Contact Us

Use o formulário à direita para nos contactar.


São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

CIÊNCIA

Filtering by Tag: pressão

A extração e a elasticidade do tempo – 1

Thiago Sousa

Salvador Dalí foi um dos mais importantes artistas de todos os tempos, vanguardista, mesclando poesia, ciência e ousadia onírica com um elevado padrão técnico como poucos. Nascido  em maio de 1904 numa cidade próxima a Barcelona, desde criança teve nos pincéis uma extensão de seu corpo para expressar sua genialidade artística.

 Com apenas 10 anos já se interessava pela linha Impressionista, porém, em seguida, passou a embrenhar-se nas exuberantes combinações de cores. Em 1931 apresenta uma de suas obras mais importantes, La Persistencia de la Memoria (Los Relojes Blandos), onde procurou representar sua visão de que o Tempo poderia ser elástico a partir da nossa intenção de preservar em nossa memória um momento que tivesse um grande significado. Fazer o tempo fluir mais ou menos rápido é uma característica que a nossa memória pode imprimir…

Para facilitar esse raciocínio, basta o exemplo de reencontrar uma pessoa muito querida depois de um longo tempo. Essa experiência pode ser de certa forma chocante, pois para nós a última imagem é a de alguém muito mais jovem!

Acima está a reprodução da obra Desintegración de la Persistencia de la Memoria, de 1954, parte daFase Atômica de Dalí.

Na Extração do Café também encontramos vários elementos que podem alterar de maneira substancial o Tempo desse processo. E é por isso que afirmo que ao se fazer uma extração de uma xícara de Café o Tempo pode assumir uma característica Elástica!

Certamente você já deve ter ouvido a expressão “sobCondições Normais de Temperatura e Pressão“, também conhecida por CNTP. Para a Físico Química, isto significa que um determinado fenômeno está acontecendo num local que tem pressão atmosférica correspondente a1 atm (atmosfera) e temperatura equivalente a 25.C ou, por simplificação, ao nível do mar num dia de temperatura amena.

No caso particular da Pressão, há uma relação direta entre ela e a velocidade com que um fenômeno químico pode acontecer. Por exemplo, você pode preparar uma posta de carne de costela bovina por duas formas de cozimento: sob alta pressão e sob baixa pressão, neste caso abaixo de 1 atm.

O primeiro caso é aquele em que é usada uma panela de pressão.

O fechamento de uma panela de pressão é praticamente hermético, isto é, perfeito. Uma vez levada ao fogo, a temperatura começa a aumentar ao mesmo tempo em que a pressão também se torna maior. Para se evitar uma explosão, toda panela de pressão é dotada de uma válvula de escape, que começa a girar e dispersar parte da pressão criada pelo vapor de água sob um inconfundível assobio, além de uma válvula de segurança no caso da primeira entupir. Pois bem, a pressão interna na panela maior do que 1 atm faz com que a temperatura de ebulição da água se dê a temperaturas acima dos 100.C. Quanto maior for a pressão interna, tanto maior será a nova temperatura de ebulição da água.
No entanto, aí fica a "pegadinha" desse processo. A partir de uma dada pressão, a válvula de alívio da panela de pressão passa a funcionar, ou seja, a pressão que se tornou excessiva é retirada com um sonoro apito ou um ritmado "cha cha cha"...
Esse processo faz com que a carne cozinhe mais rapidamente, pois há uma queda abrupta da pressão reinante no interior da panela, que devido à  maior temperatura interna promove uma aceleração de todos as reações químicas.
Dessa forma, pedaços de carne de uma vaca que prestou muuuuitos anos de bons serviços precisarão de menos tempo na panela para ficarem decentemente macios e serem mastigados sem qualquer tortura… caso contrário, teríamos uma perfeita reprodução de “solas de sapato”!
É por esta razão que experientes cozinheiras sempre marcam o tempo de cozimento a partir do início da saída da pressão excedente ao ritmo do "cha cha cha".

Cozinhar sob baixa pressão, por outro lado, faz com que as temperaturas de trabalho sejam muito mais baixas do que sob pressão de 1 atm. Nas técnicas de cozinha, cozinhar sob baixa pressão é conhecida por Sous-Vide, expressão francesa que significa Sob Vácuo. Nestas condições, as temperaturas empregadas para o preparo de alimentos cai consideravelmente, sendo, por isso, bastante adequada para se manter a textura delicada de alguns alimentos  ou mesmo de grupo de sabores de grande volatilidade, evitando-se perda considerável dessas preciosas substâncias.

No caso do café, podemos observar a Elasticidade do Tempo de Extração ao se comparar o emprego de uma máquina de Espresso e um Coador com Filtro de papel.

Uma extração feita em Coador corresponde ao trabalho sob Condições Normais de Temperatura e Pressão (CNTP), ou seja, podemos admitir que está sendo feita sob 1 atm de pressão atmosférica e em aproximados 25.C de temperatura ambiente, levando em média 4 minutos (240 segundos) para o processo completo de Extração.

Numa máquina de Espresso, cuja pressão de trabalho é de 9 atm (9 vezes maior do que a pressão ao nível do mar!), todo o processo é brutalmente acelerado e torna-se muito mais eficiente, de modo que o tempo de extração se situa entre 25 s e 30 s para uma extração padrão (30 ml). É por isso que numa xícara de Espresso, todas as substâncias solúveis estarão concentradamente dissolvidas, desde os Ácidos Orgânicos como o Cítrico juntamente com os delicados aromas voláteis (e sempre Hidrossolúveis) até os Compostos Clorogênicos, passando pelos Açúcares, em resumo.

Logo, toda a Cafeína disponível nos grãos torrados e moídos deve estar devidamente presente na xícara!

*Dedico esta Série à Companheira de Viagem Kelly Stein.

SLAYER: Extração por ajuste proporcional

Thiago Sousa

O preparo do café pode ser feito por duas vias: sob pressão normal ou ambiente e sob alta pressão. E  a grande representante deste último tipo de preparo é o espresso e suas incríveis máquinas!

9 bars ou 9 atmosferas se tornou sinônimo de pressão usual para a extração de uma xícara clássica com 30 ml ou de sua “grande família”.

O espresso, desde seus primórdios há quase 90 anos, evoluiu extraordinariamente, principalmente nos últimos anos com a entrada de novos fabricantes com arejados conceitos técnicos. Caldeiras independentes, sistemas de estabilização de temperatura junto aos grupos, bombas por pulso… é simplesmente estonteante o número de itens aperfeiçoados e que de tempos em tempos são literalmente repensados.

Com a notoriedade que o serviço de espresso ganhou em todo o mundo, graças a um intenso trabalho de promoção por parte dos profissionais italianos, surgiram grandes empresas que passaram a produzir em alta escala as máquinas de grupo para espresso, como La Spaziale,GaggiaCimbaliNuova Simonelli e Rancilio, entre outras.

Em seguida vieram as máquinas construídas praticamente sob encomenda, com um novo padrão de customização estabelecido pela venerada La Marzocco, de Florença, e que é o sonho de consumo de todo barista por excelência.

Nessa linha aberta pela La Marzocco vieram duas empresas americanas com propostas avançadas: a Synesso e a Slayer. E cuja história possui muitos pontos em comum, também.

Em particular, gostaria de comentar um pouco sobre a Slayer. Com um design inspiradíssimo e detalhes em madeira do Northwest dos Estados Unidos, ela arranca sem dó suspiros de todos os que adoram extrair espresso. Essa máquina foi apresentada em 2008 ao mercado e ganhou admiração de muitos baristas durante a Feira da SCAA – Specialty Coffee Association of America, de Atlanta, em 2009, que acolheu oWBC – World Barista Championship 2009. Nem é preciso dizer sobre a fila de baristas de todo o mundo que se formou para ver e, principalmente, testar essa impressionante máquina.

A grande “sacada” da Slayer é o fato do acionamento da água pressurizada do grupo possuir mecanismo proporcional, fugindo do tradicional Aberto/Fechado! Ou seja, com ela é possível dosar a vazão da água ao seu bel prazer, permitindo criar novos matizes de sabores e aromas nas xícaras. Definitivamente, o espresso ganhou um novo padrão de extração.

Depois de compactado no portafiltro, o pó de café recebe a “primeira onda” de água pressurizada, que fará a pré infusão, fundamental para que o bolo resultante fique todo umedecido e propicie uma extração uniforme. A água arrasta as várias substâncias das partículas de café combinando solubilidade e pressão. Substâncias mais solúveis são extraídas com maior facilidade, é claro, como os ácidos e os açúcares, pela ordem decrescente. O óleo que forma a crema emulsiona-se devido à pressão que força a passagem da água após a pré infusão.  Substâncias aromáticas podem ser solúveis em água ou em óleo e é por isso que se você conseguir dosar a pressurização da água que passa pelo portafiltro, é possível extrair com maior precisão muito mais de um  ou outro tipo  dessas substâncias.

E foi justamente isso que percebemos testando cafés com diferentes, digamos, “curvas de extração”!

Quem sabe se em breve uma dessas não faça parte de um balcão de uma loja no Brasil… assim todos poderão experimentar e compreender esse novo tipo de espresso.