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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

HISTORIA

Filtering by Tag: Cafés do Brasil

Sobre os desafios da produção de café – 3

Thiago Sousa

O ano de 1991, em meio a mais uma grave crise de preços, uma torrefação italiana comandada por visionário e simpático químico, Ernesto Illy, dava início a um projeto que foi o estopim de uma revolução pela qualidade sensorial: estabelecer um polpudo diferencial nos preços pagos a excelentes lotes de cafés.

Foi o princípio da Era dos Concursos de Qualidade de Café.

A italiana illycaffè se tornou uma referência entre os cafeicultores de torrefação que reconhecia o esforço em produzir cafés de alta qualidade através de preços diferenciados (por exemplo, em 1991, enquanto que em média a saca de café fino no mercado commoditie recebia US$ 40, a illy pagava US$ 90, numa verdadeira prática deFair Trade – Comércio Justo). Foi ela também que inaugurou no Brasil o modelo de Compra Direta (Direct Trade), quando pessoalmente Dr. Ernesto, como era carinhosamente tratado, juntamente com sua troupe visitava as fazendas para conhecer como trabalhava e vivia cada fornecedor de café para sua torrefação.

Durante os primeiros anos do hoje tradicional Concurso Illy de Qualidade de Café para Espresso, uma região se destacou, chegando a ter 10 cafeicultores entre os 10 primeiros colocados!

Era o Cerrado Mineiro, que despertou a curiosidade do Dr. Ernesto para compreender o porquê da região produzir uma profusão de excelentes cafés. Latitude mais baixa do que o restante das origens produtoras brasileiras e um inverno impecavelmente seco era a fórmula que a Natureza se encarregou de apresentar. Os cafés Naturais, secos com a casca, passavam por uma secagem cuidadosamente lenta, além do fato dos frutos terem sido colhidos maduros. Simples assim…

Mas, o final dessa incrível década de 1990 apresentou uma tecnologia que iria modificar definitivamente a forma de se secar café no Brasil: o descascamento mecânico.

No Sul de Minas, em meio a paisagem dominada por cafezais em morros sem fim de Ouro Fino, um dos grandes pesquisadores de café, José Peres Romero, testava o sistema clássico de secagem das sementes (ah, lembre-se que do fruto do cafeeiro se quer apenas as sementes para se preparar uma incrível bebida!)  para a grande escala.

O princípio do chamado CD – Cereja Descascado se baseia na retirada da casca externa do fruto Maduro (conhecido por Cereja), após a passagem pelo lavador, onde é separado dos outros em diferentes estágios de maturação, como Verdes e Passas. Isso é fundamental porque a semente germina somente quando está fora da casca externa; por outro lado, se rapidamente ficar com baixa umidade em seu interior (abaixo dos 12%) sua germinação é suspensa.

Os terreiros passaram a mudar sua coloração durante o período de colheita, pois sementes apenas cobertas pela casca interna, conhecida por Pergaminho, davam um tom claro ante o quase negro dos Naturais.

Origens de Cafés do Brasil mais próximas ao Oceano Atlântico sofrem com a alta umidade relativa do ar, daí secar as sementes colhidas do cafeeiro mais rapidamente e, além disso, usando uma área menor de terreiro, só poderia ser uma maravilha!

Com a popularização dos equipamentos de descascamento de café, verificou-se que havia, a princípio, um ganho significativo na qualidade média das sementes porque esse método de Pós Colheita tende a uniformizar os lotes pela perspectiva do ponto de maturação.

Descascar os frutos cerejas trouxe uma mudança radical nos resultados dos Concursos de Qualidade de Café no Brasil, que proliferaram endemicamente por todas as regiões produtoras. Por exemplo, oCup of Excellence, coordenado pela BSCA – Associação Brasileira de Cafés Especiais, já no início dos anos 2.000 tinha 10 lotes de cafés CD entre os 10 primeiros colocados, que passaram a ser disputados avidamente por pequenas torrefações Premium mundo afora.

Então, o CD “matou” o Natural…

Rei Morto, Rei Posto

Cup Shock: Cafés do Brasil são surpreendentes!

Thiago Sousa

Você já assistiu ao filme Bottle Shock, que no Brasil saiu com o nome de O Julgamento de Paris?

Lançado em 2010, este belo filme dirigido por Randall Miller conta a impensável história de um sommelier britânico radicado em Paris que resolve agitar o mundo dos vinhos ao viajar à América em busca de novos sabores e emoções.

Em 1976, Steven Spurrier, personificado pelo sempre impecável Alan Rickman, segue para o Napa Valley, CA, USA, para conhecer as vinícolas da primeira origem do que seria conhecido como Novo Mundo num puro projeto de garimpagem. Encontra a família Barrett, proprietária do hoje místico Chateau Montelena, e com o jovem Bo, vivido por Chris Pine, e seus inseparáveis amigos Gustavo (Freddy Rodriguez), um filho de imigrantes mexicanos e enólogo autodidata, e a bela Sam (Rachel Taylor), andam por toda a região.

Feita a seleção das melhores garrafas, Steven retornou a Paris, onde organizou o que seria a mais famosa degustação comparativa entre vinhos dos dois mundos: oClássico Francês versus o Caipira Californiano.

Grandes enólogos e sommeliers, acompanhados avidamente por importantes jornalistas, provaram às cegas e deram o seu veredito. E que acabou surpreendendo aos próprios juízes!

Belíssima fotografia, grandes elenco e uma trilha sonora embalada por deliciosas canções do The Doobie Brothers. Veja o trailer oficial através do link abaixo:

Bottle Shock Movie Trailer

Há uma grande mensagem passada por este filmee que se presta muito bem aos cafeicultores do Brasil: assim como os vitivinicultores californianos, considerados rudes pelos franceses, muitos lotes simplesmente fantásticos tem sido produzidos em nosso país desde sempre!

 Alguns paralelos podem ser feitos com o nosso povo do café e os produtores de vinho do filme: há uma busca incessante em buscar o melhor na produção, apesar do certo ceticismo em relação à qualidade do que se produz.

Isto acontece com muita frequência por aqui, pois raros são os produtores que decidiram conhecer a fundo o que estão produzindo.

Nossos cafeicultores são competentes ao fazer as árvores produzirem frutos aos borbotões, mas cometem falhas que se mostram fatais no quesito qualidade no momento da colheita e da secagem. Quando, muitas vezes apenas guiados pela intuição ou por pura sorte conseguem ultrapassar essa fase, esbarram numa comercialização que em geral se parece como impenetráveis muralhas.

Pessoas como o personagem Gustavo, que procurou estudar a fundo a bebida, sua produção, conceitos técnicos e, principalmente, aprender a degustar, devem se multiplicar também na cafeicultura. No caso do café, nem sempre o tamanho das sementes, conhecido como “peneira”,  é sinal de que o lote tem excelente bebida. Portanto, aprender a degustar e saber como o seu café bebe é parte do ofício do novo cafeicultor.

Conhecimento é o que define o domínio do jogo comercial.

Quando o nível de conhecimento é semelhante, existe equilíbrio e, em geral, a comercialização segue um rumo saudável. Quando o desequilíbrio acontece, quase sempre pendendo para o lado de quem compra, o saldo pode ser amargo para o produtor.

Não há outra saída: aprender, treinar e, assim, conhecer cada lote de café produzido. Degustar é manter diálogo com a bebida, conhecer seus deliciosos segredos ou mesmo seus defeitos e problemas que podem macular o lote. Só assim o cafeicultor pode realmente chamar cada lote de “seu filhote”!

Se você assistiu ao filme, vai entender porque o Cup Shock ( ou o Choque das Xícaras!) chegou aosCafés do Brasil: veja nesta foto a tabela de preços de cafés de uma cafeteria referência em Portland, OR. Sim, é justamente um café brasileiro o mais caro da lista entre tantos outros mais famosos!

E que seus aromas e sabores justificaram plenamente o seu valor, reconhecidos por Mr. Spurriers do Café de diversos países!

Versões divertidas da história do café

Thiago Sousa

Existem diversas formas de contar a História do Café, algumas sisudas como são as teses acadêmicas, outras leves como romances e por aí afora.

No entanto, uma das formas mais cativantes tem sido os vídeos. E o grande desafio é o de condensar séculos de informação em poucos minutos, em linguagem fácil e ritmo que seja tão apaixonante quanto uma bela xícara de café.

Selecionei alguns dos meus favoritos, que gostaria de compartilhar com vocês.

O primeiro, A HISTÓRIA DO CAFÉ, comenta da sua origem até a chegada no Brasil, com muitos detalhes históricos. Com direção de Thiago Alves e roteiro de Luan Barros, este filme é uma preciosidade.

O próximo, THE PRODUCTION TRAIL OF COFFEE, uma criativa montagem de Tim Whalem, aborda os processos de secagem e de torra do café.

OK, existem alguns problemas conceituais, mas a idéia do filme é muito boa!

Finalmente, veja o institucional PORQUE CAFÉ, com a missão de ajudar na promoção dos Cafés do Brasil, tem um texto e interpretação divertidíssimos! Aborda a história, produção e consumo, além de mostrar os números que envolvem o café. Foi uma excelente “dica” do Companheiro de Viagem Marco De la Roche.

Vale o Shot!!!

True stories from coffee people: Gente do café – 3

Thiago Sousa

A estória real que gostaria de contar é sobre os esforços que algumas pessoas fazem para manterem viva a memória do café em nosso país.

Companheiro de Viagem Luiz Roberto Saldanha Rodrigues formou-se me agronomia pela tradicionalíssima Escola Luiz de Queiroz, USP de Piracicaba, uma das mais tradicionais escolas dessa natureza do Brasil. Ainda nos bancos da faculdade conheceu a bela Flávia Garcia Jacob que, como imãs, jamais se separaram desde então.

Viveram no Mato Grosso, cuidando de um propriedade onde se criava gado de corte. No entanto, havia uma idéia fixa por parte de Luiz, que havia conhecido a legendária Fazenda Califórnia, que fica em Jacarezinho, Norte Pioneiro do Paraná, próximo à divisa com o Estado de São Paulo por Ourinhos.

Depois de uma longa negociação, a Fazenda passou às mãos de sua família em meados da década de 2.000, iniciando, então, um minucioso trabalho de recuperação da vasta documentação histórica dessa impressionante propriedade.

No início do século passado, quando o Brasil já mantinha por décadas o posto de maior produtor mundial de café, desbancando a Indonésia e sua mítica Sumatra, muitas casas de comércio internacional vieram para cá, formando base de negócios.

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Naquela época, o governo brasileiro permitia que a exportação de café fosse feita apenas por empresas que tivessem mantivessem a atividade agrícola também. Esta foi a razão pela qual o grande empreendedor norte-americano Leon Israel adquiriu terras em Jacarezinho e instalou a Fazenda Califórnia, há mais de 80 anos atrás. Toda a estrutura da fazenda foi elaborada por professores da Univerdade da California, cujos documentos estão cuidadosamente expostos no escritório da fazenda.

Em 1948 a fazenda já possuia 800 ha de café (pasmem!), uma enormidade ainda hoje, conduzidos com tecnologia que impressiona. Imagine tijolos fabricados no local, com excepcional capacidade térmica, compondo um grandioso terreiro com longos dutos de água por onde os grãos de café escorrem para serem distribuidos em diferentes pontos. Ou um mapeamento do solo datado de 1948 que identificava perfeitamente aptidão em cada fração da fazenda, reproduzido na foto ao alto!

A casa exportadora de Leon Israel chegou a exportar, ainda na década de 50 algo como 5 milhões de sacas de café cru. Para se ter idéia de dimensão desse número basta dizer que a Guatemala produz em média 4 milhões de sacas de café anualmente.

O grande mérito do Luiz e da Flávia é o de cuidarem com carinho especial todo esse acervo histórico, recuperando, inclusive peças como um completo consultório odontológico, uma central telefônica que funcionava perfeitamente na década de 40 ou mesmo o belíssimo torrador de 6 kg da Royal de mais de 100 anos atrás.

Preservar a memória histórica permite que possamos compreender melhor o que e como fazemos as coisas hoje, além de nos dar pistas de como podemos ainda evoluir.

Certamente existem outros abnegados Luizes e Flávias Brasil afora, cuidando, recuperando e participando à comunidade parte da rica história do café em nosso país. Porém, para este registro ficam estes dois como parte desta estória real…

True stories from coffee people: Gente do café – 3

Thiago Sousa

A estória real que gostaria de contar é sobre os esforços que algumas pessoas fazem para manterem viva a memória do café em nosso país.

O Companheiro de Viagem Luiz Roberto Saldanha Rodrigues formou-se me agronomia pela tradicionalíssima Escola Luiz de Queiroz, USP de Piracicaba, uma das mais tradicionais escolas dessa natureza do Brasil. Ainda nos bancos da faculdade conheceu a bela Flávia Garcia Jacob que, como imãs, jamais se separaram desde então.

Viveram no Mato Grosso, cuidando de um propriedade onde se criava gado de corte. No entanto, havia uma idéia fixa por parte de Luiz, que havia conhecido a legendária Fazenda Califórnia, que fica em Jacarezinho, Norte Pioneiro do Paraná, próximo à divisa com o Estado de São Paulo por Ourinhos.

Depois de uma longa negociação, a Fazenda passou às mãos de sua família em meados da década de 2.000, iniciando, então, um minucioso trabalho de recuperação da vasta documentação histórica dessa impressionante propriedade.

No início do século passado, quando o Brasil já mantinha por décadas o posto de maior produtor mundial de café, desbancando a Indonésia e sua mítica Sumatra, muitas casas de comércio internacional vieram para cá, formando base de negócios.

Naquela época, o governo brasileiro permitia que a exportação de café fosse feita apenas por empresas que tivessem mantivessem a atividade agrícola também. Esta foi a razão pela qual o grande empreendedor norte-americano Leon Israel adquiriu terras em Jacarezinho e instalou a Fazenda Califórnia, há mais de 80 anos atrás. Toda a estrutura da fazenda foi elaborada por professores da Univerdade da California, cujos documentos estão cuidadosamente expostos no escritório da fazenda.

Em 1948 a fazenda já possuia 800 ha de café (pasmem!), uma enormidade ainda hoje, conduzidos com tecnologia que impressiona. Imagine tijolos fabricados no local, com excepcional capacidade térmica, compondo um grandioso terreiro com longos dutos de água por onde os grãos de café escorrem para serem distribuidos em diferentes pontos. Ou um mapeamento do solo datado de 1948 que identificava perfeitamente aptidão em cada fração da fazenda, reproduzido na foto ao alto!

A casa exportadora de Leon Israel chegou a exportar, ainda na década de 50 algo como 5 milhões de sacas de café cru. Para se ter idéia de dimensão desse número basta dizer que a Guatemala produz em média 4 milhões de sacas de café anualmente.

O grande mérito do Luiz e da Flávia é o de cuidarem com carinho especial todo esse acervo histórico, recuperando, inclusive peças como um completo consultório odontológico, uma central telefônica que funcionava perfeitamente na década de 40 ou mesmo o belíssimo torrador de 6 kg da Royal de mais de 100 anos atrás.

Preservar a memória histórica permite que possamos compreender melhor o que e como fazemos as coisas hoje, além de nos dar pistas de como podemos ainda evoluir.

Certamente existem outros abnegados Luizes e Flávias Brasil afora, cuidando, recuperando e participando à comunidade parte da rica história do café em nosso país. Porém, para este registro ficam estes dois como parte desta estória real…

Um novo mercado de café no Chile

Thiago Sousa

O Chile vem experimentando um impressionante momento econômico, que pode ser perfeitamente captado pelas inúmeras construções e expansão dos diversos tipos de negócios.

Aproveitei para visitar as cafeterias chilenas em Santiago depois de quase 2 anos depois de minha última viagem.

A evolução nesse tempo foi muito grande.

Anteriormente, a não ser pelas já instaladas 11 lojas da Starbucks e uma ou outra loja pequena, o que havia era modelos definidos pelas duas maiores redes do país, Café Caribe e Café Haiti, ao estilo “Café y Piernas”.

OK, as máquinas Gaggia e Cimbali de 4 grupos, sempre douradas, impressionam, pois cada casa tem no mínimo 3 dessas, o que nos dá uma idéia do que o pessoal gosta de café…

Mas, como sempre digo, o mercado de café tem um típico ambiente globalizado, onde as tendências acabam se esparramando por todo o planeta, desde que uma boa idéia seja lançada.

No caso específico do movimento dos cafés especiais, o Chile também já experimenta os primeiros passos. Devido a uma cultura voltada para a gastronomia, fortemente influenciada pela indústria do vinho, diversas escolas de alta gastronomia se espalham pelo país, sendo uma das referências o INACAP, que se assemelha ao SENAC no Brasil, com cursos em nível de tecnólogo e superior pleno.

Vinho e Café possuem muitas similaridades, o que permite um trabalho muito estreito. E se o país tem uma trajetória estupenda com o vinhos, certamente para a entrada do café esta relação pode ajudar bastante.

Com a melhoria econômica, os chilenos passaram a viajar e trazer consigo novos conceitos na área do consumo de café, daí hoje existirem pessoas com bom trânsito no nosso mundo, como os baristas Matias Lama, proprietário do Espresso Bar, e do Juan Mario Carvajal, que mantem o centro de treinamento Sierra de los Andes, que participou como convidado  de uma das edições do concurso Cup of Excellence.

De novo, como sempre digo, a dupla dinâmica: educação e experimentação. Juan Mario, por exemplo, participou ativamente das oficinas para baristas oferecidas durante aSemana do Café Gourmet do Brasil sob as batutas da Cleia Junqueira e do Bruno Ferreira. Educação, treinamento e mais conhecimento. É assim que se cria batalhões de novos treinadores, para que mais pessoas possam conhecer mais e mais sobre o café, sua arte e suas diferentes formas de consumo.

Visitando a cafeteria Espresso Bar, tive a oportunidade de pedir um café orgânico do Peru, muito bem extraído pelo barista da casa, Lucas, que aqui posa ao lado do pacote do café. Máquina e moinhoLa Marzocco, além de produtos de excelente qualidade, desde águas e sucos até doces e lanches, num ambiente muito bacana.

Como sempre deve ser!

Uma jornada sensorial com Pascual Ibañez

Thiago Sousa

A nossa Trilogia Perfecta, como comentado no post anterior, foi construída com as criações gastronômicas do Chef Francisco Mandiola, e da seleção de incríveis vinhos pelo “mago” Pascual Ibañez, a partir dos cafés que escolhi.

Em geral, estabelecer uma harmonização entre pratos e vinho já é uma tarefa que exige grande sensibilidade, o que dizer, então, quando é uma “conversa a três”?

Foi um fantástico desafio encontrar parâmetros que pudessem ligar três entidades aparentemente tão distintas como o vinho, o café e os diferentes ingredientes culinários, desde pescados nobres até carne bovina e cordeiro.

As habilidades, experiências e, claro, muita inspiração por parte dos dois simpáticos mestres foi decisiva. Havia lhes enviado os cafés cerca de dez dias antes com as recomendações de preparo e algumas sugestões, porém as soluções criadas tanto por Mandiola quanto Pascual foram impressionantes quanto à precisão.

Para os pescados preparados pelo Chef Mandiola, salmão salteado com crosta de café e especiarias e o ouriço do mar em manteiga de café guarnecido com uma delicada torrada de pão de miga integral, Pascual Ibañez selecionou um finíssimoPinot Noir Veranda 2007 dos Viñedos Corpora. Fato interessante é que as uvas foram cultivadas em duas regiões distintas, Casablanca e Bio-Bio,  que resultou num vinho de grande expressão.

Nariz de frutas vermelhas frescas como cerejas recém colhidas, muito agradável na boca com fluidez e leveza, acidez esperta e alegre, e que nos traz sensações de limpeza e cristalinidade. Estas características conferem grande equilíbrio com o salmão, permitindo que a delicadeza da crosta de café e especiarias mostrasse sua presença.

Com o ouriço,  este vinho fez ressaltar o delicado sabor salgado da manteiga de café. O que ocorreu com o Café Floral do Chapadão de Ferro foi diametralmente oposto, pois sua combinação trazia maravilhosa sensação de manteiga, tirando a natureza oceânica do ouriço e conduzindo a algo que lembrava uma natureza láctea.

Este Pinot Noir estabeleceu equilibrado convívio com o café, ressaltando as notas florais deste, enquanto que, no retorno, o vinho tinha suas notas de frutas e viva acidez mais presentes.

A escolha de Pascual, sommelier com formação na Espanha, para os pratos cárneos foi iluminada: um Gran Reserva Syrah 2007 da Série Riberas da Concha y Toro. Cultivadas em Don Javier, as uvas dessa casta vem ganhando grande respeito no mundo dos vinhos devido à complexidade de notas de aroma e sabor que os solos vulcânicos chilenos podem contribuir.

Despertando grande atenção de todos, Pascual fez um grande número de colocações justificando sua escolha: queria algo mineral, pois o café com o qual este vinho deveria se harmonizar também é mineral; procurou notas “animais”, lembrando como carne vermelha sendo cortada, pois o café vem de uma origem que possui elevado teor de ferro no solo; buscou notas de frutas mais que maduras, já em fase própria para compotas, fazendo expressar doçura e a gama de notas de sabor.  Bingo!

Não poderia ser outro vinho: Pascual foi preciso, diria, até “cirúrugico” nesta escolha.

Este maravilhoso vinho ressaltou todo o sabor do tenro filé bovino, que tinha um delicado molho a café. Com o cordeiro, que estava em cama de um delicado creme de amêndoas e café esferificado, buscou delicadas notas amanteigadas dessa carne, equilibradas com a acidez aveludada desse Pinot Noir.

Quando o café e o vinho iniciaram sua harmonização, surgiu um raro mosaico de sabores evidenciados, ora a acidez adocicada e maravilhoso caráter mineral, secundados por intenso sabor de compotas de groselha do café do Chapadão, ora as notas que lembravam a carne fresca cortada tendo como fundo baunilha e frutas secas.

Ufa! Foi uma experiência incrível que gostaria de trazer ao Brasil. Esses dois são mestres e iluminados!

Aqui rendo minha homenagem e respeito.

A inovação transgressora de Francisco Mandiola

Thiago Sousa

O desenvolvimento que o Chile vem alcançando nos últimos anos é fruto de um grande trabalho de base, onde a educação tem recebido especial atenção.

A gastronomia, em particular, vem experimentando vigorosa expansão tanto no magnífico número de excelentes restaurantes como na formação massiva de grande profissionais. Neste ponto, o INACAP – Instituto Nacional de Capacitación Profesional, cumpre papel importantíssimo com suas diversas unidades espalhadas por todo o Chile e com áreas de formação das mais diversas, a exemplo do trabalho desenvolvido pelo complexo SESC-SENAC no Brasil. SuaEscuela de Gastronomia y Hoteleria, instalada numa bela construção com impressionante infraestrutura, no elegante bairro Los Condes, forma um grande número de jovens profissionais da arte da alimentação e seu serviço.

Assim, a partir de vigorosas e fervilhantes fontes como essa escola, é possível fazer surgir talentos como o do premiadíssimo Chef Francisco Mandiola,compenetradamente executando um prato nesta foto.

Durante dois dias tive a felicidade e honra de compartilhar de sua arte refinadíssima como parte daSemana do Café Gourmet do Brasil, denominada Sabor & Saber, numa iniciativa cooperada entre aACHIGA – Associación Chilena de Gastronomia e a ABIC – Associação Brasileira da Indústria do Café.

Com o Chef Francisco Mandiola e o renomadoSommelier Pascual Ibañez, realizamos oworkshop denominado La Trilogia Perfecta: Comida, Vino y Café. A partir de uma intensa troca de e-mails e alguns telefonemas, o trabalho foi centrado na harmonização entre elementos gastronômicos, vinhos e café, um grande desafio lançado pela ACHIGA-ABIC. Comentarei nestepost sobre o inspirado trabalho do Chef Mandiola.

O Chile é um país que possui um aspecto privilegiado: sua disposição geográfica ao longo dos meridianos, conferindo riqueza única deterroirs. Pescados numa variedade impressionante, disponibilidade quase indescritível de frutas e hortaliças, além de carnes nobres compõe sua oferta.

Selecionei apenas dois cafés para este trabalho. Porém, cafés absolutamente especiais para possibilitar a exploração de diferentes perspectivas pelos meus novos amigos: a partir de alguns lotes da Fazenda Chapadão de Ferro, de Ruvaldo Delarisse, escolhi um que apresenta notas florais como rosas e sabor com  presença de cerejas maduras, elegantes e frugais; o outro lote, de grande complexidade, apresenta frutas tropicais e vermelhas, estas, porém, como compotas, tal é a presença de açúcares, vigorosas notas minerais terrosas e finalização combinada de caramelo e amêndoas.

Chef Mandiola concebeu para entrada uma combinação de elementos típicos das Costas Chilenas, salmão e ouriços do mar, com vistas à harmonização com o café de notas florais. O salmão foi levemente salteado em grelha e recebeu para sua crosta um fino pó de café com algumas especiarias, enquanto que o ouriço teve como acompanhamento uma manteiga de café.

Posso dizer que muitos entraram em êxtase ao fazerem a a combinação do café de notas florais da Fazenda Chapadão de Ferro com o ouriço, que transmitiu uma maravilhosa sensação amanteigada e cremosa que preenchia toda a boca. E o café estava em tempratura praticamente ambiente, em torno de 25ºC !

O conjunto seguinte foi composto com um filé ao molho de café e um cordeiro com café esferificado guarnecido de um delicado creme de amêndoas. O café em foco foi o de características minerais e frutas. Novamente, a combinação se mostrou magnífica, fazendo com que alguns dos presentes literalmente suspirassem… E na platéia estavam diversos Sommeliers, Chefs e jornalistas especializados.

Para o final, Chef Mandiola criou uma sobremesa com um delicado sorvete, quase um merengue de chocolate e licor de café, e um After Eight, uma bebida digestiva a base de menta e folhas de menta com alguns grãos de café recobertos de chocolate. Ah, sim, o café foi o mesmo da segunda rodada, pois tinha potência de sabor suficiente para secundar o chocolate, mas foi com o After Eight que deixou todos maravilhados, quando um sabor adocicado e cristalino se impôs.

Vários dos presentes se levantaram para brindar essas criações, que merecem um destaque num compêndio gastronômico.

E, para mim, foi uma experiência também inesquecível, pois a compreensão dos complexos sabores que os cafés vulcânicos do Chapadão de Ferro apresentam por parte de um profissional do quilate do Chef Francisco Mandiola foi um verdadeiro presente.

Aliás, um valioso presente para os Cafés do Brasil.