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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

CIÊNCIA

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Sobre flores, frutos, casca e conhecimento

Thiago Sousa

O triunfo do barista campeão de El Salvador, Alejandro Mendez, no último WBC – World Barista Championship que aconteceu em Bogotá, Colombia, ainda hoje é tema de comentários entre o pessoal do café.

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Afinal, experientes baristas de países com presença tradicional neste campeonato alinharam-se na arena para mostrar técnica e criatividade em xícaras de café e parecia improvável que um barista de um país produtor de café levasse o título de campeão do WBC 2011.

Como se sabe, durante 15 tensos minutos cada competidor tem de preparar um espresso, um cappuccino e uma bebida de assinatura sem ingrediente alcoólico para cada juiz sensorial. Essa apresentação é fruto de um longo trabalho de preparação que vai desde a seleção dos grãos de café para as bebidas, ingredientes e concepção sensorial, além da trilha sonora que dá o toque especial à performance. Portanto, é um período em que diversos profissionais se unem apoiando e treinando o barista em cada etapa.

Baristas com certa experiência em competições, como era também o caso do Alejandro, sabem que alguns detalhes são importantes como o comportamento de seu blend na xícara, a interação com o leite (é claro que sem se esquecer da sua qualidade!) e com os outros ingredientes na bebida de assinatura. Portanto, uma combinação de técnica, que é desenvolvida através de uma boa e quase sempre longa vivência em balcão junto às máquinas e moinhos, que pode ser simplesmente traduzida por intimidade com esses elementos.No entanto, a criação da bebida de assinatura necessita de um outro elemento que acaba sendo decisivo quando há um alto nível técnico entre os competidores: uma inspirada criatividade!

E isso não faltou ao Alejandro, somando-se, de quebra, um grande conhecimento técnico que revela muito refinamento. O que a princípio parecia ser uma sandice, se mostrou uma pequena obra prima com toques de maestria. 

Sua bebida de assinatura era uma genial composição de infusões e extração de diferentes partes e fases do fruto do cafeeiro!

Uma infusão das flores como um chá de flores brancas.

O cafeeiro é um primo distante da Gardênia, ambos rubiaceas, e suas flores tem um intenso aroma, que por vezes lembra o jamim pela sua doçura.

E uma bebida usando a polpa do fruto? Muito criativo!

Lembrando que a polpa da fruta madura do cafeeiro tem grande doçura e muitas substâncias de sabor, preparar um licor dela é como preparar um de jaboticaba. Sim, isso mesmo! E com uma vantagem adicional, que é dada pela extensa oferta de variedades de cafeeiros entre vermelhos e amarelos… 

Usar a casca como base de bebida, pode?

Em alguns países, caso do Yemen, a casca é destinada para o preparo de uma bebida chamada Qeishr. As regiões produtoras de café daquele país ficam em áreas de raras chuvas e baixa umidade do ar, de forma que os grãos são colhidos quando entram em sua fase passa, apresentando, impressionantemente, cascas sem qualquer tipo de contaminação por fungos,  somando-se o fato do quase inexistente emprego de agroquímicos.

O Qeishr é usualmente composto pela adição de especiarias como o cardamomo e canela, cujas receitas são guardadas a 7 chaves pelos diversos, digamos, Mestres de Blends de Qeishr!

Pelo fato de ser um produto (a casca) que origina uma bebida muito apreciada (o Qeishr), o comércio da casca é regular. No entanto, os dois produtos são distintos, bem como suas respectivas bebidas: Bun(café por infusão, como você pode ver na foto acima, no copo à esquerda) é Bun, enquanto que Qeishr (no copo do centro) é Qeishr. Uma questão de lógica e respeito ao consumidor. 

Ah, para finalizar a explicação sobre a última foto: à direita um copo com Bun e leite. Uma média yemeni

Por que o café é bebida singular?

Thiago Sousa

A palavra Singular tem, segundo o Dicionário Aurélio, estes sentidos: “único, individual; especial, raro; aplicável a um só sujeito”. Se levarmos esses sentidos para uma perspectiva de raciocínio lógico, podemos ver que há uma notável correlação com conceitos estatísticos.

A saga das sementinhas de café até nossas xícaras de cada dia iniciam-se durante a fase da floração. Numa lavoura de café, apesar de semelhantes, nenhuma planta é exatamente igual a outra, pois cada qual é um indivíduo. Mesmo entre os dedos de uma mão, cada um tem sua individualidade!

Veja nesta foto como cada flor está num estágio sutilmente diferente das outras, assim como existem também botões fecundados. É, na vida tudo transcorre como uma grande corrida, onde cada um de nós acaba ficando em diferentes colocações.

Em cada fase do ciclo da vida dos frutos do café, essas pequenas diferenças de tempo de floração podem se tornar dramaticamente maiores em razão de uma série de efeitos determinados pelo clima ou pela nutrição dada à planta, por exemplo.

Se lembrarmos que o fruto do café amadurece apenas enquanto estiver preso à planta, o momento em que é feita sua colheita tem influência direta no que poderemos perceber na xícara durante a degustação.

A foto ao lado mostra muito bem como cada fruta tem, digamos, velocidade diferente em seu processo de amadurecimento. Deve ser levado em conta que pelo menos foram 4 floradas diferentes que ocorreram, identificadas pelas distintas cores. Como comentei anteriormente, o ponto “Maduro” da fruta corresponde quando ela adquire a cor avermelhada como cerejas maduras, no caso das variedades vermelhas, ou alaranjada, quando forem variedades amarelas. Antes disso, o teor de açúcares é menor do que o que em um fruto perfeitamente maduro, levando a diferentes resultados durante a torra das sementes do café.

O processo de torra do café é na realidade um complexo conjunto de reações químicas regido pela energia que é posta num torrador. Porém, as respostas de cada grão (= semente ) de café dependem do ponto de maturação da fruta durante sua colheita.

Observe na foto ao lado que, numa primeira vista, podemos admitir que o resultado da torra está uniforme, ou seja, com os grãos praticamente com o mesmo tom de marrom. Mas, ao se observar mais atentamente, veremos que existem sutis e até consideráveis diferenças nos tons de cor!

Alguns estão com um tom que lembra chocolate ao leite com bastante cacau, que indica que são sementes de frutos que estavam perfeitamente maduros quando foram colhidos. Tons mais claros indicam que as sementes são de frutos imaturos, daqueles que darão a sensação de adstringência quando experimentarmos na xícara. Adstringência é aquela sensação incômoda de aspereza e secura na boca, como quando comemos uma banana ou caqui verdes. Isso é sempre um péssimo indicador de qualidade. Lembre-se que Qualidade Sensorial do Café está definitivamente ligada à uniformidade de maturação das sementes usadas para preparar um xícara, preferencialmente originadas de frutos maduros.

Costumo dizer que o espresso é o serviço de café que é o exemplo máximo do significado de Bebida Singular. Se pensarmos na técnica italiana, que utiliza 7 gramas de café torrado para extrair 30 ml de espresso, essa quantidade corresponde a aproximadamente 50 grãos torrados. Como a quantidade é pequena, é razoável pensar que se houver um único grão proveniente de um fruto verde, o estrago será amplificadamente percebido na xícara!

Deixando de lado estas situações desastrosas, se forem 50 grãos de frutos perfeitamente maduros, cuidadosamente secos e selecionados (o olhar atento e as papilas privilegiadas dos Juízes Degustadores são decisivas aqui…), magistralmente torrados (ah, a mão e sensibilidade do Mestre de Torra se revelam nesse momento!) e inspiradamente extraídos por hábeis Baristas,certamente a Experiência Sensorial será memorável!

Veja que nenhuma xícara de espresso será igual a outra! Por mais uniforme que seja o lote de café, por mais regular que seja o Barista em cada extração, os resultados não se repetem. Além do mais, cada pessoa tem uma sensibilidade particular, de forma que a percepção de cada uma será sempre distinta de outra.

É por isso que o Café é uma Bebida Singular!

SLAYER: Extração por ajuste proporcional

Thiago Sousa

O preparo do café pode ser feito por duas vias: sob pressão normal ou ambiente e sob alta pressão. E  a grande representante deste último tipo de preparo é o espresso e suas incríveis máquinas!

9 bars ou 9 atmosferas se tornou sinônimo de pressão usual para a extração de uma xícara clássica com 30 ml ou de sua “grande família”.

O espresso, desde seus primórdios há quase 90 anos, evoluiu extraordinariamente, principalmente nos últimos anos com a entrada de novos fabricantes com arejados conceitos técnicos. Caldeiras independentes, sistemas de estabilização de temperatura junto aos grupos, bombas por pulso… é simplesmente estonteante o número de itens aperfeiçoados e que de tempos em tempos são literalmente repensados.

Com a notoriedade que o serviço de espresso ganhou em todo o mundo, graças a um intenso trabalho de promoção por parte dos profissionais italianos, surgiram grandes empresas que passaram a produzir em alta escala as máquinas de grupo para espresso, como La Spaziale,GaggiaCimbaliNuova Simonelli e Rancilio, entre outras.

Em seguida vieram as máquinas construídas praticamente sob encomenda, com um novo padrão de customização estabelecido pela venerada La Marzocco, de Florença, e que é o sonho de consumo de todo barista por excelência.

Nessa linha aberta pela La Marzocco vieram duas empresas americanas com propostas avançadas: a Synesso e a Slayer. E cuja história possui muitos pontos em comum, também.

Em particular, gostaria de comentar um pouco sobre a Slayer. Com um design inspiradíssimo e detalhes em madeira do Northwest dos Estados Unidos, ela arranca sem dó suspiros de todos os que adoram extrair espresso. Essa máquina foi apresentada em 2008 ao mercado e ganhou admiração de muitos baristas durante a Feira da SCAA – Specialty Coffee Association of America, de Atlanta, em 2009, que acolheu oWBC – World Barista Championship 2009. Nem é preciso dizer sobre a fila de baristas de todo o mundo que se formou para ver e, principalmente, testar essa impressionante máquina.

A grande “sacada” da Slayer é o fato do acionamento da água pressurizada do grupo possuir mecanismo proporcional, fugindo do tradicional Aberto/Fechado! Ou seja, com ela é possível dosar a vazão da água ao seu bel prazer, permitindo criar novos matizes de sabores e aromas nas xícaras. Definitivamente, o espresso ganhou um novo padrão de extração.

Depois de compactado no portafiltro, o pó de café recebe a “primeira onda” de água pressurizada, que fará a pré infusão, fundamental para que o bolo resultante fique todo umedecido e propicie uma extração uniforme. A água arrasta as várias substâncias das partículas de café combinando solubilidade e pressão. Substâncias mais solúveis são extraídas com maior facilidade, é claro, como os ácidos e os açúcares, pela ordem decrescente. O óleo que forma a crema emulsiona-se devido à pressão que força a passagem da água após a pré infusão.  Substâncias aromáticas podem ser solúveis em água ou em óleo e é por isso que se você conseguir dosar a pressurização da água que passa pelo portafiltro, é possível extrair com maior precisão muito mais de um  ou outro tipo  dessas substâncias.

E foi justamente isso que percebemos testando cafés com diferentes, digamos, “curvas de extração”!

Quem sabe se em breve uma dessas não faça parte de um balcão de uma loja no Brasil… assim todos poderão experimentar e compreender esse novo tipo de espresso.

Porta Filtro para os "Sem Tapetes"…

Thiago Sousa

Para a extração de um espresso, o café moído é acondicionado numa peça chamada portafiltro, que é encaixada no grupo errogador de uma máquina.

Há uma sequência para isso: abastecimento do portafiltronivelamentocompactaçãolimpeza das bordasengate no grupo errogador e (tcharaammm…) liberaração da água aquecida.

A técnica que tem sido bastante empregada atualmente vem da escola dos baristas do Norte da Europa, que abastecem o portafiltro até que o café moído forme um pequeno “monte”, quando, então, é feito nivelamento do pó em relação às bordas do portafiltro. O pó é “ajeitado” com a mão, retirando-se o excesso antes da compactação.

A compactação deve ser feita com um tamper (=compactador) estando o portafiltro sobre um tapete, usualmente, de borracha. Esse tapete tem como função não causar danos devido à força exercida ao compactar o pó de café nos bicos de saída do portafiltro, bem como auxiliar na manutenção do nivelamento do pó em relação às bordas do portafiltro. Lembre-se que a pressão recomendada para a compactação corresponde ao peso de 15 kg!

Em alguns moinhos existe uma peça com o formato de uma “bolacha” acoplada na sua parte frontal, que é justamente para fazer a compactação do café moído, numa solução encontrada em conjuntos, digamos, mais simples. Mas, como se sabe, é sempre mais difícil fazer força debaixo para cima do que de cima para baixo, até porque para baixo, “todo santo ajuda…”

Conheci recentemente o portafiltro lançado pela italiana La Marzocco que tem um ressalto em  sua parte inferior, facilitando o apoio numa bancada para  a compactação. Simples, porém muito eficiente!

Para completar, o bico de saída pode ser desacoplado, como pode ser visto na foto ao lado. Há um anel de borracha para um perfeito ajuste do bico intercambiável. Outra sacada inteligente!

A compactação  correta depende muito do perfil de moagem, daí ser muito importante ter um moinho de excelente qualidade como parte do conjunto. Assim, é formado o “bolo” de pó de café com textura uniforme, fazendo com que a água aquecida passe bem distribuída, o que permite uma extração uniforme.

Ao pedir o seu próximo espresso, verifique como o barista faz o ritual descrito acima.

Se tudo foi feito certinho, o resultado pode ser muito bom!