Contact Us

Use o formulário à direita para nos contactar.


São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

SENSORIAL

Filtering by Tag: Qualidade

Sobre elefantes, concursos, preços e qualidade percebida… – 3

Thiago Sousa

Um café processado gastricamente por um dócil elefante ou um irriquieto pássaro que por vezes ronda uma lavoura de café, será realmente tão delicioso na xícara?

E um café que foi produzido seguindo rigoroso procedimento de certificação de orgânicos, tem sempre bebida bacana?

Uma xícara de café feito de um lote que foi colhido somente por mulheres que tem o nome Maria durante a Lua Cheia, tem  de fato sabor especial?

Afinal, você sabe dizer o que existe em comum nestes três casos?

Todos fazem parte de uma classe conhecida por Produtos de Fé.

Produtos de Fé são aqueles em que a percepção de suas características sensoriais surge por meio de sugestão ou é induzida por uma crença num fato, numa filosofia ou mesmo através da visualização de um selo por parte do consumidor.

Se alguém lhe disser ou você ler um artigo que um café foi processado de uma determinada forma por algum animal e que o sabor resultante é exoticamente bom, você pode acabar acreditando que ele é realmente bom (ou talvez não, dependendo de sua resistência à persuasão…).

Esses produtos necessariamente precisam de pessoas que se impressionem facilmente com atributos que são basicamente quintessenciais, isto é, que se formam no imaginário e acabam se traduzindo em reações físicas, num processo conhecido por somatização. É exatamente o mesmo processo psicológico que acontece em testes com medicamentos onde parte do grupo recebe pílulas de placebo. Algumas pessoas tratadas com essas pílulas de amido puro chegam a manifestar reações positivas ao tratamento como se estivessem sob efeito do princípio ativo.

Esse é o poder da fé!

Um caso muito comum entre compradores de café em treinamento é o de superestimarem a qualidade de lotes quando provados na fazenda em que estão sendo recebidos. Essa, digamos, superestimação é devida a uma por vezes intrincada combinação de ambiente aconchegante, recepção festivamente gentil por parte do produtor e um sentimento de reciprocidade despertado no comprador. Quando as mesmas amostras são avaliadas no local de trabalho desse profissional, distante da bucólica paisagem por muitas horas de vôo transcontinental e com foco e razão em níveis normais, muitas vezes uma realidade não tão especial se manifesta nas xícaras.

No entanto, se notas de aroma e sabor são novamente percebidas como da primeira vez à mesa com o produtor, certamente um sentimento de êxtase vai imperar triunfante.

Esta é a técnica que experientes juízes degustadores adotam, o que muitos chamam de A Prova do Dia Seguinte!

Nada melhor do que uma boa noite de sono, que faz o espírito e as percepções renovarem o seu vigor e fazerem seu set up, para fazer uma nova rodada deavaliação e daí ter a certeza do perfil sensorial da bebida.

É por isso que você deve sempre confiar nos seus sentidos!

Se algo é realmente bom, de excelente resposta sensorial, não precisa de qualquer justificativa técnica.

O gostar é algo essencialmente pessoal, que nem sempre é pactuado entre as pessoas da mesma forma. Lembre-se que é estatisticamente nula a possibilidade de duas pessoas responderem a um mesmo estímulo sensorial, olfativo ou gustativo; respostas similares ocorrem quando as pessoas estão calibradas.

Não pode haver, tampouco, uma DITADURA DOS SABORES, que vez ou outra surge através de pessoas que acham que podem impor um determinado tipo de sabor como tendência…

Sabor não é moda, é Sensação Percebida!

Outra forma de não ter suas percepções embaçadas (esta foi uma expressão muito divertida que ouvi de uma aluna num dos cursos de Educação Sensorial!) é fazer uma prova às cegas com outros cafés (ou vinhos ou cachaças ou brigadeiros…). Neste caso, a magia que histórias mirabolantes de produção poderiam exercer sobre sua percepção, podem simplesmente sumir… como por encanto!

E prevalecerá o que realmente lhe agrada mais.

Experimente de tudo, confiando em seus sentidos!

Sempre.

Um contrato com São Pedro

Thiago Sousa

Um dos maiores desafios que os agricultores tem é o de saber como o clima irá se comportar durante a safra que ele está cuidando. Diferentemente de uma indústria, que tem praticamente todos os fatores sob controle, trabalhar com a Natureza envolve um elemento que tem grande impacto e é incontrolável pelo Homem: o Clima.

Um período de seca fora de hora (conhecido como “Veranico”), dias de muita chuva, granizo e massas polares agressivamente frias fazem parte de um cardápio totalmente desafiador e inesperado a cada ano.

Por certo, o maior desejo de um produtor é o de ter umContrato com São Pedro onde ficariam definidas as épocas e quantidades de chuvas, bem como as temperaturas mais  adequadas a cada momento do desenvolvimento das lavouras.

Neste Ano Safra de Café, diversos fenômenos trouxeram grandes preocupações aos produtores. Desde inesperadas chuvas de granizo na Mogiana e Centro-Oeste de São Paulo na transição entre a Primavera e Verão em 2011 a uma seca prolongada a partir de Janeiro, num momento em que ter água em abundância é fundamental para que os frutos dos cafeeiros se desenvolvam perfeitamente deixou muita gente preocupada.

O Outono Brasileiro, que começou em 21 de Março, se mostrou bastante diferente do usual com Temperaturas Máximas e Mínimas, principalmente estas, bastante acima do normal. Prefiro trabalhar com estas duas temperaturas ao longo do ano e não com a chamada Temperatura Média que usualmente é empregada. Há uma delicada questão sobre o significado da Temperatura Média, que posso comentar em outra oportunidade..

Bem, quando essas duas temperaturas ficam mais elevadas, principalmente a mínima, significa que a entrada de Massas Polares é muito mais fácil, o que se traduz em chuvas num período em que não são normais ou, pior ainda, bem vindas. Frutas como os do cafeeiro tem um ciclo cuja colheita acontece entre o final do Outono e meados do Inverno. Se o Outono continua quente, as plantas entendem que ainda não chegou o momento para sua hibernação. Por outro lado, se as chuvas se prolongam com temperaturas relativamente altas, fazem com que as plantas continuem a trabalhar intensamente seus frutos, fazendo-os crescer. É por esta razão que em anos em que essa combinação acontece, os frutos do cafeeiro se apresentam maiores, pois as sementes continuam a crescer.

Chega um momento em que a casca externa dos frutos não conseguem mais acompanhar o crescimento das sementes. É quando essas cascas se rompem. Uma tragédia para a qualidade!

Cascas rompidas num ambiente de alta umidade se tornam portas de entrada a contaminações por fungos e bactérias. No caso de frutos que ficaram maduros e atingiram o estágio “Passa”, quando a casca externa começa a murchar e ficar mais escura, o ataque por microorganismos pode ser ainda mais desastroso, levando à podridão, que se reflete na xícara com a presença do Creosol e seu repugnante gosto químico.

A elevada umidade relativa do ar dificulta os trabalhos de colheita, porém muito mais nos procedimentos de secagem das sementes. Afinal, ar seco é o “santo remédio” contra a umidade nas sementes!

Observe na foto abaixo como os fungos se instalam na casca que começou a murchar. Ela não consegue isolar as sementes dos microorganismos que estão na superfície, que acabam migrando para as sementes, estragando-as definitivamente quando o ambiente está muito úmido.

Imagine que as variedades mais precoces, como o disputado Bourbon Amarelo, são justamente as mais afetadas por esse clima destemperado, prejudicando a qualidade da bebida. Por outro lado, com a umidade do ar mais elevada por um período prolongado, há prejuízo certo para os frutos que irão amadurecer ou se tornar Passa neste princípio de Inverno!

Problema sério!!!

Isto significa que a dificuldade para se ter sementes de qualidade excepcional será maior neste ano, enquanto que lotes com problemas de fermentações indesejadas se multiplicarão. Reflexo certo será o descolamento do preço de lotes de café de alta qualidade ante cotações dos de qualidade inferior.

Para uma esperada grande safra brasileira, como algumas empresas e instituições vinham pregando para este ano, esta pode ser uma pancada que provocará doloridas consequências para o cumprimento de contratos assumidos ainda no ano de 2011. Assim como foi em 2008…

Separando o joio do trigo ou o açaí e o milho do café…

Thiago Sousa

Durante muito tempo se manteve a percepção de que os melhores grãos de café produzidos no Brasil eram exportados, ficando para o consumo interno apenas os chamado “Resíduos de Preparo”, nome técnico dado aos grãos com problemas, digamos, existenciais, como “mal formação congênita” (por falta de adubação ou por frutos colhidos antes do tempo) e, também, que foram afetados pelos mais diferentes “eventos da vida”, como as fermentações indesejáveis.

O fato de se exportar os melhores grãos não é surpreendente, muito pelo contrário, faz bastante sentido porque o comprador quer sempre fazer valer ao máximo o que paga. Da mesma forma, quando você vai a uma loja comprar uma camisa, por exemplo, depois de ter alguma que lhe chame a atenção, pede, inicialmente, para experimentar ou fazer o que seria uma degustação estética. Se lhe cair bem, o próximo passo é negociar o preço; finalmente, uma inspeção para ver se não há defeitos no tecido ou um botão fora de lugar. Pronto! Compra feita.

E, certamente, você sai satisfeito!

Cultura típica de países pobres, o café teve uma trajetória diferente no Brasil. Até porque o Brasil mudou. Cresceu. Virou um país que já se impõe pela sua capacidade econômica, principalmente de sua população.

Com o crescimento do poder aquisitivo, da abertura do país aos produtos importados ainda na década de 90, da internacionalização da economia e cultura, incorporar hábitos  universalizados foi apenas questão de tempo. Hoje o mercado brasileiro já dá de ombros com o dos Estados Unidos, devendo brevemente alcançar o posto de maior mercado mundial consumidor de café, salto que se deve a uma série de ações que vem estimulando o consumo, combinado com o fato de que o café é atualmente uma bebida da moda.

O estímulo ao consumo se dá através de uma combinação de elementos como o poder aquisitivo, a oferta de novos produtos (sim, hoje cafés de qualidade excepcional já fazem parte do dia de muita gente por aqui!) e novas formas de consumo (seja na apresentação, seja nos novos serviços). E estes três elementos estão experimentando a avidez do novo consumidor, gente jovem e antenada nos gadgets e origens que surgem em profusão.

A indústria de torrefação nacional passou por períodos complicados durante o período de hiper inflação, de triste lembrança para os jovens de outrora. Incluído na Cesta Básica, o café foi um dos produtos que sofreu por fazer parte do Tabelamento de Preços, que congelava os preços ao consumidor enquanto que a inflação corria solta, criando uma defasagem entre custos e valor de venda de tamanho abissal. O resultado: queda vertiginosa da qualidade, incorporando-se os piores resíduos de preparo disponíveis como forma de sobrevivência.

O fato do Brasil ser um país de excepcional vocação agrícola, além do café, uma diversidade de culturas tem suas colheitas disponíveis ao longo do ano. A facilidade para aquisição da matéria-prima básica, que é o grão de café cru,  é grande, uma vez que o cultivo se faz do Paraná à Bahia, além de Rondônia com o seu Conilon, e áreas pontuais em Mato Grosso e Goiás.

Como em todos os setores, existem profissionais de alto nível, mas também existem aqueles que agem de má fé. Dois problemas devem ser enfrentados com rigor: o daPureza do Café, que é um esforço de mais de 20 anos promovido pela ABIC – Associação Brasileira da Indústria do Café, e o da Qualidade do Café, que é um trabalho que deve ter todo o setor envolvido, de produtores a baristas e profissionais de serviço.

A questão da Pureza envolve a fraude básica: incorporar coisas que não o café. Paus, pedras e outros produtos. O milho é um dos elementos de fraude mais empregados, pois confere sabor adocicado ao produto final, o que melhora a percepção por parte do consumidor. O mais recente é o açaí.

Para verificação da Pureza de Café, o Laboratório do Departamento de Alimentos da Escola SENAI “Horácio Augusto da Silveira”, de São Paulo, SP, é um dos habilitados nos serviços de microscopia. É um trabalho maravilhoso coordenado pela Companheira de Viagem Professora Lilian Duarte, que gentilmente cedeu as imagens. Os laudos técnicos emitidos por este laboratório dá condições de ir à caça aos maus produtos, que, juntamente com uma legislação clara, deve retirar do mercado as marcas fraudadoras e punir adequadamente.

Veja com atenção as fotos e aprenda a reconhecer algumas das fraudes mais comuns contra os consumidores de café. Muito bom saber que existem profissionais que zelam pelo idoneidade do nosso café. Esperamos que outros laboratórios se habilitem para aumentar esse trabalho virtuoso.

Cup Shock: Cafés do Brasil são surpreendentes!

Thiago Sousa

Você já assistiu ao filme Bottle Shock, que no Brasil saiu com o nome de O Julgamento de Paris?

Lançado em 2010, este belo filme dirigido por Randall Miller conta a impensável história de um sommelier britânico radicado em Paris que resolve agitar o mundo dos vinhos ao viajar à América em busca de novos sabores e emoções.

Em 1976, Steven Spurrier, personificado pelo sempre impecável Alan Rickman, segue para o Napa Valley, CA, USA, para conhecer as vinícolas da primeira origem do que seria conhecido como Novo Mundo num puro projeto de garimpagem. Encontra a família Barrett, proprietária do hoje místico Chateau Montelena, e com o jovem Bo, vivido por Chris Pine, e seus inseparáveis amigos Gustavo (Freddy Rodriguez), um filho de imigrantes mexicanos e enólogo autodidata, e a bela Sam (Rachel Taylor), andam por toda a região.

Feita a seleção das melhores garrafas, Steven retornou a Paris, onde organizou o que seria a mais famosa degustação comparativa entre vinhos dos dois mundos: oClássico Francês versus o Caipira Californiano.

Grandes enólogos e sommeliers, acompanhados avidamente por importantes jornalistas, provaram às cegas e deram o seu veredito. E que acabou surpreendendo aos próprios juízes!

Belíssima fotografia, grandes elenco e uma trilha sonora embalada por deliciosas canções do The Doobie Brothers. Veja o trailer oficial através do link abaixo:

Há uma grande mensagem passada por este filmee que se presta muito bem aos cafeicultores do Brasil: assim como os vitivinicultores californianos, considerados rudes pelos franceses, muitos lotes simplesmente fantásticos tem sido produzidos em nosso país desde sempre!

 Alguns paralelos podem ser feitos com o nosso povo do café e os produtores de vinho do filme: há uma busca incessante em buscar o melhor na produção, apesar do certo ceticismo em relação à qualidade do que se produz.

Isto acontece com muita frequência por aqui, pois raros são os produtores que decidiram conhecer a fundo o que estão produzindo.

Nossos cafeicultores são competentes ao fazer as árvores produzirem frutos aos borbotões, mas cometem falhas que se mostram fatais no quesito qualidade no momento da colheita e da secagem. Quando, muitas vezes apenas guiados pela intuição ou por pura sorte conseguem ultrapassar essa fase, esbarram numa comercialização que em geral se parece como impenetráveis muralhas.

Pessoas como o personagem Gustavo, que procurou estudar a fundo a bebida, sua produção, conceitos técnicos e, principalmente, aprender a degustar, devem se multiplicar também na cafeicultura. No caso do café, nem sempre o tamanho das sementes, conhecido como “peneira”,  é sinal de que o lote tem excelente bebida. Portanto, aprender a degustar e saber como o seu café bebe é parte do ofício do novo cafeicultor.

Conhecimento é o que define o domínio do jogo comercial.

Quando o nível de conhecimento é semelhante, existe equilíbrio e, em geral, a comercialização segue um rumo saudável. Quando o desequilíbrio acontece, quase sempre pendendo para o lado de quem compra, o saldo pode ser amargo para o produtor.

Não há outra saída: aprender, treinar e, assim, conhecer cada lote de café produzido. Degustar é manter diálogo com a bebida, conhecer seus deliciosos segredos ou mesmo seus defeitos e problemas que podem macular o lote. Só assim o cafeicultor pode realmente chamar cada lote de “seu filhote”!

Se você assistiu ao filme, vai entender porque o Cup Shock ( ou o Choque das Xícaras!) chegou aosCafés do Brasil: veja nesta foto a tabela de preços de cafés de uma cafeteria referência em Portland, OR. Sim, é justamente um café brasileiro o mais caro da lista entre tantos outros mais famosos!

E que seus aromas e sabores justificaram plenamente o seu valor, reconhecidos por Mr. Spurriers do Café de diversos países!

Subtropical, Serjão, Subtropical – 4

Thiago Sousa

As origens dos vinhos em geral se localizam em latitudes maiores que 30o , podendo se estender a até 48o de latitude, onde predomina o Clima Subtropical por excelência.

A parreira e o cafeeiro são frutíferas que produzem somente em ramos novos, apesar das arquiteturas completamente distintas. Sim, enquanto a parreira é uma planta que precisa de, digamos, fios condutores para se esparramar, o cafeeiro é um arbusto que chega a ser imponente como uma conífera, com algumas variedades lembrando o formato de pinheiros. A parreira que produz uvas viníferas é podada todo final de safra para que novos ramos cresçam após o tempo de dormência. O cafeeiro precisa lançar novos internódios para que botões florais possam ter lugar.

A localização do Cinturão Vinícola no mundo segue uma lógica que tem por base a busca por uma combinação equilibrada de insolação e faixas de temperatura adequadas. Excelente é o Verão que tem dias longos e boa quantidade de chuvas, pois esse é o período que corresponde ao que chamo de Momento Adolescência dessas frutas: precisam de muita energia (portanto muita luz!), pois o crescimento é absurdamente rápido (muita água para preencher os espaços criados…), tal qual os adolescentes!

No final do Verão e início do Outono, semelhante a quando chegamos ao ponto de nossa maturidade, continuando a comparação, as frutas precisam de equilíbrio entre luz e temperaturas, pois é quando asreações mais sofisticadas acontecem em seu interior. Esofisticado para as plantas significa produzir e acumular açúcares nos frutos. É nesse ponto que cai por terra o conceito detemperatura média anual para se considerar um local apropriado ou não para o cultivo dessas duas plantas.

Modelos modernos e sofisticados que empregamos utilizam média ponderada por momento fenológico, pois em cada fase do Ciclo do Fruto as necessidades de energia são diferentes e, portanto, as temperaturas reinantes tem de estar sincronizadas.

Observe abaixo o Gráfico Sensorial de um lote produzido na Fazenda Jaboticabal, de Johann Nick, em TomazinaNorte Pioneiro do Paraná, e que tive a oportunidade de apresentar a um seleto grupo de amigos e colegas juízes degustadores durante a FICAFÉ 2011, em Jacarezinho, PR.

A complexidade deste café é algo surpreendente e emocionante!

Isso foi possível porque combinou-se uma variedade que tem uma impressionante capacidade de adaptação ao Clima Subtropical, em parte devido à sua porção vinda do DNA de robusta. O ciclo da fruta foi impensavelmente longo, permitindo que uma riqueza de sabores viessem à tona, sustentados por uma doçura que chega a ser bestial, resultado de um fabuloso período com predomínio do metabolismo basal.

Criei este Gráfico Sensorial especialmente para a FICAFÉ e que é bastante intuitivo, ao mesmo tempo que dá pistas de elementos muito sofisticados.

O círculo da esquerda, que tem cores que vão do verde ao alaranjado, mostra a formação das notas de  Aromas & Sabores na frutificação e senescência. Portanto, você deve tomar como ponto inicial as notas HERBAIS, seguindo-se das FLORAIS, de FRUTAS CÍTRICAS, FRUTAS AMARELAS/TROPICAIS e FRUTAS VERMELHAS.

O círculo central e o da direita são notas de Aromas & Sabores formados durante a torra do café, sendo o central resultado das Reações de Maillard, enquanto que os da direita surgem durante a intensificação do processo de pirólise. No entanto, o círculo central é a chave do que é a qualidade de um café, pois o que determina a sua qualidade global é a colheita de frutos maduros, que, traduzindo-se para as nossas papilas, significa presença de AÇÚCARES e, portanto, do sabor DOCE. Os açúcares durante as Reações de Maillard caramelizam (é como fazer uma calda de caramelo colocando açúcar numa panela e levar ao fogo) e é por isso que para cafés bacanas ou Cafés Especiais SEMPRE o sabor de CARAMELO é OBRIGATÓRIO. Escrevi em maiúsculas para deixar bem claro que algo que sempre é encarado como um atributo maravilhoso é, na realidade, o primeiro e necessário  indicador de que o café é de alta qualidade (= colhido maduro e secado direitinho)!

Durante as Reações de Maillard surgem em sequência as notas de Aromas & Sabores de NOZES (Amendoim, Nozes, Amêndoa e Avelãs), CARAMELO (Mel, Caramelo e Toffee) e CHOCOLATE (que começa com Manteiga e chega no Chocolate, o Dark).

Quando se inicia a Pirólise, temos como sequência a notas de Aromas & Sabores que denominamos RESINOSOS, que estão no  Xarope de Maple e Erva Doce, por exemplo, as ESPECIARIAS LEVES como Baunilha, Anis e Canela, para, finalmente, chegar nas ESPECIARIAS PICANTES como Cardamomo e Pimenta do Reino.

Observe que boa parte das notas de Aromas & Sabores é uma mescla de dois e até três grupos. Um exemplo: a Baunilha tem uma mescla Floral, com leve passagem pelo Caramelo e de Especiarias Leves!

Sobre arabicas e robustas – 3

Thiago Sousa

Que o Conilon está definitivamente presente em nosso dia a dia cafeinado, disso não há mais dúvida.

No caso do mercado consumidor brasileiro, assim como em todo o mundo, o Conilon sempre esteve associado com o Café Solúvel ou, então, nos blends dos produtos mais competitivos, como comentei anteriormente. Salvo raras exceções, a quase totalidade dos cafés torrados e moídos na tradicional embalagem almofada tem presença notável de grãos da espécie robusta.

A produção de Conilon no Brasil vem crescendo rapidamente.

Sim, hoje o Brasil é o segundo maior produtor mundial de cafés dessa espécie, atrás somente do Vietnan, mas essa situação pode se reverter num futuro não muito distante. A produção de café no Brasil vem ganhando contornos de alta profissionalização há tempos, como acontece em todos os setores agrícolas. De forma acelerada a partir deste último período de elevação de preços, grupos empresariais decidiram se dedicar ao cultivo de Coffeas. Não importa qual, pois nas duas espécies dominantes no Brasil esses grupos enxergam excepcionais oportunidades. Muita tecnologia incorporada, profissionais competentes amealhados no mercado, gestão estratégica e sensibilidade para perceber as mudanças do mercado consumidor.

Historicamente, as lavouras de Conilon ficavam restritas às áreas baixas do Espírito Santo e em Rondônia. Hoje existem experimentos muito promissores em Minas Gerais, na região de Pirapora, na Bacia do “Velho Chico”, para onde vários produtores empresariais seguiram para produzir Mundo Novos e Catuaís. Bastou um ousado resolver a plantar Conilon, que possui alta produtividade e muito boa estabilidade para que paradigmas caíssem por terra. Com clima seco durante a colheita, o resultado em termos de qualidade surpreende.

A equação é matematicamente impecável:

Alta Produtividade + Produção Estável + Custo Baixo = Resulto Muito Positivo!!!

Por outro lado, um movimento para mostrar as qualidades sensoriais do Conilon vem sendo liderado pelo INCAPER – ES, além da iniciativa privada. Conilon Especial, simplesmente.

Para fortalecer o movimento de aprimoramento da qualidade, a capacitação de profissionais, de produtores a técnicos da torrefação e do comércio, sem esquecer do consumidor, obrigatoriamente deve acontecer, pois Educação e Conhecimento Compartilhado é a base do crescimento consistente do mercado. Mercado bom é feito de pessoas “sabidas”!

Vitória, ES, sediará o 2o Curso de Robustas Finos (2nd Fine Robustas Course) que será conduzido por técnicos ligados ao CQI  – Coffee Quality Institute, de 29 de novembro a 06 de dezembro próximo. Esse curso tem o objetivo de certificar profissionais que saibam avaliar cafés da espécie robusta a partir de adaptação daMetodologia SCAA de Avaliação Sensorial de Café, esta voltada para arabicas.

Considero este evento um marco, pois, novamente, é outro paradigma que está caindo por terra. Se há qualidade, ela pode ser mensurada e, no caso, a “régua” que está sendo usada, elaborada pela SCAA e CQI,  é  de aceitação internacional. Portanto, isto é um claro sinal de que o mercado definitivamente sempre pode ser surpreendente, pois a criatividade humana é inesgotável!


Territórios – 3

Thiago Sousa

Comentei que o Café, como um Produto de Território, apesar da clara influência das coisas daNatureza como o clima e o solo, além das respostas que a Planta dá por tudo isso, tem nas mãos doProdutor a definição que teremos na xícara.

O Primeiro e Mais Importante Conceito que o produtor deve ter em mente é o de que produzir café é antes de mais nada produzir fruta!

Creio que acabo sendo insistente neste conceito, porém a grande verdade é que os cafeicultores geralmente tratam o cultivo de café como o de prosaicos grãos (talvez pelo longo histórico do café em fazer parte do grupo comercial de commodities…) como milho ou soja, onde a visão cartesiana de que basta controlar doenças e pragas, eventualmente dialogar com São Pedro para decidir por uma irrigação ou pedir por chuvas, é o suficiente.

Quando estamos falando de frutas, a primeira coisa que nos vem à lembrança é que fruta boa é fruta madura!

Ninguém em sã consciência compra frutas absolutamente verdes, nem mesmo muito passadas, naquele limiar do estragado. Da mesma forma, colher frutas maduras do cafeeiro deve ser objetivo básico. Afinal, como sempre digo, boas sementes vem de frutas maduras e do cafeeiro queremos apenas e tão somente suas sementes!

Mas, na maior parte da vezes, nem sempre é possível colher apenas os maduros, vindo, em boa parte, aqueles ainda não amadurecidos.

Observe que a atenção e o cuidado do produtor ao fazer a colheita é fundamental, devendo se manter ao longo dos diversos procedimentos para a secagem das sementes. Um desses procedimentos é o de selecionar as frutas pelo seu ponto de maturação depois de colhidas através de equipamentos chamados de lavadores, que fazem este serviço usando a água e a diferença de densidade entre as frutas maduras, verdes e em ponto de passa (secas). O efeito visual deste processo é muito bonito, como pode ser visto nesta foto.

O fato de serem separados frutos secos daqueles ainda com muita água (os maduros, quase maduros e os ainda verdes) facilita o processo de secagem. Há um mito que se criou recentemente: grãos secos como Cerejas Descascados (sementes somente com a casca interna conhecida como Pergaminho) são superiores aos Naturais, que são sementes secadas com as cascas. É o típico caso de se justificar uma ocorrência pelo resultado. E, portanto, um pouco de falta de domínio de conhecimento científico.

Na realidade, o que se busca quando se quer Alta Qualidade  nada mais é do que sementes de frutos maduros, sem qualquer tipo de interferência, seja por contaminação ou causada por fermentações indesejáveis. É óbvio supor que o resultado será muito melhor em termos de uniformidade ao se passar frutas recém colhidas por equipamentos que fazem a seleção pela diferença de densidades (frutas secam flutuam, por exemplo) quando mergulhadas em água e daí passarem por outros que descascarão as frutas por atrito.

E se por acaso a região tiver uma severa restrição de água, como fazer?

A saída é secar com a casca, preparando Naturais.

A bem da verdade, produzir excelentes cafés Naturais exige muito mais cuidado, capricho e conhecimento pelo fato da possibilidade de que diversas floradas possam ter acontecido, gerando frutas em diferentes estágios de maturação. Sim, sem dúvida os resultados são diferentes na xícara, mas por razões absolutamente devidas à fisiologia e bioquímica, que comentarei numa outra oportunidade.

A partir destas pistas, pode-se concluir que apesar da Natureza estabelecer a maior parte das condições do Território como o clima e o solo, sem dúvida é o Produtor que tem nas mãos o poder de não deixar se perder o potencial de qualidade de um lote de café. Pode dizer que a Natureza contribui com 90% dos elementos, enquanto que o Produtor com meros 10% do conjunto; mas para preservar a qualidade sensorial das sementes, é do Produtor 90% da responsabilidade.

Portanto, quem faz o Território é o Produtor!

E vivas para o Produtor!

Saindo do eixo…

Thiago Sousa

São Paulo, SP.

É a Cidade que Nunca Dorme, é onde tudo acontece no Brasil. Até em música, como em letra do Caetano Veloso, é a maior Metrópole da América do Sul, Baby!

É a cultura efervecente, novidades aos borbotões e indicativos das novas tendências em tudo. O movimento de cafés de alta qualidade ou, simplesmente, dos Cafés Especiais no Brasil tem em Sampa o seu melhor meio. Casas inovadoras como Suplicy,Santo Grão e Coffee Lab, de empreendedores locais, convivem com tentáculos das grandes empresas globais como Sara Lee e sua surpreendente Casa Pilão, e a nova avalanche de McCafés, com seu ambiente aconchegantemente convidativo aos novos consumidores. São Paulo oferece, também, um incrível oferta de cursos e treinamentos especializados para os profissionais e apaixonados da área.

Máquinas, equipamentos e acessórios para fazer café? Sim, você encontra tudo em Sã0 Paulo!

Todas as máquinas de espress0 mais conhecidas tem sua base de representação na capital paulista, desde as grandes La SpazialeNuova Simonelli, Astoria e Cimbali até a artesanal e porisso sonho de consumo de todoCoffee GeekLa Marzocco. Moinhos e todos os outros apetrechos são fáceis de se encontrar. 

É justamente por essa incrível diversidade de opções que faz de São Paulo a principal fonte para o povo do café, entre outros povos…

Gente de todo o país se aporta para buscar idéias, informações e aprendizado, literalmente bebendo direto da fonte. E se houver pessoas inspiradas, novas idéias e projetos podem acabar pipocando em outras paragens brasileiras!

Apesar das dimensões da produção cultural e econômica, lastreadas pela extraordinária capacidade de consumo, outras cidades e capitais estão mostrando que o chamado eixo São Paulo-Rio de Janeiro não é soberano. E tem dois exemplos muito bacanas sobre isso.

Quando se fala em Goiânia, GO, a primeira imagem que vem à nossa mente são gostosuras típicas do interior como o Empadão Goiano e pratos com a amargosa Gueroba, como o povo goiano chama o palmito Guariroba. No entanto, numa iniciativa de empresários inspirados e visionários, lá está o Ateliê do Grão, cafeteria que reune como pioneira no Brasil e América do Sul equipamentos high end como a máquina de espresso Slayer e o moinho Versalab.

Além dessa dupla dinâmica, a seleção de cafés de excelente qualidade e um serviço de alto nível tem atraído Coffee LoversCoffee Geeks e personalidades do café não só do Brasil, mas, também, do exterior!

Vale a pena conhecer essa casa, até como um programa de final de semana, para fugir do trânsito e loucura de outras grandes cidades.

Educação e treinamento é a principal alavanca para o crescimento e maturação do mercado. São dois tempos distintos, na realidade: o crescimento tem relação com o desenvolvimento sócio-econômico e atividades promocionais, porém a maturação começa quando a legião de consumidores passa a deter maior conhecimento sobre o assunto.

Lucca Cafés Especiais, de Curitiba, PR, tem o primeiro centro de treinamento fora do eixo São Paulo-Rio de Janeiro, idealizado pela Georgia de Souza. Conheci a Georgia em 2.000, quando atuava na área de comércio de café cru, e fiquei fã de sua mão para preparar muito boas pastas em nossas viagens internacionais. Obstinada e tenaz, logo depois começou as operações da Lucca, torrando garimpados em concursos de qualidade, formando, também, um geração de baristas e profissionais do café como poucos!Além do talentoso  Otávio Linhares, barista premiado em 2005, Georgia revelou em sua própria casa a Carolinade Souza ou simplesmente Carol, sua filha, que é a primeira a vencer por duas vezes seguidas o Campeonato Brasileiro de Cup Tasters. Emocionante foi presenciar a caçula entre os degustadores, alguns tarimbadíssimos, mostrando suas habilidades sensoriais de rapidíssimas respostas! Com isso carimbou seu visto no passaporte para competir no Mundial em Maastrich, Holanda.

Porém, ficou com o pupilo Felipe Lukasievicz a grande e consagradora vitória da Lucca. Felipe já havia se sagrado campeão de Lattè Art em 2010, sendo um dos fortes competidores no Brasileiro de 2011. Mais maduro, sua apresentação foi impecável, valendo o bicampeonato no Lattè Art para ele. Mas, ao vencer competidores de ponta como Bruno Ferreira, Cecília Sanada e a campeoníssima Yara Castanho, Felipe conseguiu um feito inédito ao unir os dois títulos. Representará o Brasil nas duas competições mundiais, o de Barista em Bogotá, Colombia, e o de Lattè Art em Maastrich, Holanda.

Pois é, ao juntar profissionais talentosos e aplicar rigoroso treinamento, sempre sob exigência de excelência típica de sua pessoa, Georgia demonstrou como é saudável ter novos polos, saindo do Eixo…

Isso é ótimo para o mercado! Isso é ótimo para o Brasil!

Porque o café é uma fruta! – 2: A torra

Thiago Sousa

Frutos maduros, frutos colhidos e secos. Descansados, beneficiados e selecionados. A etapa da Porteira para Dentro está encerrada e temos, agora, os Grãos Crus (na verdade, Sementes!) que seguem para a etapa de industrialização.

O café tem muito mais em comum, em se falando de processos industriais e partes botânicas utilizadas, com o cacau e chocolate do que com as uva e vinho. Da uva o que se quer é sua polpa para ser cuidadosamente fermentada e, assim, se obter finíssimos vinhos. As sementes tem de ser retiradas para não interferirem com o típico sabor amargo vegetal. Já do fruto do cacaueiro são as suas sementes procuradas para, depois de secas e tratadas, serem torradas para se chegar ao sempre apaixonante chocolate. Aliás, chocolate e café são tão próximos que suas principais substâncias são assemelhadas, respectivamente, theobromina e cafeína.  Na verdade, a theobromina (do grego theo = deuses, bromos = alimento) é uma molécula que dá origem à cafeína, por isso seus efeitos de prazer nas pessoas são tão semelhantes!

Para a indústria de torrefação, o grão cru é a matéria prima. Portanto, quanto melhor for a matéria prima, tanto melhor poderá ser o produto industrializado. É por isso que existe uma relação direta entre a qualidade da matéria prima, qualidade esta definida pela Pureza e Uniformidade, e o seu preço. Lembre-se que Pureza significa que o lote de café não tem impurezas como cascas, pedras e paus, além contaminações e grãos que sofreram fermentações indesejáveis. Já o conceito de Uniformidade pressupõe que os grãos sejam de frutos colhidos em pontos de maturação bastante próximos, preferencialmente plenamente maduros, conhecidos como Cerejas por lembrar essa saborosa fruta avermelhada como rubi.

1101_CafeFruta2_quakers.JPG

Lotes de café pouco uniformes, contendo, por exemplo, grãos não maduros (ou Imaturos) vão originar probleminhas que afetarão a bebida na xícara. Comentei no primeiro post desta série que o cafeicultor tem como desafio procurar colher o máximo de frutos maduros, frutos estes que possuem o teor completo de açúcares previsto. Frutos plenamente maduros são doces e suas sementes perfeitas (é esta a razão porque as sementes são preparadas a partir de frutos nesse estágio!), com todo o açúcar que é de direito!

Caso o fruto colhido ainda não tenha chegado naquele ponto, substâncias que provocam adstringência, que é a sensação de “pega” como quando se come uma banana verde, se sobrepõem sobre a menor quantidade de açúcares formada. Para se ter idéia, para sabores desagradavelmente amargos e adstringentes somos quase 10.000 vezes mais sensíveis que em relação ao sabor doce!

Na foto acima, os grãos maduros estão separados dos imaturos (em menor quantidade), cuja cor mais clara os denunciam! Se você quebrar um desses grãos junto ao nariz, perceberá notas aromáticas lembrando a capim cortado.

O processo de torra envolve um grande número de reações químicas e bioquímicas estimuladas pelo calor. É bastante razoável pensar que o tipo de fonte de calor, bem como a forma como ele chega às sementes, sua intensidade e a delicada relação que tem de manter com o ar são decisivos para um resultado satisfatório. É ciência e arte combinadas, pois além do domínio técnico e um bom equipamento, o Mestre de Torra tem de ter sensibilidade para perceber as sutis transformações que a semente sofre a cada instante na linha do tempo de torra.

Durante a torra, a partir daquela que denominamos de Fase das Reações de Maillard, quando aquelas numerosas reações acontecem, quebrando e formando moléculas, os aromas e sabores começam a surgir magicamente!

A Roda de Aromas e Sabores da SCAA – Specialty Coffee Association of America, reproduzida parcialmente ao lado,  para fins didáticos, mostra alguns dos aromas e sabores mais comuns obtidos nessa etapa. Por exigirem menor quantidade de energia, moléculas das classes Aldeídos e Cetonassão formadas inicialmente, originando notas de aroma como nozes e amendoim.

Em seguida, envolvendo mais energia para as suas reações, são formados compostos Heterocíclicos, alguns sulfurosos, que fazem aflorar aromas como caramelo. Por fim, com o maior número de reações pirolíticas, que envolvem um aumento notável da quantidade de energia do sistema, formam-se compostos como Pirazinas, que geram aromas mais profundos como o chocolate e especiarias.

A Arte da Torra está no refinado controle dessas variáveis, em saber fazer com que notas de aroma e sabor que potencialmente estão nas sementes de um lote de café possam ser magistralmente formadas. É claro que a máquina ajuda, mas o piloto é a peça fundamental. Porém, sem um bom combustível, no caso um lote de café de alta qualidade, dificilmente se chega ao final de um rally…

Caçadores de café – Projeto #1: A campo no Chapadão de Ferro

Thiago Sousa

O Projeto #1 do Curso para Caçadores de Café foi desenhado para que duas origens em latitudes aproximadas pudessem ser comparadas quanto ao efeito do terroir nos cafeeiros, saindo da Serra do Caparaó, a 20° Sul, para ter sequência no Chapadão de Ferro a 18° Sul.

Retomamos a tortuosa BR 262 até Belo Horizonte, onde, no Aeroporto da Pampulha, tomamos o vôo para Patos de Minas, no Cerrado Mineiro. Ao desembarcarmos, todos puderam sentir a impressionante variação de clima, agora bastante seco.

Paisagens montanhosas e de formas muitas vezes surpreendentes ficaram para trás, enquanto que terrenos amplos e planos, onde a linha do Horizonte fica muito distante, se colocam como composição visual predominante nesta fase.

As lavouras visitadas no Alto Caparaó, Alto Jequitibá e Manhumirim variaram desde os 700 m de altitude até impressionantes 1300 m. Porém, o Planalto Central, que estende seus domínios até o conhecido Triângulo Mineiro, reserva suas surpresas. E o Chapadão de Ferro é, sem dúvida, um de seus exemplares mais incríveis!

Imagine um quase perfeito círculo que se eleva a mais de 350 metros (em sua borda) em relação ao resto do local. Adicione elevados teores de minerais em seu solo e o fato de que esta área é considerada de alto risco para sobrevôo pelos órgãos de segurança do Ministério da Aeronáutica  num terreno praticamente plano com 1.250 m de altitude. É de tirar o fôlego, literalmente!

A elevação da borda cria outro fenômeno de alto impacto nas lavouras dentro do Chapadão: algo como 40 minutos a menos de insolação por dia!

Isso mesmo. Afinal, para que as plantas possam realizar sua fotossíntese, é necessária luz direta para que a clorofila possa trabalhar. Da mesma forma, esse tempo a menos de insolação diária promove uma sensível diferença para menos das temperaturas, em geral de 3°C em relação à cidade de Patrocínio e suas imediações.

Portanto, no Chapadão as lavouras, de modo geral, tem um ciclo de maturação de seus frutos muito mais longo do que nas áreas externas ao seu perímetro, que combinado com as características muito minerais do solo fazem surgir cafés com bebida de alta complexidade, típicas de regiões vulcânicas espalhadas ao redor do mundo cafeeiro.

O formato circular de seu interior faz com que algumas propriedades tenham maior ou menor privilégio quanto à insolação, o que dá o toque especial aos aspectos geográficos. Em particular a Fazenda Chapadão de Ferro, de Ruvaldo Delarisse, possui localização particularmente excepcional, pois suas lavouras recebem luz na medida certa, que pode ser observado na excelente homogeneidade de seus ramos e folhas em ambos os lados das linhas de cafeeiros!

Outra propriedade privilegiada quanto às suas características geoclimáticas é a Fazenda Serra Negra, de Pedro Rossi. Alinhada com a fazenda de Ruvaldo e localizada distante 10 km do perímetro do Chapadão e altitude de 1.150 m, suas lavouras tem produzido cafés com interessante perfil de açúcares, que confere grande doçura e corpo, além de grande acidez.

Alguns lotes de café foram selecionados para que os novos Caçadores de Café possam realizar os testes de torra na etapa EM LABORATÓRIO, que será em São Paulo, SP.

Será o momento de comprovar todas as teorias e percepções quanto à qualidade desses lotes, influenciados pelas diferentes condições geoclimáticas, botânicas e de tecnologia.

Café: Cada vez mais amado!

Thiago Sousa

O que torna algo mais amado é o fato de ser cada vez melhor conhecido, principalmente quanto a tudo de bom que pode oferecer.

Nos últimos tempos no Brasil o café vem ocupando grande espaço na mídia, porém muito diferente do que tradicionalmente acontecia, passando a ocupar espaço em cadernos e revistas Gastronomia eBebidas. Ainda no final da década de 90, abordagens como qualidade e iniciativas de algumas indústrias de torrefação eram tratadas apenas nas sizudas páginas dos cadernos de Economia & Negócios. Naturalmente, produção e preços do grão verde ainda figuram nestas seções, pois facilita o acesso aos produtores.

Para o consumidor, café é bebida e ponto final. Mas compreender como é produzido, selecionado e industrializado antes de chegar à nossa xícara de cada dia, tornou-se alvo da curiosidade de muitos consumidores.

Quanto mais gente bem informada, mais exigente será e, portanto, ajuda a aprimorar o mercado com seus produtos e serviços.

Num “toque” dado pelo Companheiro de Viagem Aluizio Amorim, de Floripa, SC, passo para vocês o link da reportagem Mais Que Um Cafezinho, feita pela revista Época que circula nesta semana. Mais do que a reportagem em si, o excepcional e deslumbrante infográfico tornou as informações muito acessíveis ao leitor.

Vale a pena ver!

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI129261-17445,00-BEM%20MAIS%20QUE%20UM%20CAFEZINHO.html

Cafeteria: Bikkini Barista, Santos, SP

Thiago Sousa

Para onde vai o mercado de cafeterias?

Pois é, o mercado consumidor de café vem ganhando novos contornos numa velocidade que está deixando muita gente experiente de queixo caído. Na verdade, na minha opinião, o que se passa é que uma nova geração de empreendedores está tomando a direção dos negócios, justamente uma geração que aprendeu e conviveu com novos códigos e ferramentas como a internet, Google, Twitter, Orkut, MSN, celulares, torpedos e etecetera e tal.

E, é natural, muitos dos experientes acabam por não acompanhar todas as inovações que acabam literalmente caindo no colo.

O Bikkini Barista, um delicioso blend de  cafeteria, restaurante, lounge, bar e espaço de eventos, é uma dessas propostas multimidiáticas e, certamente, uma das mais ousadas que surgiram no Brasil.

Imagine um local, apesar de um importante centro comercial de Cafés do Brasil, que vinha convivendo com tecnologia de ponta de informação, alguns dos mais belos laboratórios de avaliação de café e uma certa degradação. Apesar da longa história que o Centro Velho de Santos tem, toda formada pelo café, os ares, flora e fauna acabam por muitas vezes não resistir ao tempo.

Um grande esforço de revitalização, capitaneado por um grupo de empresários ligados ao café, teve início há alguns anos atrás, inicialmente com  a reforma do Museu do Café de Santos, onde funcionava originalmente a Bolsa de Café, hoje local obrigatório para visitação e que comentarei num próximo post.

Porém, esta seria apenas uma ação isolada. Com o tempo, além da repaginação de diversos restaurantes no chamadoMeião do Centro, que tem como referência as famosíssimasRuas XV de Novembro e do Comércio, locais para o agito das noites começaram a pipocar. E o Bikkini Barista seguiu essa onda…

Concebido pelo pessoal do Clã Wolthers, tradicionais comerciantes de café que tem hoje o Rasmus à frente, o Bikkini Barista, na Rua XV de Novembro, é uma fusão de conceitos, tendências e serviços, num antigo prédio de 4 andares.

Uma Cafeteria, primorosa, diga-se de passagem, no térreo.  Com cafés selecionados por amigos especialistas como o sempre Mestre Davi Pinto, posando junto às escadas na foto acima, e o Edgard Gomes.

Seguindo tendência internacional, conta com o que existe de melhor: máquina de espresso La Marzocco, bem como moinhoMahlkönig.

Excelentes cafés devem ser extraídos por mãos treinadas e olhos e ouvidos sensíveis. Sim, uma barista de primeira linha, apesar de jovem, estava a me tirar os espressos: a bela Martha. Lembrem-se deste nome, pois ainda será foco de muitas luzes…

A lógica da seleção de cafés é muito simples: apenas excelentes micro lotes de cafés. Segundo o Edgard a idéia é a de não ter umblend da casa que seja único, mas que a diversidade seja a marca registrada. Bacana, não: é o conceito de “excelente e eterno enquanto dure…”

O café que experimentei e que está sendo oferecido desde a inauguração é um Bourbon Amarelo da região de São Sebastião da Grama. Simplesmente perfeito: notas aromáticas incrivelmente florais com leve fundo de baunilha, grandiosa acidez adocicada e um sabor de grande complexidade. Repeti mais 2 vezes!

É claro que a torra tem de ser primorosa para que todas a riqueza de aromas e sabores possa ser mostrada. Foi uma feliz surpresa ao ver o resultado do minucioso trabalho genuinamente germânico doCompanheiro de Viagem Paul Germscheid como Mestre de Torra. Não existe milagre, gente: tem de ter um bom equipamento para torrar café, profundo conhecimento das técnicas de torra, treinamento e experiência, para poder extrair as mais belas notas de um grão de café.

Se você imaginar os grãos de café como uma partitura, sua leitura é feita pelos juízes de café e mestres de torra, para terem sua interpretação final pelos baristas.

Observe nesta foto a síntese do que acabo de comentar!

O terceiro andar é onde fica o Lounge do Bikkini, com um painel de LEDs que é simplesmente estonteante! 500 pessoas tem marcado presença nas noites em que está aberto, sem falar de outro tanto que fica do lado de fora do prédio aguardando uma oportunidade para entrar.

O restaurante fica no segundo andar e que já está sendo bem freqüentado pelo pessoal das empresas de café no almoço. A estratégia de marketing viral para preparar o público para o lançamento da casa merece um post também, pois é o que está fazendo do Bikkini um grande tsunami de sucesso. Vale a pena conhecer!

Cada Safra tem sua própria História…

Thiago Sousa

Você sabe dizer onde está a grande “graça” do mercado de café?

É o fato de que nenhuma safra se repete!

Na verdade, como todo produto agrícola, o café é resultado de uma grandiosa soma de atividades executadas pelo homem como a adubação e colheita, além de inúmeras outras ações da Natureza como chuvas e períodos de estiagem.Parece algo muito inusitado?

Os grãozinhos que vão se transformar em deliciosas bebidas em todo o mundo tem um curso natural de sua história, que começa com a florada, seguindo-se o vingamento das frutinhas até o momento de sua colheita, que deve ser feita preferencialmente quando estiverem perfeitamente maduros.

Como um autêntico produto de Terroir, palavra de origem francesa que significa extensão territorial e as influências que o clima, solo e o toque humano podem influenciar nas características sensoriais de um produto, os grãos são muito sensíveis às variações climáticas, por exemplo. A safra brasileira de 2009 sofreu bastante com as quase initerruptas chuvas. O ideal é que o tempo de colheita, que coincide com o final do outono e o final do inverno, seja seco e com temperaturas, no mínimo, amenas.

Os principais fundamentos para se definir o que é qualidade dos grãos de café, dentro de uma visão técnica, são dois: Pureza e Uniformidade.O mercado de café trabalha com 3 segmentos muitos bem definidos, a partir da qualidade dos grãos empregados: Cafés Especiais ou Gourmet, Cafés Superiores ou de Boa Qualidade e cafés, digamos, de preços mais competitivos. (Sobre a questão da qualidade dos grãos, comentarei num outro post.)

O conceito de Pureza significa que não deve existir nenhum intruso que tenha furtivamente se juntado aos grãos de café como paus, pedrinhas, cascas ou cevada, milho, e outros “maus elementos”. Da mesma forma, espera-se que grãos que tiveram problemas com fermentações indesejáveis estejam nesta lista de “excluídos”…

A Uniformidade leva a imaginar que os grãos, após uma rigorosa seleção que chega a envolver 3 diferentes processos, são bastante parecidos entre si, seja em tamanho, formato, densidade, teor de umidade interna e, principalmente, ponto de maturação. É, realmente é bastante difícil preparar lotes de cafés especiais, aqueles de mais elevado padrão de qualidade.

Assim, conforme a Uniformidade começa a diminuir, a qualidade global da bebida cai igualmente.

Um dos aspectos mais interessantes é a sutil mudança que é possível perceber nas notas de aroma e sabor, principalmente quando se tem lotes de café de mais elevada qualidade. É que quando se tem maior Pureza e Uniformidade, perceber esse mosaico de sabores é facilitado para o paladar das pessoas.

Mas, não se preocupe caso você não consiga perceber notas de aroma ou sabor que parecem tão claras para outras pessoas. Cada um de nós é diferente, alguns mais “nariz”, outros mais “boca”, outros, ainda, “boca e nariz”, além do que isso faz parte de um treinamento contínuo. Dedilhar num teclado de computador fica mais fácil à medida que você pratica todos os dias…

Além disso, esclarecer o consumidor, compartilhar conhecimento e experiências faz com que mais pessoas possam consumir e apreciar melhor o café.

Por isso considero o trabalho educativo desenvolvido pelo Ritual Coffee Roasters de San Francisco, CA, um grande modelo: há um primoroso texto explicando “porque o café do Brasil que bebi nos últimos 6 meses está diferente agora…”

Explicar sobre a não repetibilidade das safras, que alterações climáticas podem fazer com que grãos colhidos numa mesma gleba de uma mesma fazenda acabem por beber sempre diferente, muitas vezes sutilmente diferente, mas… diferente, é transmitir o precioso conhecimento de que a “graça” do café é que podemos esperar sempre passar por uma experiência diferente a cada ano!

Portanto, não se preocupe se o sabor de seu café predileto mudou de uma safra para outra. Apenas experimente e busque identificar o que de bom pode ser encontrado na bebida.

Excelentes xícaras!

Selecionar é o segredo!

Thiago Sousa

A colheita de café no Brasil já está entrando em sua fase final. É o fechamento de um longo processo na lavoura, mas que para o nosso grãozinho predileto ainda tem muito a percorrer.

Já comentei que colher os grãos em sua fase totalmente madura é o ideal, pois como toda fruta o máximo de açúcar está em suas sementes, que depois de torradas e moídas nos levarão a verdadeiras viagens sensoriais.

Nesta foto procurei colocar as principais fases do desenvolvimento do grão de café depois de sua florada e “pegamento”.

Começando pela parte inferior direita e indo no sentido horário, é possível ver a fase chamada de verde, verde cana, cereja e passa. Ficou um belo arranjo, não?

Olhando com atenção, os grãos plenamente maduros estão no centro da parte superior. É quando tem tudo de bom!

Ao seu lado esquerdo estão os grãos que aparentemente estão maduros, porém é possível observar que onde fica o pedúnculo que prende o grão à planta está bem mais claro, alguns verdes ainda. Sinal de que ainda não está totalmente maduro. É como pegar jabuticabas no pé para saborear… As melhores são aquelas bem pretinhas. Doces e perfumadas. Se o seu pedúnculo estiver um pouco verde, é porque vai dar a sensação de boca ressecada pela adstringência, que é uma sensação incômoda.

Na parte superior direita estão grãos passa. Dependendo da região, onde o ar é mais seco durante a estação de colheita, produz bebidas muito interessantes; no entanto, se o “passa” estiver num local onde a umidade do ar é muito alta ou sujeita a chuvas, o resultado é desastroso… gera a terrível bebida Riada e Rio, que tem gosto medicinal, como creosol, um poderoso desinfetante.

Depois de secos, os grãos devem passar por um processo de seleção para eliminar os grãos indesejáveis, como imaturos e com fermentações ruins. Existem dois sistemas: utilizando sistema de seleção por leitura eletrônica e a catação manual.

Nesta foto vemos uma selecionadora eletrônica, que funciona com feixes de luz e sensores que fazem a leitura das cores refletidas. Se o grão de café estiver com problemas, sua cor normalmente está alterada e, pimba!, é retirada por um jato de ar comprimido. É um processo que sempre incorpora novas tecnologias; atualmente algumas máquinas possuem programas que conseguem ler mais de 250.000 cores diferentes, outras que “enxergam” no espectro infra-vermelho, outras no ultravioleta.

Mas, nos países da América Central e África, devido ainda aos custos mais baixos de mão-de-obra que no Brasil, por exemplo, é muito comum vermos em operação o chamado Tapete Rolante, que é uma longa esteira onde pessoas treinadas identificam e retiram manualmente os grãos defeituosos. No Brasil podem ser encontrados em algumas fazendas, mas apenas para demonstração e efeito visual, pois é uma operação de custo altíssimo.

Veja neste pequeno vídeo que fiz em Antigua, Guatemala: