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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

ORIGEM

Sobre Elefantes, Concursos, Preços e Qualidade Percebida…- 1

Daniel Kondo

Outro dia surgiu uma discussão muito interessante: depois do Kopi Luwak, do Jacu Bird Coffee (aqui um representante tupiniquim…), do Bat Coffee (sim, café produzido por um morcego mexicano) e do cuspidor Cuíca Spat Coffee (outro reforçando o time brazuca), chegou a vez do Elephant DUNG Coffee, da Tailândia!

Diga-se que este chegou trombeteando a todos os cantos que é o mais caro do mundo, vendido a US$ 1,100 /kg (isso mesmo, mil e cem dólares americanos o kg!) ainda cru. O nome é o mais realista de todos os Defecated Coffees oferecidos no mercado, pois diz exatamente como é produzido.

Muita exoticidade, não?!

Por outro lado, os últimos leilões de concursos de cafés de alta qualidade que hoje estão presentes em praticamente todos os países produtores, registraram lances de altíssimo calibre  feitos por cafeterias do Japão e Coréia do Sul, atingindo cifras impressionantes como foi com um microlote do Panamá que recebeu US$ 111,50 per pound, o que equivale a US$ 14,749.22 ou R$ 29.498,44 a saca de 60 kg!

Perguntaram para mim: será o Fim dos Tempos chegando?!

Uma outra pergunta poderia ser feita: O que seria na xícara um café tão excepcional?

Veja que esta questão vale também para diversas outras bebidas que tem feito muito barulho no mercado, como vinhos e coquetéis entre outros.

Creio que podemos começar a responder levando a questão para uma outra perspectiva: Como percebemos as diferenças sensoriais em níveis crescentes?

Existe um estudo muito interessante que foi desenvolvido pelo Físico e Matemático alemão Gustav Fechner em meados do Século XVIII que procura correlacionar a resposta a um estímulo sensorial com a intensidade desse estímulo. Ele aperfeiçoou conceitos estabelecidos por Ernest Weber ao ditar a famosa Lei de Weber-Fechner (SR = k.logS, onde Sé a intensidade de um Estímulo Sensorial, k uma constante que varia entre zero e um, e SR a resposta ao estímulo), que diz que A resposta a um estímulo é proporcional ao logaritmo desse estímulo. Para melhor compreensão dessa lei, é importante também se conhecer o conceito de Limiar de Percepção Diferencial ou da chamada DIFERENÇA MINIMAMENTE PERCEPTÍVEL – DMP (em inglês JND –Just Noticeable Difference), que mostra o limiar de percepção à menor variação de um determinado estímulo e que é representado pela equação ∂E = c.E, onde ∂E é a mínima diferença percebida na variação de intensidade de um estímulo, c uma constante e E a intensidade desse estímulo.

Muito complicado?

Vamos a um exemplo. Imagine que você tem um fardo de café pesando, digamos, 20 kg. Qual seria a menor quantidade de café adicionada que seria perceptível para quem está carregando?

Admitindo-se que a constante c para este caso seja 0,03, e tendo que E são os 20 kg, o resultado ∂Eserá de 600 gramas. Bem o que significa isso?

Se você colocar mais um pacote de 500 g de café no fardo, esse aumento de peso certamente será imperceptível a quem carrega. No entanto, caso adicione outro de 250g (no total, 750 g), aí, sim, esse aumento será percebido, pois essa quantidade é maior do que a mínima, no caso 600 g!

A partir do conhecimento do conceito de Limiar de Percepção, fica mais fácil de compreender o que o Gráfico de Weber-Fechner quer nos transmitir. Observe que a curva começa com um grande diferencial no início, que declina rapidamente. Como resultado, mesmo com aumentos estáveis na intensidade de um estímulo, a resposta tende a apresentar percepções cada vez mais próximas; portanto, a partir de uma determinada intensidade de estímulo, para que este seja efetivamente perceptível, é necessário que essa intensidade seja cada vez maior! Ufa!

E por que é comentei tudo isso?

É porque nos nossos Cursos de Educação Sensorial, uma das referências utilizadas é justamente a Lei de Weber-Fechner, principalmente para todo o processo de educação do Paladar. A SCAA – Specialty Coffee Association of America determinou em seus protocolos que um lote de Café Especial, além de estar isento de impurezas e problemas verificados por avaliação física, ele tem de apresentar bebida que ultrapasse 80 pontos SCAA. Isso numa escala decimal que vai até cem pontos.

Numa linguagem direta, 80 pontos SCAA é a linha divisória que separa cafés que são agradáveis e absolutamente sem asperezas daqueles que tem adstringência e outros probleminhas, mesmo que discretos. Para o grande mercado de commodities, um Café Especial tem a chamada Bebida MOLE, pois não pode apresentar traço qualquer de adstringência, que sempre é desagradável.

À medida que o conjunto de sementes que forma o lote, em sua grande maioria tenha se originado de frutos maduros, a presença de açúcares (desde que o café tenha passado por uma boa torra) é maior  e, consequentemente, a percepção de Doçura aumenta. É quando a bebida ganha a classificação de ESTRITAMENTE MOLE, pois tem os atributos sensoriais percebidos na Bebida Mole intensificados.    Estes lotes alcançam notas acima de 85 pontos SCAA, sinalizando outra linha divisória, que é a dosCafés Excepcionais  ou Excelentes. Ao se comparar cafés com bebidas de 75 pontos, 82 pontos e 88 pontos SCAA, por exemplo, claramente podem ser reconhecidas as diferenças entre eles, pois tem distância na intensidade dos estímulos suficiente para que sejam muito evidentes. No entanto, a partir dos 90 pontos SCAA, somente pessoas com grande aptidão e muito treinamento tem a capacidade de discernir corretamente os incrementos dos estímulos relativos aos atributos  como Sabor, Acidez, Corpo e Finalização, entre outros, que levarão a números próximos do limite de 100 pontos SCAA.

Cafezinho: Resgatando o jeito brasileiro de preparar café!

Daniel Kondo

Outra dia, durante um Curso de Educação Sensorial que apliquei em São Paulo, SP, surgiu uma discussão muito interessante: que, segundo um dos alunos, que é barista residente no Rio de Janeiro, o preparo de café usando o coador de pano deveria ser banido devido à baixa qualidade da bebida resultante.(!)

“Nossa”, pensei com os pespontos da minha camiseta, “essa nova geração desconhece totalmente os preparos tradicionais de café, inclusive o do clássico e genuinamente brasileiro Cafezinho!”.

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 Talvez ainda deslumbrados com os inúmeros ajustes que um serviço de espresso prescinde e permite (até porque essa leva de gente jovem faz parte da geração MP3 e iPad), acreditam que este é o único reinante para extrair uma xícara de um bom café… e que se torna sinal de puro desconhecimento.

Cafezinho é um método de preparo que possui singularidades que o tornam único, como o fato de se adicionar o pó de café à água “pelantemente” fervente (observe: é o pó na água e não água no pó!), de ter um tempo de extração bastante longo e altamente turbinado pela alta temperatura da água, de fazer uso de um filtro de pano com trama pouco fechada e uma concentração (relação entre o pó de café e o total de bebida extraída) muito elevada.

Apesar de ter uma concentração por volta dos 10% m/v (100 gramas – 6 colheres de sopa –  para se obter 1 litro de café), quase 50% mais do que se usa na Europa e a West Coast , da California a Washington, que tem se fixado nos 7% m/v, o processo químico de extração é intensificado pela moagem fina (que aumenta dramaticamente a área de contato) e o intenso turbilhonamento provocado pela água em fervura.

E aqui cabe se desfazer outro mito, que é sobre a água fervente.

Água Potável (hummm… observe esta sutileza: há uma notável diferença entre a Água Pura e a Água Potável!), além dos sais minerais que são responsáveis pelo seu sabor (veja mais sobre Os Sabores da Água em http://coffeetraveler.net/outras-questoes-delicadas-sobre-a-agua/) tem moléculas de Oxigênio dissolvidos e que ajudam muito na percepção dos sabores.

Durante a ebulição (ou fervura), boa parte do Oxigênio se esvai, tornando o sabor da Água Potável menos palatável. No entanto, ao se adicionar o finíssimo pó de café para fazer o Cafezinho, inicia-se um processo químico clássico conhecido por Extração, que tem como referência a solubilidade de cada substância encontrada nas partículas ante a água. As moléculas de Oxigênio permanecem na água e passam a reagir com as substâncias encontradas nas partículas do café torrado e moído.

A turbulência da água promovida pela fervura aumenta muito a eficiência de extração das substâncias das partículas, o que faz resultar um sabor bastante intenso!

É razoável esperar que a quantidade de Compostos Clorogênicos (grupo de substâncias ao qual a Cafeína faz parte) seja bastante grande, uma vez que o tempo de contato foi longo.

Pelo fato de se empregar tecido de algodão com trama não muito fechada (algo como um “Super 60″ ou 60 fios), a retenção de óleos é baixa, passando em boa parte para a bebida de extração. E aqui outro detalhe: substâncias de sabor (e aroma) mais, digamos, pesadas, formadas quando a Reação de Pirólise na torra se intensifica, em geral tem caráter amargo e são lipossolúveis (dissolvem-se em gorduras ou óleos). Como resultado prático: a bebida, além de mais concentrada, carrega teor turbinado de Compostos Clorogênicos e de sabores que tendem a dar maior percepção de Amargor!

Uma vez que o sabor Amargo se manifesta de forma esplêndida na xícara, resta adoçar para minimizar esse efeito, nem sempre amado pelo apreciadores de café…

Como tudo que é mais concentrado, o Cafezinho é servido em doses menores, quase sempre em xícaras de 50 ml ou em divertidas coloridas canecas de ágata. Tudo muito lógico, intuitivamente científico…

É um produto que mescla técnicas milenares como o preparo do ibriq(método desenvolvido no Yemen e também conhecido como Preparo Árabe) ao aplicar o pó na água, ao mesmo tempo que envolve aspectos ritualísticos ao fazer passar aquela solução por um filtro de pano. É, também sinônimo de cortesia entre as pessoas, que podem ter momentos de relaxamento enquanto apreciam o negro e cálido vinho como declamado em versos de Omar Khayan.

Mas, principalmente, é o Cafezinho parte da cultura gastronômica brasileira e deve ser preservado todo o seu ritual.

Ah, quanto à questão da baixa qualidade da bebida na discussão que original este post, basta que sejam usadas sementes de boa qualidade, corretamente torradas, para que o resultado também seja simplesmente delicioso!

Experimente preparar em casa um autêntico Cafezinho e tenha orgulho de beber algo que é bom, com um gostinho bem Brasil.

A Natureza é Imprecisa – 3

Daniel Kondo

Os vegetais podem apresentar todos os Sabores Básicos ou Gostos (= Taste, em inglês), que são Doce, Salgado, Ácido, Amargo e Umami, juntamente com os Sabores Complexos ou simplesmente Sabores (= Flavor, em inglês), conferindo características particulares a cada um. Um incrível número de combinações de aromas e sabores cria a identidade de cada fruta, o que nos permite identificar e distinguir umas de outras. Apesar das similaridades, é perceptível a diferença de sabores entre o damasco e o pêssego ou entre a laranja pêra e uma tangerina.

Mesmo entre frutas de mesma espécie é possível perceber suas diferenças, como, por exemplo, entre uma banana nanica e uma prata. A partir desta evidência, fica compreensível a influência da variedade  botânica na construção das notas de aroma e sabor entre os vegetais em geral, que decorrem diretamente das características genéticas.

Essas características genéticas necessitam de determinadas condições ambientais para que possam se expressar de forma mais ou menos intensas, conduzidas pelo efeito de “adaptação”, como observado por Darwin, e que hoje é mais conhecido por Fenotipia.

Nesse contexto, o clima tem influência decisiva no ciclo das plantas, constituindo-se em um estudo específico denominado Fenologia. Lembrando que, sob a óptica científica, a Vida é um intrincado conjunto de reações químicas e bioquímicas, e que estas tem sua velocidade relacionada diretamente com temperatura, fica claro que o clima é um elemento de extrema importância na produção agrícola. E plantas mais sofisticadas, como o cafeeiro, são mais sensíveis às variações climáticas, levando a resultados sensoriais diferentes de sua produção em cada local, em cada microclima!

Se o clima, dentre o conjunto que determina o conceito de TERRITÓRIO (= Geografia + Botânica + Manejo de Produção), é o elemento mais mutável, fica fácil de compreender porque as safras de café NUNCA se repetem, principalmente no aspecto das características sensoriais.

O ser humano é um ser essencialmente SENSORIAL, movido pelas experiências com as respectivas percepções. Cada pessoa percebe e interpreta de forma única um determinado estímulo, em geral com base em experiências anteriores. Caso seja uma experiência nova, esta se torna referência para os próximos estímulos. É por isso que cada pessoa tem reações distintas a cada estímulo sensorial, pois aquelas podem ser resultado de uma experiência que foi agradável ou que trouxe desconforto. Da mesma forma, a intensidade na percepção de cada estímulo depende da aptidão que cada pessoa possui.

Se cada pessoa tem aptidões específicas e suas experiências de vida são interpretadas de forma também particular, somando-se a este conjunto uma perspectiva cultural, é fácil compreender que o conceito de MELHOR ou PIOR varia de pessoa a pessoa!

Daí nasceu a necessidade de serem criados modelos de treinamento para que as interpretações dos estímulos e respostas sensoriais ficassem sob foco essencialmente técnico, ou seja, uniformizados para um determinado grupo de pessoas. É por isso que as avaliações técnicas, que tem obrigatoriamente um caráter bastante rigoroso, devem ter parâmetros bem definidos para que as pessoas devidamente treinadas possam reconhecer, identificar e estabelecer níveis de intensidade e qualidade de diferentes atributos sensoriais. Especialistas em avaliação sensorial tem de ser calibrados periodicamente para que seu julgamento não se distancie demais dos padrões técnicos e enverede pelo campo da preferência pessoal, fazendo com que uma avaliação deixe de ser isenta.

Quando falo de aptidão estou me referindo à capacidade que uma pessoa tem de perceber Aromas (= Olfato apurado ou treinado) e Sabores (= Paladar apurado ou treinado). O Paladar tem importância fundamental, pois ele funciona sempre, mesmo quando você ficar constipado. E, diferentemente do Olfato, com bom treinamento você aprende a identificar e caracterizar cada resposta física na Boca!

A Avaliação Sensorial Pontuada ou Objetiva, como a criada pela SCAA – Specialty Coffee Association of America (Associação Americana de Cafés Especiais), também estabelece uma faixa de incerteza na pontuação feito por um Juiz Certificado SCAA ou Q  Grader Licenciado. Isso deve ser feito porque cada profissional, ao ser considerado como um sofisticado equipamento de avaliação sensorial (inclusive você!), é normal ter sua faixa de incerteza.

Veja este exemplo: a SCAA considera um lote de café (no caso válido para o grão cru ou na condição de matéria prima) ESPECIAL se obtiver no mínimo 80 pontos SCAA numa avaliação sensorial.

Se um profissional pontuar um lote com exatos 80 pontos SCAA, que é justamente um número que fica, digamos, na linha divisória entre as categorias, podemos interpretar que ele está sobrevalorizando esse lote se ele estiver na condição de vendedor ou simplesmente subvalorizou se for um comprador. Que dúvida cruel, não?

É por isso que adota-se uma variação de +/- 1 ponto SCAA ao valor dado ao lote avaliado por um juiz certificado. E para se ter certeza de que um lote é realmente especial, um valor de referência razoável é o de 82 pontos SCAA.

Mas voltemos ao mundo das pessoas comuns…

Se você não conseguiu identificar uma nota de sabor que lembre o do pêssego ou de uma compota de ameixa preta, não se preocupe. Não se angustie com descrições quilométricas que algumas pessoas muito treinadas possam fazer de um determinado café (ou qualquer outra bebida como o vinho e a cachaça!). Muitas vezes isso é resultado de anos de treinamento constante e até por dever do ofício, ou seja, entenda como algo essencialmente técnico.

O importante é que o seu julgamento seja simplesmente GOSTEI ou NÃO GOSTEI. O que vale é que você se lembre como algo que foi agradável ou não.

E, tenha certeza: se você gostou, vai querer repetir essa bela experiência novamente.

É o que importa!

Norte pioneiro do Paraná sob um olhar nipônico

Daniel Kondo

A maior colônia japonesa do mundo encontra-se no Brasil e sua trajetória se iniciou com um chamado para os Campos de Café.

No final do Século XIX, o Japão estava com sua economia arrasada devido a seguidos confrontos bélicos com seus vizinhos continentais como a Coréia. Nesse mesmo período uma revolução social acontecia no Brasil com a Lei da Abolição da Escravatura, mais conhecida como Lei Áurea, assinada pela então Princesa Isabel, filha de D. Pedro II, encerrando por decreto uma das páginas negras da História Social do Brasil.

Com a alforria dos escravos, os fazendeiros produtores de café, juntamente com o governo republicano recém iniciado, foram em busca de trabalhadores em países que estavam passando por grave crise econômica como era o caso do Japão, no Extremo Oriente, e da Itália e Espanha, na Europa.

Foi no Japão que a notícia de que no Brasil o dinheiro dava em árvores repercutiu intensamente!

A primeira leva de imigrantes do País do Sol Nascente aportou em Santos em meados de 1908, esperançosos de fazer fortuna e retornar ao Japão.

O movimento imigratório japonês se reforçava a cada dez anos (meus avós paternos, por exemplo, desembarcaram em 1918) e, uma vez em solo brasileiro, eram conduzidos às fazendas de café no interior de São Paulo e do Paraná. No fluxo de 1927 veio um jovem de nome Haruo Ohara, ainda com 18 anos, que foi designado para trabalhar em uma fazenda no interior de São Paulo. Com grande capacidade de trabalho, conseguiu juntar dinheiro suficiente para comprar um pequeno pedaço de terra nos arredores de Londrina, Norte Pioneiro do Paraná.

Além da inevitável lavoura de café, plantou frutas diversas em sua Chácara Araras, onde criou sua família. Porém, quando tinha 29 anos mergulhou no mundo na fotografia.

Apesar de querer simplesmente fazer um relato fotográfico de sua família e seu dia a dia, Ohara revelou olhar de notável sensibilidade, capturando momentos que emocionam pela beleza plástica e rigor estético.

Com o passar dos anos, esses registros passaram a constituir parte da memória do Norte Pioneiro do Paraná e seus anos de glória. Até a nefasta geada negra de 1975, o Estado do Paraná reinava como o maior produtor de café do Brasil, responsável por quase metade de tudo o que se produzia. Porém a partir do inverno de 1975, o parque cafeeiro quase se extinguiu, restando menos de 10% da área cultivada e fazendo o Paraná perder 80% de seu faturamento.

Algumas geadas menores depois, apesar de uma assustadora em 1994, o Norte Pioneiro retomou seu caminho como Origem de grande importância não apenas pela sua saborosa história e sua incrível Terra Roxa, mas pelas características sensoriais redescobertas em excelentes lotes de café.

Ohara capturou e perpetuou alguns dos mágicos momentos desse rico período da cafeicultura paranaense como poucos. Na foto ao lado, tirada em 1965, está seu filho em primeiro plano, vendo-se uma bela lavoura de café ao fundo, no Sítio Hasegawa, Londrina, PR. Observe a belíssima composição e a delicadeza das sutis variações do cinza!

Ohara faleceu em 1999, com 90 anos.

Em 2008, sua família doou esse rico acervo para o Instituto Moreira Salles, que publicou nesse mesmo ano o livro Haruo Ohara – Fotografias (IMS, 2008, 159 páginas).

PSLondrina não faz parte da área com Indicação de Procedência NORTE PIONEIRO DO PARANÁ, cuja gestão estratégica é feita pela ACENPP – Associação dos Cafés Especiais do Norte Pioneiro do Paraná.

Os territórios brasileiros do paladar

Daniel Kondo

A forma de selecionar, preparar e consumir alimentos é reflexo da cultura de um povo.

Diversos estudos mostram a evolução do Homem a partir do domínio do Fogo, permitindo um salto em sua organização e forma de viver partindo de um simples colhedor de frutas frescas a um sofisticado elaborador de comidas de diversos ingredientes.

Nesse meio tempo descobriu as maravilhas da fermentação que ajuda a transformar matérias primas como o leite e a farinha em alimentos de sabores e texturas agradáveis com maior tempo de conservação como o queijo e os pães. Ah, é claro, não podemos nos esquecer da importante descoberta da fermentação alcoólica, cujas bebidas resultantes substituiram a água sem tratamento higiênico em tempos medievais europeus até ganharem destaque na forma de vinhos e bebidas espirituosas.

Com o conhecimento dos processos de fermentação alcoólica, outras matérias primas foram empregadas, cada qual revelando o que havia de disponibilidade e condições locais, resultando numa miríade de bebidas fantásticas ao redor do mundo: Tequila, Sake, Arak, Cachaça, Vinho, Rum e vai por aí afora.

Começa neste dia 29 de Junho a 6a. PALADAR COZINHA DO BRASIL, emblemático evento de conhecimento gastronômico sob coordenação do Caderno PALADAR do jornal O Estado de São Paulo, em São Paulo.

Em seu início havia uma preocupação em mostrar uma Cozinha Brasileira, ou seja, pratos que expressassem elevado grau de conhecimento e técnica preparados com ingredientes brasileiros. Foram chamados grandes Chefs (ou Cozinheiros, como alguns preferem ser tratados!) estudiosos desses ingredientes. Receita de puro sucesso, de crítica e de público!

Em sua evolução, o Evento Paladar ganha maior foco no resgate e destaque aos ingredientes deste mundão que é o Brasil, que pela sua graaaaande extensão territorial e localização privilegiada no planetinha Terra apresenta uma riquíssima diversidade de climas e vegetações, devidamente temperada por uma mixigenação étnica e cultural típica dos países do Novo Mundo.

Apesar do crescente apelo que os clássicos países europeus ou distantes e milenares asiáticos despertam no brasileiro, exercendo quase hipnótico chamado para uma visita, nosso país ainda tem muito a ser conhecido, explorado e, também, em tempo de ser resgatado!

Resgatado porque algumas das espécies vegetais estão simplesmente se extinguindo, às vezes pela intromissão do Homem em nome do Progresso, outras vezes por uma alteração dos Elementos de Território. E é aqui que gostaria de fazer um destaque.

Você sabia que os queijos mineiros produzidos em Minas Gerais (então, os verdadeiros mineiros!!!) em geral não tem o leite pasteurizado para sua elaboração, assim como alguns de seus primos franceses, italianos e portugueses? O Queijo Canastra, que possui textura e sabores inconfundíveis, é produzido numa região de paisagem conhecida por Mar de Morros, onde o gado pasteja livremente por campos abertos com capim por vezes ralo. Com uma produção de leite bem abaixo dos locais mais tecnificados, este resulta muito mais concentrado e “gordo”, e que com uma tradicional técnica se transforma num dos mais emblemáticos produtos com o Selo de Procedência de MG. Devido a uma linha de pensamento conhecida como ASSEPSIA TOTAL, que interessa principalmente às grandes indústrias, não pode ser comercializado fora dos limites do Estado de Minas Gerais. O Governo Mineiro, ciente da importância cultural do Queijo Canastra (e de outros primos), decidiu que não só deve ter seu comércio livre no território de Minas Gerais, mas, também, ter seus processos preservados e até aperfeiçoados. Muito lúcido!

Em alto ponto de ebulição está também a discussão sobre o uso de tachos de cobre para fazer os deliciosos doces como o Doce de Leite e Geléias. Uai, tem jeito melhor de fazer?

E o Frango ao Molho Pardo, então, que está proibido de ser servido em restaurantes de São Paulo?! Pasmem, prato de tradição tão arraigada na cultura interiorana de São Paulo e Minas Gerais, vai virar fotos e textos em livros de culinária histórica!

Tudo deve ter bom senso. Pior são os produtos industriais, que vira e mexe tem grandiosas alterações em seus processos e resultado final graças às sutis mudanças de legislação ou em sua interpretação, como o terrível caso das “Bebidas Lácteas” em lugar do velho e saudável Iogurte, das margarinas que são pura massa de aditivos alimentícios permitidos pela legislação e que ficam Anos Luz a dever em sabor e até salubridade. Afinal, se fosse boa não precisaria dizer que não tem gordura trans…

E o café nisso tudo?

Bem, os produtores estão se esmerando, muitas torrefações artesanais estão surgindo com boas propostas e cafeterias pululam para fazer chegar ao consumidor os sabores de cada Território, alguns já distinguidos por INDICAÇÃO DE PROCEDÊNCIA como o Cerrado MineiroSerra da Mantiqueira Mineira e Norte Pioneiro do Paraná.

Que tal experimentar mais o Brasil?

Um contrato com São Pedro

Daniel Kondo

Um dos maiores desafios que os agricultores tem é o de saber como o clima irá se comportar durante a safra que ele está cuidando. Diferentemente de uma indústria, que tem praticamente todos os fatores sob controle, trabalhar com a Natureza envolve um elemento que tem grande impacto e é incontrolável pelo Homem: o Clima.

Um período de seca fora de hora (conhecido como “Veranico”), dias de muita chuva, granizo e massas polares agressivamente frias fazem parte de um cardápio totalmente desafiador e inesperado a cada ano.

Por certo, o maior desejo de um produtor é o de ter umContrato com São Pedro onde ficariam definidas as épocas e quantidades de chuvas, bem como as temperaturas mais  adequadas a cada momento do desenvolvimento das lavouras.

Neste Ano Safra de Café, diversos fenômenos trouxeram grandes preocupações aos produtores. Desde inesperadas chuvas de granizo na Mogiana e Centro-Oeste de São Paulo na transição entre a Primavera e Verão em 2011 a uma seca prolongada a partir de Janeiro, num momento em que ter água em abundância é fundamental para que os frutos dos cafeeiros se desenvolvam perfeitamente deixou muita gente preocupada.

O Outono Brasileiro, que começou em 21 de Março, se mostrou bastante diferente do usual com Temperaturas Máximas e Mínimas, principalmente estas, bastante acima do normal. Prefiro trabalhar com estas duas temperaturas ao longo do ano e não com a chamada Temperatura Média que usualmente é empregada. Há uma delicada questão sobre o significado da Temperatura Média, que posso comentar em outra oportunidade..

Bem, quando essas duas temperaturas ficam mais elevadas, principalmente a mínima, significa que a entrada de Massas Polares é muito mais fácil, o que se traduz em chuvas num período em que não são normais ou, pior ainda, bem vindas. Frutas como os do cafeeiro tem um ciclo cuja colheita acontece entre o final do Outono e meados do Inverno. Se o Outono continua quente, as plantas entendem que ainda não chegou o momento para sua hibernação. Por outro lado, se as chuvas se prolongam com temperaturas relativamente altas, fazem com que as plantas continuem a trabalhar intensamente seus frutos, fazendo-os crescer. É por esta razão que em anos em que essa combinação acontece, os frutos do cafeeiro se apresentam maiores, pois as sementes continuam a crescer.

Chega um momento em que a casca externa dos frutos não conseguem mais acompanhar o crescimento das sementes. É quando essas cascas se rompem. Uma tragédia para a qualidade!

Cascas rompidas num ambiente de alta umidade se tornam portas de entrada a contaminações por fungos e bactérias. No caso de frutos que ficaram maduros e atingiram o estágio “Passa”, quando a casca externa começa a murchar e ficar mais escura, o ataque por microorganismos pode ser ainda mais desastroso, levando à podridão, que se reflete na xícara com a presença do Creosol e seu repugnante gosto químico.

A elevada umidade relativa do ar dificulta os trabalhos de colheita, porém muito mais nos procedimentos de secagem das sementes. Afinal, ar seco é o “santo remédio” contra a umidade nas sementes!

Observe na foto abaixo como os fungos se instalam na casca que começou a murchar. Ela não consegue isolar as sementes dos microorganismos que estão na superfície, que acabam migrando para as sementes, estragando-as definitivamente quando o ambiente está muito úmido.

Imagine que as variedades mais precoces, como o disputado Bourbon Amarelo, são justamente as mais afetadas por esse clima destemperado, prejudicando a qualidade da bebida. Por outro lado, com a umidade do ar mais elevada por um período prolongado, há prejuízo certo para os frutos que irão amadurecer ou se tornar Passa neste princípio de Inverno!

Problema sério!!!

Isto significa que a dificuldade para se ter sementes de qualidade excepcional será maior neste ano, enquanto que lotes com problemas de fermentações indesejadas se multiplicarão. Reflexo certo será o descolamento do preço de lotes de café de alta qualidade ante cotações dos de qualidade inferior.

Para uma esperada grande safra brasileira, como algumas empresas e instituições vinham pregando para este ano, esta pode ser uma pancada que provocará doloridas consequências para o cumprimento de contratos assumidos ainda no ano de 2011. Assim como foi em 2008…

Produtos de território: Promovendo origens

Daniel Kondo

Nesta semana foi anunciada a mais nova Origem de Cafés do Brasil que teve concedida suaIndicação de Procedência (I.P.) pelo INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial: o Norte Pioneiro do Paraná. É a terceira origem que obteve essa concessão, após o Cerrado Mineiro e aSerra da Mantiqueira de MG.

Na verdade, este é um primeiro estágio de um longo processo que pode estimular a economia local de forma integrada e global. O reconhecimento dos chamadosProdutos de Território, que tem no vinho e queijos certamente os produtos mais conhecidos, se inicia pela notoriedade da origem produtora. A localidade tem de ser reconhecida pelo público e mercado pelo seu produto. A notoriedade é a fama construída de forma consistente e contínua, assim como o trabalho de um excelente médico ou um inspirado artista.

No caso do café, o caminho seguido é aquele em que a qualidade sensorial dos lotes produzidos nessas origens passa a fazer fama entre os apaixonados e “loucos” por café. Em geral, os primeiros resultados se devem ao êxito alcançado em concursos de qualidade ou através da seleção por torrefações de prestígio que tem como princípio preservar e promover a origem de cada lote adquirido.

A Indicação de Procedência, como estabelecida pelo INPI e que segue linha distinta da WIPO – World Intellectual Property Organization e seu Tratado de Lisboa, reconhece apenas o local onde existe um produto ou um serviço que alcançou fama muito além de suas fronteiras. Apenas isso.

A Indicação de Procedência não tem o mesmo status daDenominação de Origem (D.O.), que vincula as características sensoriais particulares de um produto com o seu território como acontece com um Vinho do Porto de Portugal ou um Queijo Grana Padana da Itália. Estes produtos possuem sabores e aromas muito particulares, que os fazem reconhecidos por paladares até minimamente treinados em diversos países. É importante destacar que a D.O. se aplica a produtos de origem agropecuária, pois há um necessário vínculo sensorial.

Obter o reconhecimento para uma D.O. é muito mais resultado de um complexo trabalho que abrange educação do consumidor (ensinar a ele os sabores que fazem parte de um café tipicamente produzido em Jacarezinho, PR, por exemplo, é uma tarefa fundamental!), promoção da região através de um projeto turístico e, principalmente, organização, muita organização por parte dos produtores e suas comunidades.

Com a I.P. é possível criar roteiros atraentes para que consumidores passem a visitar as origens e conhecer sua cultura local. Veja que isso pode ser um grande estímulo para ajudar na preservação dos usos e costumes culinários de uma região!

Outra sugestão é a de divulgar os sabores de seus produtos, educando o paladar dos seus fãs cativos com a industrialização, oferta de  serviços e a venda de cafés com a identificação de seus produtores, além de uma completa descrição de como o lote foi produzido. Isso agrega valor, desperta o interesse e cria um círculo virtuoso de esforços e sucessos.

As portas estão definitivamente abertas!

COFFEE HUNTERS 2012 – Projeto #5

Daniel Kondo

Estão abertas as inscrições para o Projeto #5 do Treinamento para Coffee Hunters em 2012!

Este é um treinamento que foi desenhado para atender a  uma nova classe de profissionais, chamada de Super Especialistas, e que é estruturado em 2 etapas: A CAMPO e EM LABORATÓRIO.

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Na etapa A CAMPO, os treinandos visitam duas origens produtoras para conhecer, identificar e, posteriormente, comparar, os Elementos de Território e Técnicas & Procedimentos utilizados. São escolhidos alguns lotes de café que apresentam algo que se mostre interessante durante a colheita e o processo de secagem.

O Treinamento recebe o codinome de Projeto pelo fato de que os roteiros, ou seja, as localidades que são objeto de estudo, não se repetem. São definidas de acordo com o desenvolvimento dos frutos e elementos climáticos, que são particulares a cada ano. Essa diversidade de origens visitadas em cada Projeto tem proporcionado a criação de um belo acervo de conhecimento, além do encontro de verdadeiros tesouros sensoriais produzidos Brasil afora.

Na etapa EM LABORATÓRIO, com amostras dos lotes escolhidos durante a etapa A CAMPO, são feitas avaliações sensoriais e estudos de torra para identificar e compreender o impacto de cada Elemento de Território na xícara. É uma série de estudos muito importantes para aqueles que pretendem utilizar alguns dos lotes no serviço em cafeterias e micro torrefações.

Os trabalhos são centrados na análise sensorial e composição de perfis de torra para cada verificar o desempenho sensorial de cada lote de café nos diferentes serviços.

O modelo adotado para este Treinamento é o Coaching, pois o principal objetivo é o de construir uma linha de raciocínio lógico para compreender como cada semente de café pode se expressar numa xícara de café. É por esta razão que o número de vagas é bastante limitado, para que o aproveitamento seja excelente.

Há um processo seletivo para a composição do grupo de treinandos, que se inicia com o envio da Ficha de Inscrição juntamente com um Currículo. É, então, agendada uma entrevista. O Processo Seletivo para o Projeto #5 se encerra no dia 22 de maio, quando serão definidos os participantes.

O Treinamento tem o valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) e para saber mais sobre a forma de pagamento, além de outras informações e como obter a FICHA DE INSCRIÇÃO, entre em contato conosco através do email cafeotech@uol.com.br  .

Aguardo vocês!

Chá não é só para doente: Os sabores da camelia sinensis

Daniel Kondo

Algumas profissões tem nomes, digamos, bem fundamentados e, portanto, consagrados, como o deCozinheiro e o de Engenheiro. No entanto, outras mais modernas, acabam sendo formadas na língua portuguesa no Brasil aproveitando-se os nomes originais em outras línguas ou quando, simplesmente, são usadas diretamente. É o caso de Barista e Sommelier. São estas duas palavras tão difundidas em todo o mundo que não receberam qualquer adaptação, sendo assim faladas e escritas em muitas línguas.

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Com as transformações cada vez mais rápidas e intensas no Mundo, assim como algumas profissões ficam relegadas ao passado, outras surgem na esteira dos novos mercados. Países jovens, como é o caso dos que estão no chamado Novo Mundo, tiveram influência cultural da Europa, seja pelos portugueses e espanhóis, seja pelos ingleses e holandeses. Isso explica em boa parte o porque de alguns usos e costumes em cada região.

Por exemplo, é muito comum no Brasil se associar o ato de  tomar sopa ou beber chá com uma pessoa doente!

Num país tropical como o nosso, beber infusões ainda quentes é sinônimo de “santo remédio”… sendo uma rara exceção o Cafezinho, que para o brasileiro é heresia tomar se não estiver “pelando” de quente.

Treze anos atrás uma gaúcha espivetada resolveu abrir aquela que seria a primeira loja especializada em chás de alta qualidade no Brasil. A Companheira de Viagem Carla Saueressig, num projeto de fé fervorosa, aproveitando sua ascendência germânica e a rica educação sensorial que seus pais lhe repassaram, resolveu apresentar uma proposta de trabalho a uma das mais prestigiadas casas comercializadoras de chá da Europa: a Tee Gschwendner. Conversa boa, trato feito!

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Instalou-se num pequeno espaço no Shopping Iguatemi, em São Paulo, pois era esse o local onde certamente encontraria pessoas que entenderiam sua proposta inovadora de trabalho. Foi nessa época que a conheci.

O seu espírito aventureiro e curioso fez com que se aprofundasse no estudo dos chás, aprendendo adegustaravaliar e, principalmente, compreender os diferentes processos de produção, além do que cadaterritório pode oferecer. Estudar, se aperfeiçoar na degustação e avaliação são atividades que fazem parte do seu dia a dia também.

A Carla certamente é a grande Especialista em Chás no Brasil nos dias de hoje. Ou seria Cha-rista, porque sabe preparar chás como ninguém? Ou, ainda, como um amigo em comum sugeriu, seria elaTea-óloga?

Bem essa é uma questão que somente o tempo irá resolver… Gostaria agora de compartilhar algumas experiências sensoriais que a Carla preparou para mim.

Na foto acima tem uma xícara com uma infusão do espetacular Chá Verde japonês Gyukuro Nozomi.Produzido na Província de Aichi, no meio do caminho entre Tokyo e Kyoto (rota conhecida no Japão Feudal como o O Caminho de Tokkaido), a cerca de 700 m de altitude, suas tenras folhas (sempre as terceiras de cada ramo, contadas a partir da ponta) são colhidas quando as plantas daCamelia sinensis se encontram a plena atividade depois do rigoroso inverno. O detalhe para a produção deste raro chá fica por conta do uso de invólucros que estimulam a formação de clorofila adicional nas folhas, simulando um processo de quase sombreamento. O resultado: um chá de aroma intenso com notas a baunilha, que se repetem na bebida adocicada e extremamente macia!

Este é um caso em que as características de território são reforçadas pela mão do homem, que foi sábio!

Nesta foto ao lado se vêem duas xícaras feitas de um único chá. É um Oolong produzido em Taiwan, em estupendos 1.200 m de altitude!

Segundo Carla, Taiwan é produtora de excepcionais Oolongs, grande parte destinando-se ao sofisticado mercado japonês (como curiosidade, os japoneses pronunciam O-ROONGU CHA). Recebem esta classificação folhas que sofreram um processo de fermentação estimulado por impactos com bastões. A ruptura dos tecidos vegetais são prato cheio para reações enzimáticas. O controle é feito unicamente pela sensibilidade dos Mestres de Fermentação; notas de aromas e sabor elegantemente frutados como pêssego são o resultado deste processo.

Presente valioso do amigo Chen Chia-Chun, este foi o chá vencedor de um concurso de qualidade. Suas folhas são enroladas em espiral, diferente dos Oolong Dragon Ball, que se assemelham a bolinhas. Carla preparou duas infusões diferentes para ver qual seria a mais indicada. Na xícara da direita a infusão foi de 2 minutos, enquanto que na da esquerda, 3 minutos, conferido pela tonalidade mais escura como caramelo.

O que impressionou quando colocamos o Nariz à prova foi a sensação de “maresia”, principalmente na infusão mais longa, considerada a mais apropriada para este chá!

Foi quando a Carla comentou que esta é uma nota de aroma que eventualmente está presente em excepcionais Oolongs produzidos em Taiwan, pequena ilha com topografia muito diversificada. Ou seja, o Território, a partir de suas condições geográficas, se expressou de forma fantástica nesta xícara!

A marcha dos robustas

Daniel Kondo

Tive algumas experiências muito interessantes nos últimos dias com cafés Robusta e Conilon, duas das principais variedades da espécie canephora, e surpreendentes combinações com variedades dearabica. 

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Só para recordar, as plantas e frutos dessas duas espécies mantém muitas diferenças, apesar de conviverem com muita frequência em blends de todo o mundo. Além do número de genes, 44 na arabica e somente a metade, ou seja, 22 na canephora, gostaria de destacar algumas características que tem importante impacto sensorial: os teores de óleos, açúcares e de ácidos clorogênicos.

Sementes das variedades do canephora tem quase o dobro do teor de óleos e ácidos clorogênicos que nas doarabica, enquanto que nestas os açúcares é que estão em maior teor, praticamente o dobro que numRobusta ou num Conilon. A maior resistência às doenças fúngicas fez com que diversos trabalhos de melhoramento genético se utilizassem do canephora como base para as chamadas variedades modernas, entre elas o Obatã e o Catucaí.

No entanto, a mudança de composição entre esses elementos (óleos, ácidos clorogênicos e açúcares) pode se expressar mais intensamente dependendo das condições locais de produção. Nossa linha de  raciocínio sempre leva em conta o balanço de energia que está envolvido no Ciclo da Fruta (= Ciclo Fenológico), cuja tradução se dá pelo teor de açúcares e sua formação. Como sempre digo, açúcar é tudo na vida!

Assim como a maturação de uma fruta acontece quando o teor de açúcares geneticamente programado é alcançado, é, também, essa quantidade de açúcares que define como será o Perfil de Torra dessas sementes. Se globalmente a semente de uma espécie possui menor teor de açúcares que de outra, fica evidente que a quantidade de energia necessária para se atingir a Etapa de Pirólise  será diferente para cada uma.

Nesta foto apresento  um Gráfico Visual que utilizo nos cursos avançados de torra de café; no caso, corresponde a um Ciclo de Torra de Conilon. Observe que a Etapa Intermediária, que compreende as Reações de Maillard, é bastante extensa, principalmente se comparada com a etapa final, quando há o predomínio da Reação de Pirólise.

São essas diferenças, digamos, de nascença entre variedades dessas duas espécies que provocam sensíveis diferenças sensoriais!

O menor teor de açúcares faz com que notas de aroma e sabor que se originam na Etapa de Pirólise se pronunciem mais. Especiarias de caráter mais medicinal como uma nóz moscada, pimenta do reino e até cardamomo podem surgir e ser percebidos por pessoas sensíveis a estas notas. É por isso que comumente as pessoas acham “picante” o sabor de bebidas com presença de Robustas ou Conilon!

Recentemente a Nespresso relançou uma cápsula de edição limitada, o Kazaar. É algo surpreendente, pois segundo executivos da empresa, este relançamento foi resultado de uma longa lista de pedidos para que esse ousado blend de Robusta da Guatemala (uma das ousadias!), Conilon Capixaba (ousadamente Cereja Descascado) e um toque de arabica do Cerrado Mineiro. Aqui podemos afirmar que o Mestre de Blends foi genial, pois compensou a menor doçura resultante da torra dos canephoras com um convite aos grãos evidentemente de frutos maduros produzidos numa região privilegiada pelo clima seco durante a colheita.

Não é bebida fácil a desta cápsula de belo azul marinho, mas para iniciados. De potência extrema, reforçada pela extração hiperbárica(que pode atingir impressionantes 19 bar!) numa ecomoderna Pixie, de belo e inteligente design, exige certo preparo físico e psicológico, ainda mais que seu serviço recomendado é o ristretto!

Mas, vale a experiência sensorial, sem dúvida.

Fica clara a percepção do intenso amargor provocado pela avalanche de ácidos clorogênicos (da “família” da cafeína), das notas de sabor como tabaco e especiarias típicas de um robusta de alta qualidade, cujas arestas são minimizadas pela doçura e alteração na percepção de corpo provocadas pelo Cerrado Mineiro.

Para finalizar, gostaria de comentar sobre as variedades com híbridos de canephora, como o Catucaí e o Obatã. Em particular este último, que tenho acompanhado o comportamento de lavouras de diversas idades em diferentes territórios.

Mais uma vez, certamente numa das lavouras mais antigas de Obatã, localizada em São Paulo, em condições geoclimáticas que fazem com que a faceta fenotípica doscanephoras se expresse sem qualquer cerimônia, um efeito que nos leva a muitas reflexões se confirmou. Reconhecido como sementes de planta de variedadearabica, a bebida se mostrou muita próxima do…Kazaar!

Foi surpreendente, pois ajustando a concentração de ambos, a similaridade sensorial foi muito positiva, reconhecida até pelos alunos do último curso de Educação Sensorial em São Paulo.

Cup Shock: Cafés do Brasil são surpreendentes!

Daniel Kondo

Você já assistiu ao filme Bottle Shock, que no Brasil saiu com o nome de O Julgamento de Paris?

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Lançado em 2010, este belo filme dirigido por Randall Miller conta a impensável história de um sommelier britânico radicado em Paris que resolve agitar o mundo dos vinhos ao viajar à América em busca de novos sabores e emoções.

Em 1976, Steven Spurrier, personificado pelo sempre impecável Alan Rickman, segue para o Napa Valley, CA, USA, para conhecer as vinícolas da primeira origem do que seria conhecido como Novo Mundo num puro projeto de garimpagem. Encontra a família Barrett, proprietária do hoje místico Chateau Montelena, e com o jovem Bo, vivido por Chris Pine, e seus inseparáveis amigos Gustavo (Freddy Rodriguez), um filho de imigrantes mexicanos e enólogo autodidata, e a bela Sam (Rachel Taylor), andam por toda a região.

Feita a seleção das melhores garrafas, Steven retornou a Paris, onde organizou o que seria a mais famosa degustação comparativa entre vinhos dos dois mundos: oClássico Francês versus o Caipira Californiano.

Grandes enólogos e sommeliers, acompanhados avidamente por importantes jornalistas, provaram às cegas e deram o seu veredito. E que acabou surpreendendo aos próprios juízes!

Belíssima fotografia, grandes elenco e uma trilha sonora embalada por deliciosas canções do The Doobie Brothers. Veja o trailer oficial através do link abaixo:

Bottle Shock Movie Trailer

Há uma grande mensagem passada por este filme  e que se presta muito bem aos cafeicultores do Brasil: assim como os vitivinicultores californianos, considerados rudes pelos franceses, muitos lotes simplesmente fantásticos tem sido produzidos em nosso país desde sempre!

Alguns paralelos podem ser feitos com o nosso povo do café e os produtores de vinho do filme: há uma busca incessante em buscar o melhor na produção, apesar do certo ceticismo em relação à qualidade do que se produz.

Isto acontece com muita frequência por aqui, pois raros são os produtores que decidiram conhecer a fundo o que estão produzindo.

Nossos cafeicultores são competentes ao fazer as árvores produzirem frutos aos borbotões, mas cometem falhas que se mostram fatais no quesito qualidade no momento da colheita e da secagem. Quando, muitas vezes apenas guiados pela intuição ou por pura sorte conseguem ultrapassar essa fase, esbarram numa comercialização que em geral se parece como impenetráveis muralhas.

Pessoas como o personagem Gustavo, que procurou estudar a fundo a bebida, sua produção, conceitos técnicos e, principalmente, aprender a degustar, devem se multiplicar também na cafeicultura. No caso do café, nem sempre o tamanho das sementes, conhecido como “peneira”,  é sinal de que o lote tem excelente bebida. Portanto, aprender a degustar e saber como o seu café bebe é parte do ofício do novo cafeicultor.

Conhecimento é o que define o domínio do jogo comercial.

Quando o nível de conhecimento é semelhante, existe equilíbrio e, em geral, a comercialização segue um rumo saudável. Quando o desequilíbrio acontece, quase sempre pendendo para o lado de quem compra, o saldo pode ser amargo para o produtor.

Não há outra saída: aprender, treinar e, assim, conhecer cada lote de café produzido. Degustar é manter diálogo com a bebida, conhecer seus deliciosos segredos ou mesmo seus defeitos e problemas que podem macular o lote. Só assim o cafeicultor pode realmente chamar cada lote de “seu filhote”!

Se você assistiu ao filme, vai entender porque o Cup Shock ( ou o Choque das Xícaras!) chegou aosCafés do Brasil: veja nesta foto a tabela de preços de cafés de uma cafeteria referência em Portland, OR. Sim, é justamente um café brasileiro o mais caro da lista entre tantos outros mais famosos!

E que seus aromas e sabores justificaram plenamente o seu valor, reconhecidos por Mr. Spurriers do Café de diversos países!

Por que Blend? – 3

Daniel Kondo

E qual seria a lógica para se fazer um Blend?

Podemos dizer que existem dois caminhos distintos: um é o que norteia a elaboração de um produto para a grande massa consumidora, e outro, mais elaborado, privilegia sutilezas.

O mercado de Cafés Especiais (= Alta Qualidade Sensorial) é estimado entre 4% a 5% do mercado global de café, que é da ordem de 145 milhões de sacas de 60 kg (de café cru), que, estatísticamente, corresponde à média de produção desse padrão de produto inclusive  nas fazendas de café. Portanto, 95% do volume de café que está no mercado consumidor é de cafés de preços mais competitivos, das grandes indústrias de torrefação e que tem distribuição feita principalmente nas grandes redes de varejo.

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 Nos países do Norte é comum você encontrar o “Morning Blend” ou o “House Blend”. O que caracterizaria cada um?

O café é uma bebida que provoca percepções como AcidezDoçura,Corpo (que é diretamente relacionado com a Doçura) e Amargor(exclusivamente devido à presença da cafeína e outros companheiros clorogênicos). Vamos partir do princípio que estamos falando de cafés honestos, com o mínimo de adstringência, que é o famoso repuxamento da mucosa da boca com sensação de secura, e total ausência de problemas graves de bebida. Num café desta categoria percebemos de forma intensa os três primeiros atributos, enquanto que o Amargor somente surge em destaque caso os anteriores estejam em muito menor proporção.

Com base nessas percepções, a estrutura básica de um Blendcontém um Café de Base, que deve ser limpo (sem defeitos de bebida), de bom nível de doçura e pouca acidez, um Café para Ajustar Acidez (ou Modulador de Acidez) e um terceiro café, que seria o “tempero” para dar, digamos, um toque especial como uma nota floral ou frutada. Em geral, o Morning Blend, como o próprio nome diz, indicado para começar o dia, tem um perfil sensorial ligeiro, bem esperto, como deve ser um café para ligeiramente chacoalhar nosso espírito e torná-lo pronto para mais um dia de labuta.

Fica claro que com as inúmeras origens de café e as possibilidades de composição, mesmo como o de um bem básico Morning Blend, a quantidade de produtos se torna grandiosamente incontável!

Tecnicamente o que diferencia um Café Especial de um Café Comum está no nível de qualidade. Quanto mais livre de defeitos de bebidas, tanto mais nítidas as notas de Aroma e Sabor se tornam. Seria, comparando, como ter um vidro limpo e outro embaçado. Você enxerga com nitidez se não houver sujeiras ou vapor embaçando a transparência do vidro; quanto mais limpo, mais nítido fica o que se observa do outro lado!

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Neste segmento, são empregados cafés de excelente qualidade com atributos sensoriais muito bem definidos (ah, nada como ficar livre da “visão embaçada”…!) e apesar de se utilizar da mesma lógica para produzir osBlends de preços mais competitivos, os resultados podem ser simplesmente fantásticos. Na foto ao lado temos umBlend do dinamarquês Coffee Collective: 50% Daterra, Cerrado Mineiro, Brasil; 25% Finca Vista Hermosa,Guatemala; 25% Adado Yirgacheffee, Ethiopia.

Observe que o brasileiro Daterra produzido no Cerrado Mineiro corresponde a metade da composição. Cafés do Cerrado Mineiro tem como característica básica a delicada acidez, muitas vezes suplantada pela doçura devida a uma correta colheita de frutos maduros. Como disse antes, é a base do Blend! Acidez discreta, de sabor limpo (= sem defeitos de bebida) e boa doçura que, por conseguinte, leva a uma bebida encorpada. Base sempre tem maior participação.

A função do etíope Adado, da mítica Yirgacheffee, é a de modular a acidez do Blend, uma vez que esses cafés tem grande acidez Cítrica por vezes combinada com a do Ácido Fosfórico. Finalmente, o guatemalteco Finca Vista Hermosa com suas notas minerais e intenso floral dá o toque de elegante exuberância à bebida.

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 Veja que interessante o rótulo deste vinho argentino, o Gestos 2008 da Finca Flichman.

É corte de mesma uva, a simbólica Malbec, originada em duas regiões diferentes: uma a 1.100 m de altitude e outra a 700 m. Solos, climas e, portanto, respostas diferentes (sim, os territórios são diferentes!). Enquanto uma parte dá brilho pela acidez, outra confere corpo pela maior doçura.

No café também existem Blends elaborados dessa mesma forma, quando são utilizadas sementes de mesma variedade, mas de diferentes origens. O resultado pode ser muito bacana!

O fundamento ao se criar um Blend é um só: EQUILÍBRIO!

Nunca uma acidez excessiva, que pode se tornar torturante numespresso, por melhores que tenham sido avaliada sensorialmente cada fração!

O importante é que tudo fique em seu devido lugar, como um competente time de futebol cheio de gênios da bola…

Por que Blend? – 1

Daniel Kondo

Cada boca, uma sentença!

Já ouviu algo assim?

Na verdade, o ser humano é sempre único, quero dizer, se não existem duas pessoas iguais (nem mesmo os gêmeos univitelíneos!), muito menos duas pessoas terão exatamente as mesmas percepções. Cada órgão do nosso corpo tem, digamos, uma capacidade operacional como ouvidos mais sensíveis ou um nariz extremamente bem equipado com  milhares de sensores olfativos. Porém, tudo isso só será bem empregado desde que haja uma “central” de grande desempenho para processar informações e correlacionar com diversas experiências para, então, chegar a uma dedução de bom senso.

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Imagine que você está numa cafeteria muito bacana, belo ambiente e, então, é hora de pedir um café. Você dá uma olhada na carta de cafés e decide pedir um coado do Blend da Semana.

Hum… e o que seria, afinal o Blend da Semana?

Algumas casas são altamente didáticas e procuram explicar ao consumidor “Louco por Café” como foi que chegaram ao Blend da Semana que está sendo servido. Você pode pensar: “Puxa, estou no Brasil, não tenho a possibilidade de encontrar um café produzido em Limu, na Ethiopia, ou mesmo um sempre instigante Guatemala de Hue Huetenango.”

Não tenha essa preocupação, até porque se você chegou a este ponto certamente já é sabedor de que o Brasil tem origens de café que se esparramam do Ceará ao Paraná e, portanto, podem ser encontrados cafés com uma riqueza impressionante de aromas e sabores com um punhado de países do Hemisfério Norte!

Numa descrição sensorial do café pode haver uma referência à sua acidez (alta ou muito discreta), encorpado (muito ou nem tanto) e a alguma nota de aroma que remete a algo bem conhecido uma flor ou uma fruta seca como nozes. Observe que, no fundo, muito da descrição será percebido por você desde que uma experiência semelhante tenha sido vivenciada. Só podemos descrever uma sensação depois de sentí-la!

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  A partir da descrição, uma expectativa é criada. “Será esse Blend da Semana tudo isso que escreveram?”

Chega o tão esperado café!

Perfumado, de aroma intenso… seria floral ou uma fruta? O risco de se somatizar a percepção de uma dada nota aromática é muito grande após saber qual é a descrição sensorial, principalmente quando a experiência em desvendar aromas e sabores é pequena e a insegurança que o pouco conhecimento provoca é muito grande. Indução quase que inevitável.

Para superar essas barreiras, experimente! Muito! Sempre! Tudo!

Voltando ao Blend da Semana… para os Iniciantes, é desejável que seja bem fácil e agradável de beber. “Fácil” é um termo que usamos para cafés com bebida, digamos, descomplicada, ou seja, com menor quantidade de informações sensoriais, centradas em sabores mais comuns. Um exemplo: uma bebida que tenha o clássico aroma com notas a caramelo, de boa intensidade; na boca a primeira coisa que se percebe é uma boa doçura, que revela a presença de boa quantidade de açúcares e, portanto, de que os grãos são de frutas colhidas maduras, como se deve! Pode haver um elegante toque cítrico devido a uma acidez de intensidade suficiente para, também, “quebrar” as notas “melosas” de caramelo.

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De forma simplificada, ao se pensar num Blend (sim, o que fazemos é Blend Design) a primeira questão é saber quem vai beber (será um iniciante ou iniciado?), como vai beber(ah… qual o melhor preparo?) quando (hum… pela manhã algumas pessoas gostam de sabores ligeiros, espertos, enquanto que à tarde algo mais repousante, caminhando para o relaxamento). Nem sempre um único lote de café produzido numa fazenda específica apresenta um leque extenso de informações sensoriais. É quando se torna necessário combinar diferentes lotes produzidos em diferentes fazendas de localidades distintas.

Um café produzido em região montanhosa tem uma tendência a apresentar maior acidez, enquanto que um produtor se especializou em produzir Naturais que carregam deliciosas notas que lembram frutas como o pêssego. Por outro lado, combinar diferentes variedades pode resultar em cafés de maior complexidade, isto é, que trazem muitas informações sensoriais, o que  é ótimo para testar a evolução de sua capacidade de degustar!

Subtropical, Serjão, subtropical! – 5

Daniel Kondo

A seleção boliviana de futebol, mesmo os clubes daquele país no caso da Copa Libertadores da América, sempre marca seus jogos em cidades de grande altitude, como La Paz, que está localizada acima dos 3.000 m acima do nível do mar. Isso não é por acaso…

O ar rarefeito daquela altitude faz com que a sensação de peso seja menor (a bola atinge velocidade maior do que num jogo de praia…), bem como para os jogadores não adaptados, traz dificuldade para respirar depois de uma corrida. As elevadas altitudes afetam o metabolismo, tornando ideal uma respiração mais pausada.

A respiração mais lenta devido às grandes altitudes tem impacto considerável nas plantas também.  O ar rarefeito tem sua relação entre o Oxigênio e Nitrogênio alterada, ficando o oxigênio com menor presença, o que obriga os seres vivos a respirarem ralentando como forma de adaptação.

A respiração tem ligação direta com o chamado Ciclo de Krebs ou do Ácido Cítrico, que, de forma simplificada, contribui para a formação de ácidos importantes no café, principalmente o Ácido Cítrico e, secundariamente, o Málico. A respiração lenta dá condições de maior presença desses ácidos, daí o Ácido Málico ser mais comum em cafés de origens muito elevadas.

A temperatura ao longo do ano tem impacto direto no Ciclo Fenológico da fruta do cafeeiro, que vai da florada ao ponto cereja.

É interessante observar que as necessidades variam em cada fase desse ciclo. O início, que é a florada e sua fecundação se dá com temperaturas não tão elevadas e ar com umidade relativa média a alta. Na fase da “Adolescência”, umidade elevada e temperaturas mais elevadas é um conjunto que se torna tudo de bom para as frutas do cafeeiro. Chegando na fase do amadurecimento, o ideal é ter um ambiente com temperaturas mais baixas e menor umidade, que coincide com o final do Verão e início do Outono. Se compararmos com o nosso ciclo de vida, essa fase corresponde a quando queremos estabilidade e tranqüilidade, combinando com o momento em que temos a verdadeira percepção das coisas da vida. Ou seja, é quando começamos a ficar mais sabidos

Ficarmos mais sabidos, como digo, é quando passamos a observar as coisas sob perspectiva mais sofisticada, enxergando sutilezas imperceptíveis quando somos mais jovens. Por exemplo, não é mais a quantidade de garrafas de cerveja que foram tomadas num encontro de amigos da faculdade que importa, mas a gama de sabores que uma determinada marca tem e podemos perceber.

Prazer é qualidade, não quantidade!

O mesmo efeito que a grande altitude provoca na forma de respirar, obrigando-a mais lenta por ajustes fisiológicos, é observada quando o ciclo fenológico é alongado em razão das temperaturas do local. E aqui a Latitude tem papel muito importante.

Nas regiões Subtropicais as menores temperaturas adequadas à agricultura ocorrem nas áreas mais baixas!

Observe este Gráfico Sensorial de um lote de café produzido na Fazenda Califórnia, em Jacarezinho, noNorte Pioneiro do Paraná. Dos oito cafés apresentados como um painel dos cafés dessa origem, este era o que  disparadamente tinha a maior intensidade de acidez, que combinada com uma doçura de excepcional proporção,  se mostrou licorosa, impressionando a todos. A surpresa foi ainda maior quando souberam que esse lote de café foi produzido no local mais baixo de todos os apresentados.

Subtropical!

Assim disse ao Companheiro de Viagem Sérgio Parreiras Pereira, mais conhecido por Serjão do IAC(Instituto Agronômico de Campinas), sobre qual seria a razão determinante de toda a riqueza de sabores e intensidades que puderam ser experimentadas nos cafés do Norte Pioneiro do Paraná.

As deliciosas e impressionantes xícaras de cafés dos diferentes produtores mostraram tudo!

Subtropical, Serjão, subtropical – 4

Daniel Kondo

As origens dos vinhos em geral se localizam em latitudes maiores que 30o , podendo se estender a até 48o de latitude, onde predomina o Clima Subtropical por excelência.

parreira e o cafeeiro são frutíferas que produzem somente em ramos novos, apesar das arquiteturas completamente distintas. Sim, enquanto a parreira é uma planta que precisa de, digamos, fios condutores para se esparramar, o cafeeiro é um arbusto que chega a ser imponente como uma conífera, com algumas variedades lembrando o formato de pinheiros. A parreira que produz uvas viníferas é podada todo final de safra para que novos ramos cresçam após o tempo de dormência. O cafeeiro precisa lançar novos internódios para que botões florais possam ter lugar.

A localização do Cinturão Vinícola no mundo segue uma lógica que tem por base a busca por uma combinação equilibrada de insolação e faixas de temperatura adequadas. Excelente é o Verão que tem dias longos e boa quantidade de chuvas, pois esse é o período que corresponde ao que chamo de Momento Adolescência dessas frutas: precisam de muita energia (portanto muita luz!), pois o crescimento é absurdamente rápido (muita água para preencher os espaços criados…), tal qual os adolescentes!

No final do Verão e início do Outono, semelhante a quando chegamos ao ponto de nossa maturidade, continuando a comparação, as frutas precisam de equilíbrio entre luz e temperaturas, pois é quando asreações mais sofisticadas acontecem em seu interior. Esofisticado para as plantas significa produzir e acumular açúcares nos frutos. É nesse ponto que cai por terra o conceito detemperatura média anual para se considerar um local apropriado ou não para o cultivo dessas duas plantas.

Modelos modernos e sofisticados que empregamos utilizam média ponderada por momento fenológico, pois em cada fase do Ciclo do Fruto as necessidades de energia são diferentes e, portanto, as temperaturas reinantes tem de estar sincronizadas.

Observe abaixo o Gráfico Sensorial de um lote produzido na Fazenda Jaboticabal, de Johann Nick, em TomazinaNorte Pioneiro do Paraná, e que tive a oportunidade de apresentar a um seleto grupo de amigos e colegas juízes degustadores durante a FICAFÉ 2011, em Jacarezinho, PR.

A complexidade deste café é algo surpreendente e emocionante!

Isso foi possível porque combinou-se uma variedade que tem uma impressionante capacidade de adaptação ao Clima Subtropical, em parte devido à sua porção vinda do DNA de robusta. O ciclo da fruta foi impensavelmente longo, permitindo que uma riqueza de sabores viessem à tona, sustentados por uma doçura que chega a ser bestial, resultado de um fabuloso período com predomínio do metabolismo basal.

Criei este Gráfico Sensorial especialmente para a FICAFÉ e que é bastante intuitivo, ao mesmo tempo que dá pistas de elementos muito sofisticados.

O círculo da esquerda, que tem cores que vão do verde ao alaranjado, mostra a formação das notas de  Aromas & Sabores na frutificação e senescência. Portanto, você deve tomar como ponto inicial as notas HERBAIS, seguindo-se das FLORAIS, de FRUTAS CÍTRICAS, FRUTAS AMARELAS/TROPICAIS e FRUTAS VERMELHAS.

O círculo central e o da direita são notas de Aromas & Sabores formados durante a torra do café, sendo o central resultado das Reações de Maillard, enquanto que os da direita surgem durante a intensificação do processo de pirólise. No entanto, o círculo central é a chave do que é a qualidade de um café, pois o que determina a sua qualidade global é a colheita de frutos maduros, que, traduzindo-se para as nossas papilas, significa presença de AÇÚCARES e, portanto, do sabor DOCE. Os açúcares durante as Reações de Maillard caramelizam (é como fazer uma calda de caramelo colocando açúcar numa panela e levar ao fogo) e é por isso que para cafés bacanas ou Cafés Especiais SEMPRE o sabor de CARAMELO é OBRIGATÓRIO. Escrevi em maiúsculas para deixar bem claro que algo que sempre é encarado como um atributo maravilhoso é, na realidade, o primeiro e necessário  indicador de que o café é de alta qualidade (= colhido maduro e secado direitinho)!

Durante as Reações de Maillard surgem em sequência as notas de Aromas & Sabores de NOZES (Amendoim, Nozes, Amêndoa e Avelãs), CARAMELO (Mel, Caramelo e Toffee) e CHOCOLATE (que começa com Manteiga e chega no Chocolate, o Dark).

Quando se inicia a Pirólise, temos como sequência a notas de Aromas & Sabores que denominamos RESINOSOS, que estão no  Xarope de Maple e Erva Doce, por exemplo, as ESPECIARIAS LEVES como Baunilha, Anis e Canela, para, finalmente, chegar nas ESPECIARIAS PICANTES como Cardamomo e Pimenta do Reino.

Observe que boa parte das notas de Aromas & Sabores é uma mescla de dois e até três grupos. Um exemplo: a Baunilha tem uma mescla Floral, com leve passagem pelo Caramelo e de Especiarias Leves!

Subtropical, Serjão, subtropical! – 3

Daniel Kondo

Temos um dilema em casa.

Minha filha adora banhos com água muito quente, diria que quase pronta para despelar tomates, enquanto que eu prefiro aquela com temperatura morna a fria. Da mesma forma, eu me sinto muito bem em temperaturas baixas (algo como 12o a 18o C me fazem feliz), enquanto que minha filha adora dias calorosamente quentes.

O ser humano tem notável capacidade de adaptação aos diferentes climas porque fazemos parte de seleto grupo chamado de Animais de Sangue Quente, isto é, que tem um sistema para manter a temperatura corporal constante, conhecida como Homeostase. A temperatura do corpo humano é de 36,7o C e se subir acima dos 42o C  nosso corpo literalmente começa a cozinhar, enquanto que abaixo dos 35o C um colapso vem pela hipotermia.

De forma semelhante, plantas frutíferas como o cafeeiro, a macieira e a videira, que estão no grupo de vegetais mais sofisticados, tem uma temperatura ideal de trabalho, quando sua performance é máxima, ou seja, naquela que o metabolismo da planta está a 100%, como dizem os Fisiologistas.

É provável que você tenha ouvido dizer que as maçãs precisam de uma certa quantidade de horas de temperaturas baixas para obterem excelente qualidade. Até a década de 1980 haviam plantações de maçãs, principalmente da variedade Rainha, no Oeste de São Paulo, na região de Paranapanema. Nessa época asmaçãs argentinas dominavam o mercado brasileiro com sua variedade Gala, de cores vibrantes e mais saborosas que as brasileiras de então. Foi nessa época que se iniciou o cultivo da maçã Fuji nos planaltos de Santa Catarina, tendo Fraiburgo e São Joaquim como importantes pólos. Rapidamente essas maçãs conquistaram o consumidor brasileiro pela sua grande doçura em equilíbrio com uma  esplêndida acidez, junto a uma textura divertidamente crocante. Tudo isso é resultado do ajuste entre clima e macieiras, lembrando que essa é uma das regiões mais frias do Brasil, com nevascas certeiras em todos invernos.

A temperatura de 23o C é considerada a ideal para o cafeeiro, quando seu metabolismo está em seu auge. No entanto, conforme a temperatura sobe, a performance da planta decai gradativamente até a temperatura crítica de 32o C, condição em que o consumo de energia é maior do que sua produção (lembre-se da fotossíntese!). Em sentido contrário, temperaturas abaixo de 17o C tendem a iniciar o processo de dormência no cafeeiro. Naturalmente, esses números podem sofrer discreta variação devido à variedade (= sua base genética) e insolação, entre outros fatores.

Assim como aconteceu com a produção de maçã nos altiplanos de Santa Catarina, estamos observando algo semelhante na cafeicultura. Sim, estou comentando sobre o Norte Pioneiro do Paraná.

Preste atenção neste mapa ao lado. Estes são os municípios que compõem essa região. No sentido da seta verde, que corresponde ao alinhamento Sudoeste-Nordeste, a altitude diminui à medida que segue para o Nordeste (de quase 1.000 m para menos de 500 m). Outro detalhe: aproximadamente 40% dessa região está abaixo do Trópico de Capricórnio, isto é, em autêntica áreaSubtropical, que é diferente do clima Subtropical de Altitude.

Levando-se em conta que nessa região as Estações do Ano são bastante distintas, principalmente com os dias são muito longos no verão e curtos no inverno, é razoável se esperar um comportamento diferente dos cafeeiros.

Certamente a mais importante constatação é o tamanho do ciclo de frutificação, que vai da florada ao ponto cereja (maduro): algumas variedades ultrapassam surpreendentes 300 dias!

Sim, o cafeeiro pode se comportar como uma típica planta de clima subtropical…

Subtropical, Serjão, subtropical! – 2

Daniel Kondo

As origens de café em todo o mundo estão esparramadas entre os Trópicos de Câncer e Capricórnio.

Imagine a riqueza de combinações de fatores que influenciam a produção dessa fruta tão especial: solo, clima, insolação, variedades e tecnologias empregadas. No entanto, um aspecto chama a atenção: em geral, quanto mais próxima à linha do Equador está a origem, tanto mais elevada se encontra. Casos deBoquete, no Panamá, região ativamente vulcânica, com lavouras a 1.800 m de altitude, e Jabal Bura, no Yemen, com estupendos 3.000 m!

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E quanto mais distantes do Equador, as lavouras de café ficam em altitudes menos impressionantes, como as que encontramos no Brasil, entre 750 m e 1.100 m. Como referência, as origens dos Cafés do Brasil se localizam entre as Latitudes Sul 12. e 24.   

ângulo de inclinação da Terra em relação ao seu Eixo Norte-Sul é de 23. 27’ e que corresponde, não por coincidência, aos números de Latitude dos Trópicos de Câncer e Capricórnio. Na verdade, essa latitude foi pensada como forma de compensar a inclinação da Terra.

Deve ficar claro que quanto mais próximo do Equador, mais intensa é a incidência dos raios solares. Por outro lado, se o local de maior incidência da luz do sol fosse exatamente a linha do Equador, caso a Terra não tivesse a inclinação, e tenha se tornado uma ampla faixa de 46. 54’ (que corresponde a pouco mais de 5.100 km percorridos pela superfície terrestre ou a distância entre Buenos Aires e a Cidade de Panamá!) no total, com a inclinação, é razoável pensar que a faixa de maior concentração dos raios solares fique por volta de um pouco menos que a metade (isso devido ao fato da Terra ter um formato esférico), algo como 125. de latitude de cada hemisfério.

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Nossos estudos tem encontrado com muita freqüência esse número em diversas origens, expressando um ponto em comum: a necessidade de sombreamento.

Sim, o sombreamento em origens de café com esta ou menor latitude é um modelo quase obrigatório em razão da intensidade dos raios UV. E aqui de novo uma outra característica inerente às coisas da Natureza: aquilo que dá a vida, também tira!

Raios Ultra Violeta são fundamentais para ativar o processo de fotossíntese das plantas, gerando energia e, portanto, vida. Porém, em excesso, necrosa as folhas, resultando num efeito mortal…

Portanto, a saída, na impossibilidade de se aplicar protetor solar em larga escala, é o emprego de árvores maiores que o cafeeiro e prover de sombra. Ou seja, é o retorno ao habitat original das primeiras plantas identificadas de Coffea arabica nas florestas da Ethiopia!

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O sombreamento parcial, que ainda permite a passagem direta dos raios solares, é empregado sistematicamente em lavouras até essa latitude para dar melhores condições produtivas às plantas. Conforme a localização das lavouras cafeeiras se distanciam do Equador, tanto menor tem de ser o sombreamento.

Isto é fundamental para que um outro fator seja compensado: a “temperatura de trabalho” do cafeeiro, ligada ao seu metabolismo.

Se as condições de trabalho são no mínimo boas, certamente o desempenho será muito bom!

Subtropical, Serjão, subtropical! – 1

Daniel Kondo

Grave bem esse número!

Ele nada mais é do que o ângulo correspondente à inclinação da Terra em relação ao seu Eixo Norte-Sul. Essa inclinação é um fantástico truque da Natureza para criar um fenômeno chamado Estações do Ano!

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Primavera, Verão, Outono e Inverno. Determinadas também pelo movimento de Translação do nosso planeta e que cria a percepção do Ciclo Anual em que se baseia o Calendário Gregoriano e seus 12 meses.

Caso essa inclinação da Terra não existisse, esta giraria em torno do Sol sempre com o mesmo alinhamento, de forma que o Equador corresponderia ao ponto de maior insolação de forma muito mais concentrada, enquanto que os pólos continuariam extremamente frios, porém sem o famoso efeito do Sol da Meia Noite, que acontece uma vez por ano.

O fato é que esse ângulo também corresponde à localização das linhas dos Trópicos de Capricónio e Câncer. Só para lembrar, o Trópico de Capricórnio passa na Grande São Paulo.

Assim, quanto mais distante da linha do Equador, mais evidentes são as Quatro Estações do Ano, principalmente entre as linhas dos Trópicos e dos Círculos Polares.

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O cafeeiro foi descoberto nas florestas da Etiópia, onde parte de sua produção ainda continua da mesma forma, em modelo extrativista. Daí seguiu para o Yemen, onde começou o seu cultivo sistematizado. Logo, os yemenis descobriram que os locais mais adequados eram as suas regiões montanhosas, como Haraz (na foto ao lado) e Jabal Bura, entre estonteantes 1.800 m e 3.000 m de altitude. Se recordarmos um pouco das aulas de geografia climática, no Brasil existe uma faixa que tem o predomínio do Clima Subtropical de Altitude, tendo as Serras da MantiqueiraÓrgãos e Caparaó como eixos principais, além de um outro que segue em direção a Poços de Caldas. Sabe-se que, num determinado local, subir 100 metros em altitude em geral observa-se uma queda da temperatura por volta de 0,7o C. Em regiões de montanha, por vezes encontram-se variações de até 500 m de altitude, o que levaria a uma variação de temperatura em torno de 3,5o C. Isso tem grande impacto, sim, em qualquer tipo de planta!

Segundo os botânicos, as plantas podem ser agrupadas a partir de sua capacidade de adaptação ou de como seu metabolismo responde a determinados estímulos climáticos. O cafeeiro, por exemplo, é uma árvore frutífera cujos frutos tem um ciclo, que vai de sua florada até quando maduros, determinado inclusive pelo clima da região onde é cultivado. Isso acontece também com outras frutíferas, como a videira e a macieira.

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A região do Vale dos Vinhedos, no Rio Grande Sul, é reconhecida hoje pela qualidade de seus vinhos brancos, principalmente de uvas Chardonnay, e dos excepcionais espumantes, de tão boa estirpe quanto os vinhos franceses. Porém, essa vocação levou certo tempo para ser compreendida pelos produtores e técnicos da região, que tinha como propósito inicial a produção de castas vermelhas como o Merlot e Cabernet Sauvignon.

Para felicidade de todos, houve essa importante correção de rota, seguindo em direção às belas uvas brancas, e grande espumantes brasileiros já borbulham em muitas taças mundo afora.

Portanto, observar o conjunto que compõe um território é decisivo para compreender porque uma determinada cultura se impõe pela excelência de seus produtos.

Esse caso é emblemático para entender o que se passa com o café.

Concurso nacional: O campeão dos campeões da safra 2011

Daniel Kondo

O meses de Outubro, Novembro e Dezembro de cada ano são reservados para os concursos de qualidade da safra corrente dos Cafés do Brasil. Veja como pululam concursos por todo o Brasil nessa época pelo noticiário!

Os concursos de qualidade tem o inegável efeito de incentivar os produtores a se aprimorarem nos cuidados com as frutas do cafeeiro durante a sua colheita e secagem. Como já é sabido, a Natureza faz a parte dela, num firme contrato de longo prazo com o produtor, fazendo chover ou esparramando a luz do sol quando é preciso (tudo bem, nem sempre as atividades dessa grande sócia acontecem como o outro gostaria…), cabendo a este chegar em grãos corretamente secos e selecionados para continuarem a jornada até a xícara de um ávido consumidor.

Concurso Nacional ABIC, promovido pela Associação Brasileira da Indústria do Café, tem a oportunidade de reunir todos os lotes de café campeões em seus Estados, tanto na categoria Natural quanto na de Cereja Descascado (CD). Veja como este é um processo fantástico e altíssima capacidade de inclusão!

Numa primeira etapa, acontecem diversos certames regionais (por exemplo, 4  em São Paulo e 4 em Minas Gerais, este certamente um dos maiores do mundo do café, que neste ano teve mais de 1.300 participantes!). As etapas regionais tem importante papel de promover a participação de todos os cafeicultores, uma vez que as empresas dos governos estaduais de extensão rural coordenam esse impressionante trabalho de alta capilaridade.

Os finalistas de cada certame regional seguem para a grande final estadual, que em 2011 ocorreu no Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia. Eleitos os campeões, estes competem no Concurso Nacional ABIC, que é o Concurso dos Campeões Estaduais!

Sem dúvida, o melhor dos Cafés do Brasil se encontram nesta grande final. Tive a oportunidade de uma vez mais coordenar esse Concurso dos Campeões e gostaria de compartilhar os resultados com vocês através dos SensoGRAPHICs.

Este foi o lote vencedor e, portanto, o Campeão dos Campeões.

Excelente café. Observe que a roda central, que englobaNozes/Caramelos/Chocolates está toda preenchida. Isto é um indicador importantíssimo de que as frutas foram colhidas maduras e que a torra empregada fez expressar todo o potencial do café. O que mais impressiona neste lote é sua grande, até estúpida, doçura. Coisa típica da variedade Obatan quando cultivada em áreas de grande latitude. E a combinação de notas de Caramelo com as de Chocolate levam a um terceiro elemento muito apreciado: a manteiga, que foi observada na caracterização do corpo.

No entanto, gostaria que vocês prestassem atenção neste outro lote, que ficou por centésimos na segunda colocação.

Ele tem uma complexidade desconcertantemente maravilhosa, apesar de originado de um prosaico Catuaí! (Aha!, mais uma prova de que todas as variedades podem se expressar de forma exuberante se estiverem plantadas em locais apropriados.)

OK, agora posso manifestar minha preferência… e este foi o meu escolhido. Observe que a roda central, a dasNozes/Caramelos/Chocolates também está toda preenchida. E a primeira, com as notasHerbal/Florais/Frutas Cítrica/Frutas Tropicais-Amarelas/Frutas Vermelhas  só não preencheu este último campo! Portanto, os diferentes tipos de grupos de aromas/sabores se manifestaram como raramente acontece.

Essa complexidade pode assustar a princípio aos não iniciados, mas em geral, as pessoas se acostumam rapidinho com coisas tão boas quanto este café…

Finalmente, o Campeão entre os Naturais.

De forma surpreendente, o lote Campeão de Minas Gerais na categoria Natural também venceu o Nacional. Digo surpreendente porque vem de uma região que tem maior aptidão climática, daí a sua fama, para a produção de excelentes lotes de Cereja Descascado: Região da Serra da Mantiqueira, mais precisamente de Carmo de Minas.

Sim, o clima durante a colheita nesta safra foi muito bom para a secagem das sementes, daí a bela oportunidade de se ter um lote daquela região montanhosa concorrendo entre Naturais produzidos, por exemplo, no Cerrado Mineiro.

Como inovação da ABIC, os lotes estiveram à disposição de compradores Pessoa Física, ou seja, osCoffee Geeks ou Loucos por Café tiveram a abertura para comprarem ao menos uma saca de um desses incríveis lotes de Cafés Campeões do Brasil.

A retomada dos grandes vôos…

Daniel Kondo

Existem várias estórias que retratam a capacidade de retomada depois de um grande revés. Certamente a mais famosa é a da Fenix, mitológico pássaro que quando velho morria consumido por chamas geradas por si próprio, porém logo em seguida renascia de suas cinzas.

Considero a passagem da série Harry Potter (sim, assisti a todos os filmes da série porque minha filha fez parte dessa maravilhosa geração de pequenos fãs!) cujo episódio era A Câmara Secreta com uma Fenix como uma das mais belas!

Imagine um lugar que tem um solo muito fértil e, portanto, uma rara vocação agrícola reforçada pela presença de imigrantes italianos, alemães e poloneses. Bela mistura, não?

Bem, isso é o Norte do Paraná!

Esse solo fertilíssimo é conhecido como Terra Roxa, numa tradução simplória da expressão italiana Terra Rossa(rossa = vermelha). Ah, tem ainda o clima que é muito comportado, com as tradicionais estações do ano muito bem definidas, pois boa parte do Paraná está em latitude maior que o do Trópico de Capricórnio. Portanto, Primavera, Verão, Outono e Inverno são bem definidos. Com tudo isso, era natural que o café se tornasse um dos cultivos de grande interesse.

Norte Pioneiro do Paraná tem esse nome para a cafeicultura porque foi onde ela se iniciou.

Observe bem o mapa ao lado. Na ponta do Noroeste estáJacarezinho, município que viveu a pujança do Ciclo do Café e que é a porta de entrada para quem vem de São Paulo, mais precisamente, da vizinha Ourinhos. Esta cidade é um interessante ponto de convergência, pois faz ligação com a Alta Paulista, uma das mais importantes origens paulistas de café ainda em atividade, e, também, com a Alta Sorocabana e parte do Centro-Oeste.   Só para nos situarmos, Garça é a cidade-polo da Alta Paulista, enquanto que Piraju tem esse papel na Alta Sorocabana e, há muitos anos atrás, Botucatu para o Centro-Oeste.

A divisa do Paraná e de São Paulo é feita pelo Rio Paranapanema, tendo ao longo a bonita Represa de Xavantes. Jacarezinho, PR, e Ourinhos, SP, fazem o papel de ligação entre esses Estados.

A cafeicultura se alastrou de forma impressionante, pois o fértil solo dava muito do suporte às lavouras. E  assim o Paraná se tornou o maior entre os Estados produtores de café, mantendo um longo reinado até o fatídico ano de 1975, quando a maior geada que o Brasil conheceu (e que definitivamente transformou o Mapa das Origens dos Cafés do Brasil!) dizimou quase todas aquelas lavouras. Muitos produtores perderam tudo.

Geada Negra em lavoura de café é como incêndio em fábrica de papel. Simplesmente não sobra nada…

Aqueles que tiveram condições pegaram suas malas e cuias e saíram em busca de novos lugares para continuar sua missão de cultivar lavouras de café. Foi quando as terras do Cerrado Mineiro ganharam novo colorido e sotaque.

No entanto, aqueles que permaneceram no Paraná, iniciaram uma longa e, por vezes, dolorosa jornada de reconstrução. Este processo, o de reconstrução, faz com que as pessoas reflitam mais sobre cada novo passo, em geral com maior dose de desprendimento porque tudo se reinicia. Por outro lado, esse sentimento motiva a busca por novas soluções, com muito empenho e atenção aos detalhes.

A busca de uma nova identidade foi o ponto de partida para a fundação da ACENPP – Associação de Cafés Especiais do Norte Pioneiro do Paraná. Arregaçam as mangas nova geração de produtores, muitos sem qualquer vínculo com o passado (afinal, 1975 já está distante…) e dispostos a percorrerem novas rotas.

Um dos trabalhos mais difíceis é o de mudar a percepção do mercado quanto à qualidade dos cafés produzidos na região. Depois de anos a fio cultivando-se café como era feito na Era Pré-Geada, o mercado vê o Café do Paraná como aquele com muitas xícaras defeituosas, quase sempre com fermentações indesejáveis e contaminações por terra, por exemplo. Portanto, de preços distantes daqueles praticados em regiões que se impuseram como produtoras de cafés de boa qualidade.

Mas… sangue novo e cabeças desprendidas sempre fazem coisas surpreendentes…

E tenham certeza, irão escrever uma Nova História da Cafeicultura do Norte Pioneiro do Paraná.