem a qualidade final do lote. Caso a variedade fosse o Bourbon Amarelo, pois apenas foi apontado que é Bourbon, outro ironia do destino se somaria: o Bourbon Amarelo foi originalmente encontrado nos altiplanos de Botucatu, SP, sendo historicamente conhecido como o Amarelo de Botucatu, portanto, variedade genuinamente brasileira aprimorada pelo venerando IAC – Instituto Agronômico de Campinas.

Observe que o quarto e nono colocados, cafés de El Salvador e da Guatemala, respectivamente, são da variedade Bourbon Amarelo. Também genuinamente brasileiro, outro resultado do magistral trabalho dos pesquisadores do IAC – Instituto Agronômico de Campinas, é a variedade Catuaí, presente no lote boliviano que ficou na oitava posição.

A reflexão que esses resultados nos levam é a de que o Brasil tem um setor de pesquisa genética que faz um trabalho primoroso, bem como nos setores de fisiologia e nutrição,  sem deixar de mencionar a pesquisa de processos de secagem. E se a Colombia está tentando reescrever sua história com a oferta de excepcionais cafés produzidos pelo método Natural, devem as entidades de produtores de Cafés do Brasil estimularem ainda mais para que todos trilhem os caminhos da Qualidade + Conhecimento + Tecnologia.

Finalmente: à exceção dos dois lotes produzidos na Bolívia, cujas áreas cafeeiras estão a majestosas altitudes, todos os outros são de origens localizadas no Hemisfério Norte. É questão de calendário: neste período, os cafés daquelas origens estão com o frescor da colheita recente, como acontece com os cafés brasileiros em outubro!

Uma delicada discussão sobre a acidez – 1

Thiago Sousa

No final da semana passada tive uma boa discussão com o Companheiro de Viagem Christian Rotsko,da Barefoot Coffee, de San Jose,  sobre a Acidez.

Provamos diversos cafés ao longo de 2 dias em 5 sessões, onde haviam tanto cafés com preparo de secagem como Cerejas Descascadas (CD) como com cascas, os Naturais. Dentre os Naturais, estavam o que denomino de verdadeiros Naturais, ou seja, cafés colhidos como cerejas, em sua plena maturação, e secos com a casca. Eu havia selecionado cafés de dois produtores que considero exemplares. Outra preocupação foi a de apresentar a sequência de um trabalho iniciado em 2009, quando alguns lotes de CDs e Naturais eram os chamados Gêmeos ou Twin, pois eram originados de uma mesma lavoura e variedade, sendo, no momento de passar pelo lavador, separados para parte ter sua casca externa retirada, enquanto que outra, teve as cascas preservadas.

Ao final do primeiro dia, ele me perguntou, espantado, porque alguns lotes de Naturais estavam mais ácidos do que os de CDs. Afinal, ele tinha a convicção de que os cafés CDs sempre apresentam maior acidez do que os Naturais.

Respondi que, na realidade, esse conceito não funcionava no Brasil, pois essa diferenciação somente é notável quando alguns grãos são preparados pelo método Fully Washed (= Despolpado em Tanques com Água), rarissimamente empregado por aqui.

Haviam 2 grupos de Gêmeos, um com a variedadeMundo Novo e outra com a Catuaí Amarelo 62.

A primeira dupla, com  Mundo Novo, estavam muito equilibrados com intensa doçura, demonstrando que a colheita foi feita no momento correto. Ao se fazer a comparação, as xícaras de grãos de processo Natural apresentaram uma acidez um pouco mais intensa, ainda que discreta, do que o CD, o que fez com que o Christian iniciasse o questionamento.  A explicação é simples: a acidez independe de método de preparo de secagem, seja Natural ou CD, exceto se for um Fully Washed. A acidez, nesse caso,  é da natureza do grão, dependente principalmente de fatores de “terroir” a que as plantas se submeteram ao longo da safra. Ou seja, se forem de uma mesma lavoura, de uma mesma variedade, é de se esperar que a acidez seja a mesma caso os frutos sejam secados com ou sem a casca externa.

Ao compararmos as xícaras de Natural e CD do Catuaí Amarelo 62, ambos apresentaram uma acidez equivalente.

As duas lavouras estavam dispostas como vizinhas,  o que faz imaginar que o terroir é o mesmo para as duas variedades. O que causa uma discreta variação no resultado é o fato de que o Catuaí Amarelo é mais precoce do que o Mundo Novo, ou seja, ele acaba atingindo a maturação dias antes para a mesma floração.

No caso do Descascado Despolpado (= Fully Washed) os grãos descascados ficam mergulhados em água durante 24 a 30 horas, em pH que permite a ocorrência de diversas reações bioquímicas, que tanto podem realizar a retirada da mucilagem que recobre o chamado pergaminho, como formar oÁcido Lático, que aumenta consideravelmente a acidez na bebida. Esta é a razão porque os cafés colombianos, centro americanos e alguns africanos, quando despolpados, apresentam uma acidez tão elevada na xícara!

Ou, apresentavam, pois com a adoção de processos de despolpamento mecânico como no Brasil, até por pressão de certificadoras internacionais e de ONGs de preservação do Meio Ambiente, a acidez dos cafés de alguns desses países, nos dias de hoje, já não é tão alta.