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São Paulo

The Coffee Traveler by Ensei Neto

MERCADO

Novos degraus para o conhecimento: Licenciando Q Graders

Thiago Sousa

Uma verdadeira maratona!

Assim tem sido minhas últimas 2 semanas, dedicadas em Belo Horizonte, MG, na Academia do Café!

O CQI – Coffee Quality Institute (www.coffeeinstitute.org) é uma entidade fundada por membros da SCAA – Specialty Coffee Association of America (www.scaa.org),  com quem divide a sede em Long Beach, CA, USA, e tem operacionalizado o maior e mais bem sucedido programa de certificação de profissionais classificadores/degustadores de café no mundo  através do Q Grader System.

Utilizando os protocolos desenvolvidos pela SCAA através de seu Standards & Statistic Committee (Comitê de Normas e Estatísticas), que substituiu o Technical Standards Committee (Comitê de Normas Técnicas), o CQI tem difundido através de um grandioso grupo de profissionais os princípios da qualidade do café, da semente à xícara.

A formação de um Q Grader (título que pode ser traduzido como Avaliador Q, onde Q é de Qualidade) abrange conhecimento de todas as etapas de produção da nossa bebida preferida, desde os aspectos agronômicos e botânicos, passando pelas operações de colheita e secagem, daí para a armazenagem e comércio internacional, noções de torra de café e, finalmente, até os principais requisitos para uma correta avaliação sensorial. Aptidão conta muito, mas também a experiência profissional e o senso aguçado para buscar novidades…

Dentre o domínio, digamos, “do corpo”, que são as aptidões e perícias, tem maior peso a Olfativa e a do Paladar. Nariz e Boca, simplesmente!

Quais sãos os grupos de aromas mais comuns aos cafés? Seriam apenas os 36 que compõem o famoso conjunto Le Nez du Cafè?

E como ficam os Sabores e Gostos? Isoladamente e combinados, como se comportam?

Como a formação de um Q Grader, assim como o de SCAA Cupping Judge (= Juiz Certificado SCAA), foi estruturada a partir da visão de um comprador de país consumidor (os Estados Unidos), conhecer as principais Origens Produtoras de Café é algo obrigatório. E para isso, aprender a avaliar 36 diferentes origens como Etiópia, Kenya, Indonésia, Colômbia e Guatemala, por exemplo, além das brasileiras, também é matéria obrigatória!

A bem da verdade, os principais concursos de qualidade de café no mundo, além dos inúmeros lotes de café que circulam pelo mundo, estão sendo feitos com a hoje quase obrigatória participação de profissionais licenciados como Q Grader. No website do CQI você pode saber quantos e quem sãos os profissionais licenciados em cada país. Transparência é fruto de conhecimento aberto.

E compartilho este momento particularmente feliz com o maior dos meus Companheiros de ViagemBruno Souza, o Urso, que aceitou o desafio de fazer realizar Exames para Q Graders na Academia do Café (www.academiadocafe.com.br), em Belo Horizonte, tendo oCompanheiro de Viagem Mario Roberto Fernandez Alduenda, Instrutor Q do CQI, profissional mexicano com larga experiência em Ciência dos Alimentos, como o Diretor do Curso.

Duas turmas completas (mais de 25 profissionais de grandes empresas de comércio exterior, torrefações, cooperativas e até produtores) e outro tanto de profissionais que aproveitaram a oportunidade de refazerem alguns testes.

O Brasil precisa de mais profissionais com alta qualificação para auxiliar na busca da qualidade no café, que deve ser incessante. Para se ter idéia, a Coréia do Sul, com seus pouco mais de 30 milhões de habitantes, tem mais de 200 Q Graders, enquanto em nosso país, maior produtor mundial, pouco passa de 30 (trinta!).

Belô nestes dias respirou muito mais Café!

Sobre arabicas e robustas – 3

Thiago Sousa

Que o Conilon está definitivamente presente em nosso dia a dia cafeinado, disso não há mais dúvida.

No caso do mercado consumidor brasileiro, assim como em todo o mundo, o Conilon sempre esteve associado com o Café Solúvel ou, então, nos blends dos produtos mais competitivos, como comentei anteriormente. Salvo raras exceções, a quase totalidade dos cafés torrados e moídos na tradicional embalagem almofada tem presença notável de grãos da espécie robusta.

A produção de Conilon no Brasil vem crescendo rapidamente.

Sim, hoje o Brasil é o segundo maior produtor mundial de cafés dessa espécie, atrás somente do Vietnan, mas essa situação pode se reverter num futuro não muito distante. A produção de café no Brasil vem ganhando contornos de alta profissionalização há tempos, como acontece em todos os setores agrícolas. De forma acelerada a partir deste último período de elevação de preços, grupos empresariais decidiram se dedicar ao cultivo de Coffeas. Não importa qual, pois nas duas espécies dominantes no Brasil esses grupos enxergam excepcionais oportunidades. Muita tecnologia incorporada, profissionais competentes amealhados no mercado, gestão estratégica e sensibilidade para perceber as mudanças do mercado consumidor.

Historicamente, as lavouras de Conilon ficavam restritas às áreas baixas do Espírito Santo e em Rondônia. Hoje existem experimentos muito promissores em Minas Gerais, na região de Pirapora, na Bacia do “Velho Chico”, para onde vários produtores empresariais seguiram para produzir Mundo Novos e Catuaís. Bastou um ousado resolver a plantar Conilon, que possui alta produtividade e muito boa estabilidade para que paradigmas caíssem por terra. Com clima seco durante a colheita, o resultado em termos de qualidade surpreende.

A equação é matematicamente impecável:

Alta Produtividade + Produção Estável + Custo Baixo = Resulto Muito Positivo!!!

Por outro lado, um movimento para mostrar as qualidades sensoriais do Conilon vem sendo liderado pelo INCAPER – ES, além da iniciativa privada. Conilon Especial, simplesmente.

Para fortalecer o movimento de aprimoramento da qualidade, a capacitação de profissionais, de produtores a técnicos da torrefação e do comércio, sem esquecer do consumidor, obrigatoriamente deve acontecer, pois Educação e Conhecimento Compartilhado é a base do crescimento consistente do mercado. Mercado bom é feito de pessoas “sabidas”!

Vitória, ES, sediará o 2o Curso de Robustas Finos (2nd Fine Robustas Course) que será conduzido por técnicos ligados ao CQI  – Coffee Quality Institute, de 29 de novembro a 06 de dezembro próximo. Esse curso tem o objetivo de certificar profissionais que saibam avaliar cafés da espécie robusta a partir de adaptação daMetodologia SCAA de Avaliação Sensorial de Café, esta voltada para arabicas.

Considero este evento um marco, pois, novamente, é outro paradigma que está caindo por terra. Se há qualidade, ela pode ser mensurada e, no caso, a “régua” que está sendo usada, elaborada pela SCAA e CQI,  é  de aceitação internacional. Portanto, isto é um claro sinal de que o mercado definitivamente sempre pode ser surpreendente, pois a criatividade humana é inesgotável!

Sobre arabicas e robustas – 2

Thiago Sousa

Os grãos de café da espécie robusta, cuja variedade mais cultivada no Brasil é o Conilon, tem grande importância na composição dos blends industriais, cuja esmagadora maioria disputa espaço nas gôndolas dos supermercados, onde, devido ao modelo de venda, os consumidores se mostram muito sensíveis aos preços.  Basicamente, nas gôndolas de supermercados são vistos em maior oferta cafés torrados na tradicional embalagem almofada e em alto vácuo. São, de fato, os maiores hits de vendas da indústria no Brasil, ocupando a maior fatia do mercado, abastecendo desde concorrências para fornecimento de “Cestas Básicas”, repartições públicas e grandes empresas, além de serem os ainda mais consumidos nas residências brasileiras.

Manter preços competitivos no varejo foi uma das razões para que o ritmo de crescimento do consumo do café em todo o mundo se mantivesse vigoroso desde então. Portanto, a produção crescente de robustas, muito mais produtivos e com menor custo de produção que lavouras de arabica,  permitiu a manutenção de consumidores cativos e a entrada de iniciantes. Em mercados novos, o tipo de café torrado mais usado é o Solúvel, pela sua praticidade e facilidade de preparo. Afinal, começamos a fazer de nossas atividades um rito somente depois que adquirimos experiência e familiaridade.

É importante observar que todos os grãos, de qualquer espécie e variedade que sejam, tem seu papel relevante no mercado e que o crescimento de consumo se faz através de todos os seus segmentos, desde os mais competitivos aos mais sofisticados. Apesar da grande diferença sensorial que um Conilon ou um Bourbon podem apresentar, cada um tem o seu espaço no mercado e na composição dosblends. Existe um efervescente movimento preocupado em aprimorar os atributos sensoriais do Conilon, seja com maior cuidado durante a colheita e secagem, seja na introdução de processos que podem deixar seu sabor mais agradável ao consumidor.

Obviamente, o Conilon não apresenta a mesma complexidade de sabores que um excepcional arabica, pois como possui menos açúcar e mais substâncias alcalóides, seu sabor é, em geral, picante, mais, digamos, “amarrado” e um “panorama” mais para uma planície do que à exuberância de uma cadeia de montanhas.

Algumas empresas vem testando o mercado apresentando grãos para espresso apenas com robustas. Tudo bem, o resultado não lá muito motivador, mas a experiência é válida. Se não experimentarmos, não poderemos nunca comparar e opinar.  Este é um caso extremo, combinando consumo sofisticado com quebra de paradigmas. Há que se tranqüilizar, pois em termos sensoriais, um blend mistoarabica-robusta ou single de um Catuaí Amarelo continuarão agradando muito mais, porém, para alguns, é um sinal de que um Conilon ou Robusta bem preparados podem surpreender…

Outro ponto importante de discussão é o fato de que mesmo no caso dos arábica, ainda há um longo caminho a se percorrer no campo da torra. Muita tecnologia está sendo desenvolvida, softwares, indicadores e sensores, mas, muito estudo ainda é necessário.

Apesar dos surpreendentes avanços, os temas a serem explorados são incontáveis também.

Sobre arabicas e robustas – 1

Thiago Sousa

Diz-se que todas as coisas iniciaram-se a partir do Big Bang, uma fantástica explosão que deu origem ao Universo, que, por isso mesmo, está em constante expansão. Dentre um incontável número de planetas que permeiam o Universo, o nosso se destaca por reunir condições muito especiais para o surgimento da vida como conhecemos.

Algumas das teorias mais aceitas apontam que durante sua infância, o planeta Terra era como um impressionante caldeirão contendo substâncias básicas como a água e o metano sob ação de grande energia gerada durante as contínuas tempestades. Com o tempo, outras substâncias surgiram a partir da recombinação química desses átomos e que foram precursoras de outras mais complexas. Daí, com mais alguns milhões de anos, surgiram as primeiras manifestações de vida, basicamente constituídas de uma única célula.

Sabe-se que o processo evolutivo das espécies tem dois componentes fundamentais e que são fortemente vinculados: Genotipia e Fenotipia. O primeiro relaciona-se com a carga genética nativa de cada indivíduo ou sua hereditariedade, enquanto que o segundo é a manifestação física de sua hereditariedade, que pode ser influenciada pelo ambiente onde esse indivíduo está.

Tendo como prima distante a planta da bela Gardênia, o cafeeiro pertence ao Gênero Coffea da Família dasRubiáceas, possuindo um enorme número de espécies (mais de 6.000 !). Porém, economicamente, duas são as mais importantes comercialmente: a Coffea arabica e aCoffea canephora.

Há uma longa discussão entre os botânicos sobre quantas e quais seriam as verdadeiras representantes desse Gênero, um vez que existe uma variação muito grande de tamanhos e formas das plantas. No entanto, o comércio de café está completamente estruturado a partir destas duas espécies, que são muito diferentes entre si.

Os países produtores de café podem ser classificados em 3 grandes grupos: produtores de grãos exclusivamenteda espécie arabica (Colômbia e Costa Rica, por exemplo), majoritariamente da espécie canephora ou robusta(Vietnan e Costa do Marfim) e produtores de ambas as espécies (Brasil e Índia).Além disso, o Conilon, como é variedade do canephora mais plantada Brasil, apresenta uma bebida com maior teor de sólidos solúveis do que uma preparada exclusivamente com grãos de arabica.

Depois das grandes geadas de 1994 ocorridas no Brasil e que prejudicou extensa área produtiva, um ciclo de elevados preços do café se seguiu até 1999, estimulando o aumento de produção via novos plantios principalmente pelo Vietnan, que em poucos anos alcançou o posto de segundo maior produtor mundial de café, à frente da Colômbia, e o de maior produtor de robusta. Este foi um dos fatores que contribuiu fortemente para o processo de substituição de grãos de arabica nos blends de indústrias da Europa, Japão e América do Norte, pois estes se mantiveram com valores equivalentes ao dobro dos derobusta em boa parte dos anos.

ABLE: Um filtro inoxidável para Aeropress!

Thiago Sousa

Já tem um bom tempo que comentei sobre a Aeropress, um tipo de preparo de café que é feito numa engenhoca que lembra uma grande seringa de injeção. Feita em plástico de grande resistência, tem um encaixe numa das pontas onde é fixado uma tampa perfurada, que é o local que fica o filtro de papel.

Seu inventor é um cafemaníaco da Califórnia, USA,  que fabrica discos de plástico chamados frisbe que o pessoal adora para brincar na praia ou nos gramados com seus cachorros.

Vendido a pouco mais de 20 dólares nos Estados Unidos, rapidamente ganhou adeptos e hoje seu uso é bastante comum em muitos lugares.

O êmbolo possui uma borracha bastante justa e que confere boa pressão durante a fase de extração. Daí o cuidado necessário para que não se faça esse procedimento sobre peças frágeis ou mesmo em locais instáveis. Com a força que é preciso para empurrar o êmbolo na extração, acidentes podem acontecer caso aqueles cuidados não sejam tomados.

A extração por Aeropress é interessante porque mescla alguns princípios que considero muito importantes e que tem alto impacto no que se resulta numa xícara de café: tamanho das partículas do café moído, tempo de contato com a água e o turbilhonamento.

Como abordei diversas vezes, na extração a relação entre o tamanho das partículas moídas e o tempo de contato com a água tem muita importância sobre o que pode se obter na xícara. Estes são os mesmos princípios que encontramos caso o preparo seja numa French Press. Nem muito grosso, nem fino demais. Assim deve ser o resultado da moagem para uma promissora extração.

Recentemente foi lançada este filtro feito em aço inox pela Able, sugerindo-se como substituto do filtro de papel especialmente para a Aeropress. Assim como acontece com as coisas que foram criadas pelo genial Steve Jobs, nos cafés especiais há uma profusão deCoffee Geeks que imaginam e inventam coisas para tornar ainda mais emocionante as experiências com cafés bem bacanas!

E onde está a grande idéia por trás do Able?

Quando você pressiona o êmbolo para fazer a extração, a pressão gerada é relativamente grande (sinceramente, ainda não medi…). Se o filtro for perfurado, é razoável se pensar que neste caso o próprio “bolo” formado pelo café moído funcione como filtro, assim como acontece no espresso.

Observe na foto como a perfuração da peça é muito bem executada!

Farei uma série de teste e postarei para compartilhar com vocês. Até lá!

Das infinitas possibilidades de harmonização – 3

Thiago Sousa

O café combina com o que, afinal?

Antes de chegar à xícara, os grãos torrados devem ser moídos. Estas duas etapas fazem parte do que podemos chamar de processo industrial do café: Torra e Moagem.

A Torra do Café é um processo muito complexo e exige uma alta dose de conhecimento técnico e científico. Científico porque as transformações que ocorrem tem diferentes naturezas, podendo ser, por exemplo, Física ou Química. Conhecer esses diversos mecanismos e, principalmente, saber controlá-los é parte do ofício dos Mestres de Torra; por outro lado, conhecer o equipamento que é usado para torrar o café, ter o perfeito domínio de suas respostas tem grande importância para um excelente resultado final.

A Moagem é outra operação fundamental!  O formato do que chamamos de Curva Normal (ou de Gauss) do tamanho das partículas depois de moídas nos dá uma pista de quão eficiente pode ser a extração dos bons humores de excelentes grãos de café…

Como comentei anteriormente, a Extração do café envolve “alguém” que vai retirar “algo”das partículas do grão torrado e moído, fazendo resultar naquilo se chama de Extrato. Usualmente, esse “alguém” é a água. E o “algo” que será retirado pela água tem relação com uma característica química das substâncias conhecida porSolubilidade, que nos diz o quão facilmente esse “algo” pode se combinar com a água. Mais solúvel significa que se combina mais facilmente.

É claro que o resultado tanto melhor será se alguns critérios básicos foram levados em conta: 1) ter sementes de frutos colhidos maduros (e aqui está a parte mais difícil da matéria prima, pois é praticamente impossível colher 100% de grãos maduros); 2) sementes secadas de forma cuidadosa; 3) armazenagem com todos os cuidados; 4) torra cientificamente bem feita; 5) moagem de acordo com o que se quer mostrar na xícara; 6) uma extração feita direitinho!

Em resumo: matéria prima bacana, processos industriais bem conduzidos, café fácil de beber.

Que é o que todos buscam. Perfeição é coisa de conjunção astral…

O Yemen é o berço da Cafeicultura e também do preparo do café. Com um povo acostumado a lidar com aromas e sabores exuberantes, complexos e intensos como somente as especiarias podem ter, o preparo de um café pode ganhar contornos muito diferentes do que vemos, por exemplo, aqui no Brasil. Que tal misturar especiarias e dar um efeito diferente ao café?!

Esta foi a idéia básica dos empreendedores cafeínados do Martins Café: adicionar especiarias a um café bacana por si só, produzido na Fazenda Santa Margarida, de São Manuel, SP.

Obviamente o resultado saiu do óbvio, pois quando se fala em aromas adicionados ao café sempre se fala empregar aromatizantes sintetizados. O interessante é o fato de que sair do óbvio foi deixar de lado a Tecnologia e se voltar ao que é da Natureza.

Aniz, Canela, Cardamomo e Nóz Moscada. Estas foram as especiarias escolhidas, meticulosamente moídas e magistralmente (aqui num sentido de verdadeira Alquimia) misturadas, num trabalho conduzido pelo Mixologista Marco de La Roche.

A segunda foto foi feita no Grande Mercado de Sana’aYemen, e podem ser vistas algumas das especiarias escolhidas.

No caso dessa seleção, cada uma acrescenta nova personalidade, devidamente identificada por um modelo de robot (sim, o Martins Café será sempre conhecido como o Café dos Robots!). Ao beber cada um dos cafés, você poderá experimentar sensações que vão do elegante perfume floral da Aniz Estrelada ao toque medicinal da Nóz Moscada, passando pelo estimulantemente toque ardido do Cardamomo, que, afinal, dá uma boa base para um Tchai.

Uma idéia genial justamente porque é simples. Dá uma nova “cara” ao que é milenarmente feito nas míticas terras yemeni.

E não é que o futuro sempre se espelha no passado!

Pré-Infusão: por que é tão importante!

Thiago Sousa

Uma das discussões mais interessantes que tenho participado é sobre o “Por que fazer a Pré-Infusão?”.

A forma dominante de preparo de café é a Extração, que signfica “tirar alguma coisa de algo usando uma substância para essa finalidade”, como são os casos do coado e doespresso. Entre as exceções está o preparo Ibriq, também conhecido como Método Turco, que usa uma moagem fina como talco, ficando o pó assentado ao fundo.

Na extração a Pré-Infusão tem importância muito grande. Pré-Infusão é a tradicional “molhadinha” inicial do pó, como está nesta primeira foto. Sua função é umedecer todas as partículas, tornando o pó moído umedecido num sistema único, ou seja, que as condições para extração de cada partícula seja praticamente a mesma.

Caso não seja feita a pré-infusão, podem ser formados grumos ou “pelotas” de pó ainda secos (principalmente quando as partículas são menores e houve uma certa compactação na saída do moinho), fazendo com que a água que é despejada em seguida não faça a extração nas mesmas condições em todo o sistema. Observe que quando a água é despejada de uma vez sobre o pó moído seco, muitas vezes há um “mini tsunami” no coador, que acontece quando as “pelotas” se deslocam pela água.

Depois que todas as partículas estiverem umedecidas, ao se despejar a água, a extração acontece de maneira uniforme, retirando de cada partícula o que cada uma tem de melhor em termos de substâncias de aroma e sabor.

Recentemente esta discussão chegou também aoespresso.

Seriam os resultados diferentes se a pré-infusão fosse mais longa? E sobre a temperatura de pré-infusão, mais baixa que o da água de extração, como fica o resultado?

Experiências com a Slayer, produzida na grunge Seattle, USA,  tem demonstrado que os resultados são incríveis!

Tanto quanto ao se fazer uma cuidadosa pré-infusão numa Hario ou num bom e tradicional filtro da Melitta.

Experimente!

As Cores da Primavera nos Cafezais

Thiago Sousa

A colheita do café em geral se encerra no final do Inverno, que no Brasil vai a meados de Setembro, apesar de que em algumas regiões pode haver atrasos, como o caso da Chapada Diamantina, BA.

É quando um outro ritual irremediavelmente se repete todos os anos: os olhos dos cafeicultores se voltam para o Céu, quase sempre tingido de majestoso e intenso azul, acompanhado de angustiante secura do ar , herança do recém terminado trimestre frio. Essa secura é tanto mais intensa quanto mais continental é o padrão climático. E aqui existe uma particularidade do Cinturão Brasileiro do Café: apesar da relativa proximidade com o Oceano Atlântico, as origens cafeeiras estão separadas por uma barreira natural que se estende por boa parte do nosso país, acompanhando o formato da costa. Sim, esta formidável barreira é a Serra do Mar, um dos mais fantásticos biomas do Brasil!

A procura por nuvens que indiquem a possibilidade de chuvas torna o dia a dia dos cafeicultores cheio de temores, pois na Primavera o tempo de luz se iguala ao de escuridão, fenômeno conhecido porEquinócio da Primavera. Isso significa que daí p’ra frente, até o dia 21 de Dezembro, o tempo de luz se tornará cada vez maior em relação ao dia anterior. Se a maior parte do dia ficar sob luz, a temperatura certamente deverá ser cada vez maior, principalmente em suas máximas.

Outro efeito do ar seco é a desidratação que provoca nas plantas. Bem, se nós sentimos literalmente na pele o quanto o ar seco incomoda (lábios secos, peles rachadas e até sangramentos no nariz!), imagine o estrago que pode ocorrer no cafeeiro, que não tem como passar loção protetora solar ou mesmo um creme hidrantante…

A desidratação faz com que as folhas murchem, apesar de terem mecanismos para diminuir a perda de água para o ambiente, e isso acaba afetando todo o processo metabólico. Variedades menos resistentes à seca sucumbem, literalmente secam!

Esse quadro representa o que é o chamado Stress Hídrico. Um pouco desse sofrimento é interessante para se obter uma florada intensa e que levará a uma safra de frutos mais uniformes em sua maturação.

Chuvas esparsas caíram em várias origens. Em alguns locais a quantidade foi bastante boa, estimulando uma exuberante florada, enquanto que em outros, nem houve como assentar a poeira das estradas de terra!

E depois disso vem duas preocupações: a primeira é a de que se a quantidade de água não foi a ideal, apesar das flores darem o belo espetáculo de perfume e da cor alva que se esparrama pelas lavouras que chegam a criar efeito de neve sobre os ramos, pode não haver fecundação ou, havendo, o “rebento” não “se segura”, isto é, o abortamento acaba acontecendo; a segunda é quando os botões florais e, principalmente, o pólen são afetados pelas altas temperaturas. O pólen é proteína e proteína detesta temperaturas muito elevadas (muito tempo acima dos 32.C causa a perda da capacidade de polinização).

Nesta foto é possível ver futuros frutos já fecundados, pois as flores estão se desprendendo de sua base.

Se o tempo continuar pouco favorável, além da amargura que apertará o coração de cada cafeicultor, poderá trazer efeitos pouco desejáveis típicos de uma safra menor do que a esperada. E isso certamente não será bom para o mercado continuar sua prodigiosa expansão.

Um bom pensamento com bom sentimento basta!

Que a cor branca seja imaculada nesta Primavera nos cafezais!

Das infinitas possibilidades de harmonização – 1

Thiago Sousa

Tudo na Natureza funciona como uma incessante busca da Harmonia, que pode ser também compreendida como Equilíbrio. Estático ou dinâmico, não importa, trabalhar em Harmonia tem o significado de que tudo está fluindo bem.

Preparar um belo Lattè, por exemplo, é um exercício de controle sobre a velocidade de queda do leite vaporizado que, por outro lado, também foi outro interessante exercício. Nem vapor demais, nem de menos, apenas o necessário. O leite tem de se apresentar como uma brilhante e cremosa camada, uniforme e docemente perfumada.

Ao despejar o leite sobre uma dose deespresso, um experiente barista sabe que quem faz o desenho, na realidade, é o impacto do leite , cabendo a ele realizar o mágico traçado final, criando os detalhes de belos desenhos bicolores.

Quando fazemos uma escolha de um prato ou lanche, sua composição se torna um novo jogo de “Encontre a Harmonia”, pois intuitivamente colocamos a comida em porções de ingredientes que acabam criando um diálogo sensorial. A apresentação é importante para que as imagens nos estimulem a querer comer, enquanto que os aromas completam o despertar de toda essa vontade!

Naturalmente, com fome, ficamos ainda mais sensíveis aos estímulos sensoriais…

Os Exercícios de Harmonização com elementos que aparentemente não se combinam tem como fundamento inicial quebrar paradigmas… nada mais do que isso!

A forma de comer ou beber é decorrente de um processo cultural, que revela como foi a evolução econômica e mesmo da cultura de um povo. Um bom exemplo é o caso clássico do abacate. Abacate para o brasileiro é ótimo como vitamina, batido com leite, ou com açúcar com gotas de limão, numa clássica sobremesa de pomares. No entanto, para qualquer outro povo, dos latino-americanos aos asiáticos, abacate é componente para pratos salgados. É careta na certa se uma dessas pessoas ouvir que abacate com açúcar é delicioso! E a recíproca é verdadeira para a esmagadora maioria de brasileiros aos ver pedaços de abacate em saladas ou outro prato salgado…

Veja, é algo essencialmente cultural.

Para compreendermos como Harmonizar ou, simplesmente, Combinar Bebidas, Bebidas e Comidas e assim por diante, saber como nosso Paladar e Olfato funcionam ajuda muito.

A nossa incrível sensibilidade olfativa, apesar de anos-luz atrás do olfato de um cachorro perdigueiro, faz do Olfato o sentido mais aguçado que temos entre os 5 (os outros 4 são a Visão, Audição, Tato e Paladar). É aquele que responde mais rapidamente a um estímulo (coisa de até milésimos de segundos para menos!), muito para nos alertar sobre os perigos da vida. Enquanto isso, a Visão é o “mais bobinho” de todos, que depende de iluminação neutra para funcionar bem entre outras exigências.

Mas, é na boca que tudo se resolve! Portanto, o Paladar ganha destaque entre os sentidos justamente porque é quando ingerimos algo podemos quantificar o quão bom é. Uma bebida preparada num belo cálice e deslumbrantes cores pode ser uma decepção na boca caso um sabor desagradável apareça. Apesar da primeira impressão que a Visão e o Olfato podem provocar, boa ou ruim, ela será definitivamente balizada pelo Paladar através das sensações que ficarem.

É este apaixonante tema que vamos conversar a partir daqui…

O espaço dos cafés do Brasil

Thiago Sousa

O Brasil assumiu a posição de maior produtor mundial de café por volta de 1887, deixando para trás o até então domínio absoluto da Indonésia e suas maravilhosas ilhas.

Para se ter idéia, já em 1872, através de trabalhos do pesquisador Robert Hewitt Jr,  o governo norte-americano considerava que o nosso país era o que apresentava melhores condições para a expansão da cafeicultura entre todos os países produtores da época!

Começando sua saga pelo Pará, encontrou nas áreas não tão distantes do litoral (o que facilitou inegavelmente toda a logística de exportação) a aptidão para que as incontáveis safras brasileiras viessem a inundar o mundo. Da Bahia ao Paraná, em linha reta mais de 80% dos Territórios Brasileiros de Produção de Café não distam mais que 100 km do Oceano Atlântico. Por outro lado, a disposição francamente longitudinal do Cinturão Brasileiro do Café dá características excelentes para que maravilhosos frutos possam surgir.

O Brasil sempre teve postura agressiva na agricultura desde o Ciclo do Açúcar. Sempre foi um produtor massivo, isto é, de grandes proporções. Foi aqui que o sistema conhecido por plantation ganhou seu verdadeiro significado. E na cafeicultura não foi diferente.

Extensas lavouras de café se tornaram a paisagem predominante no Rio de Janeiro, que se repetiu em Minas Gerais e São Paulo, fazendo surgir uma nova classe de nobres conhecida por Barões do Café, cujos títulos eram regiamente pagos ao Imperador D. Pedro II. Havia, ainda, alternativas para outros, digamos, níveis de investimento, que eram os títulos de Conde ou Visconde.

Talvez pela nobreza de seus títulos ou até pela tradição, a classe dos cafeicultores adquiriu viés de poder muito grande, participando ativamente da vida política do Brasil, o que certamente fez surgir a visão de competição entre si. Na verdade, num mundo globalizado como o nosso, faz muito mais sentido que as atividades sejam interligadas, que os diferentes elos da cadeia produtiva possam interagir francamente. O bom relacionamento entre todos os elos, seja o do produtor, o da indústria de torrefação, das cafeterias, dos operadores de equipamentos e até o varejo, faz com que o mercado progrida. Mercado bom é mercado grande!

E para fazer com que o mercado se torne ainda mais dinâmico, difundir o conhecimento entre os consumidores torna-se fundamental. Mercado bom é mercado de “sabidos”! Consumidor mais consciente e sabido sobre preparos e origens, estimula o crescimento de forma virtuosa, premiando todos os que trabalham sob o espírito da excelência.

O Brasil hoje está a um pequeno passo para se tornar também o Maior Consumidor Mundial de Café. A distância que existe entre o tamanho do mercado dos Estados Unidos é mero detalhe. O que importa é o fato de que o crescimento vigoroso do mercado está se fazendo via novos consumidores, gente jovem e antenada que quer descobrir as boas coisas novas. O explosivo momento econômico do Brasil permite que novas experimentações pipoquem do Oiapoque ao Chuí (até rimou…), que é o que move a expansão consistente de qualquer mercado. Experimentar é preciso, porque beber café é sempre uma experiência sensorial.

Assim, numa iniciativa de jovens empreendedores, vem aí a 6a. edição do ESPAÇO CAFÉ BRASIL, que, justamente por ser organizado por um grupo independente, deve agregar de forma fantástica todos os segmentos do café durante 3 intensos dias. Ganhando um estímulo especial que somente a internacionalização do evento pode trazer, este evento deverá se tornar um novo marco para os Cafés do Brasil: o seu Espaço!

Será de 6 a 8 de outubro de 2011, no Expo Center Norte, Pavilhão Azul, em São Paulo, SP.

Para saber mais, acesse www.espacocafebrasil.com.br  .

Vá, vai valer a pena!

Territórios – 3

Thiago Sousa

Comentei que o Café, como um Produto de Território, apesar da clara influência das coisas da Natureza como o clima e o solo, além das respostas que a Planta dá por tudo isso, tem nas mãos doProdutor a definição que teremos na xícara.

O Primeiro e Mais Importante Conceito que o produtor deve ter em mente é o de que produzir café é antes de mais nada produzir fruta!

Creio que acabo sendo insistente neste conceito, porém a grande verdade é que os cafeicultores geralmente tratam o cultivo de café como o de prosaicos grãos (talvez pelo longo histórico do café em fazer parte do grupo comercial de commodities…) como milho ou soja, onde a visão cartesiana de que basta controlar doenças e pragas, eventualmente dialogar com São Pedro para decidir por uma irrigação ou pedir por chuvas, é o suficiente.

Quando estamos falando de frutas, a primeira coisa que nos vem à lembrança é que fruta boa é fruta madura!

Ninguém em sã consciência compra frutas absolutamente verdes, nem mesmo muito passadas, naquele limiar do estragado. Da mesma forma, colher frutas maduras do cafeeiro deve ser objetivo básico. Afinal, como sempre digo, boas sementes vem de frutas maduras e do cafeeiro queremos apenas e tão somente suas sementes!

Mas, na maior parte da vezes, nem sempre é possível colher apenas os maduros, vindo, em boa parte, aqueles ainda não amadurecidos.

Observe que a atenção e o cuidado do produtor ao fazer a colheita é fundamental, devendo se manter ao longo dos diversos procedimentos para a secagem das sementes. Um desses procedimentos é o de selecionar as frutas pelo seu ponto de maturação depois de colhidas através de equipamentos chamados de lavadores, que fazem este serviço usando a água e a diferença de densidade entre as frutas maduras, verdes e em ponto de passa (secas). O efeito visual deste processo é muito bonito, como pode ser visto nesta foto.

O fato de serem separados frutos secos daqueles ainda com muita água (os maduros, quase maduros e os ainda verdes) facilita o processo de secagem. Há um mito que se criou recentemente: grãos secos como Cerejas Descascados (sementes somente com a casca interna conhecida como Pergaminho) são superiores aos Naturais, que são sementes secadas com as cascas. É o típico caso de se justificar uma ocorrência pelo resultado. E, portanto, um pouco de falta de domínio de conhecimento científico.

Na realidade, o que se busca quando se quer Alta Qualidade  nada mais é do que sementes de frutos maduros, sem qualquer tipo de interferência, seja por contaminação ou causada por fermentações indesejáveis. É óbvio supor que o resultado será muito melhor em termos de uniformidade ao se passar frutas recém colhidas por equipamentos que fazem a seleção pela diferença de densidades (frutas secam flutuam, por exemplo) quando mergulhadas em água e daí passarem por outros que descascarão as frutas por atrito.

E se por acaso a região tiver uma severa restrição de água, como fazer?

A saída é secar com a casca, preparando Naturais.

A bem da verdade, produzir excelentes cafés Naturais exige muito mais cuidado, capricho e conhecimento pelo fato da possibilidade de que diversas floradas possam ter acontecido, gerando frutas em diferentes estágios de maturação. Sim, sem dúvida os resultados são diferentes na xícara, mas por razões absolutamente devidas à fisiologia e bioquímica, que comentarei numa outra oportunidade.

A partir destas pistas, pode-se concluir que apesar da Natureza estabelecer a maior parte das condições do Território como o clima e o solo, sem dúvida é o Produtor que tem nas mãos o poder de não deixar se perder o potencial de qualidade de um lote de café. Pode dizer que a Natureza contribui com 90% dos elementos, enquanto que o Produtor com meros 10% do conjunto; mas para preservar a qualidade sensorial das sementes, é do Produtor 90% da responsabilidade.

Portanto, quem faz o Território é o Produtor!

E vivas para o Produtor!

Territórios – 2

Thiago Sousa

Escolher variedades de café não é tarefa tão simples quanto parece…

Os pesquisadores brasileiros são considerados os melhores do mercado no trabalho de melhoramento genético e desenvolvimento de novas cultivares de café. Dentre as instituições mais importantes, certamente o centenário e venerando IAC – Instituto Agronômico de Campinas, de São Paulo,  aEPAMIG, MG, e o IAPAR do Paraná encabeçariam qualquer lista. Pela sua tradição e pelos grandes nomes que compuseram e compõe seus quadros, o IAC é a maior fonte de novas variedades de cafeeiros dentre eles o Bourbon Amarelo, Catuaís e Obatãs.

Dois temas sempre foram focos principais dessas instituições para a pesquisa genética: produtividade e resistência à doenças. A partir destas premissas, muitas das variedades modernas tem parte do robusta em seu DNA a partir do cruzamento com híbridos originários do Sudeste Asiático.

Na primeira foto, o Companheiro de Viagem Vagner Uliana, de Domingos Martins, ES, mostra um ramo de planta da variedade Catucaí, bastante difundida naquela área e nas Matas de Minas, região com a qual faz divisa. Esta variedade é um bom exemplo das que resultaram dos cruzamentos utilizando híbridos. Em geral, apresentam boa produtividade, porém algumas linhagens não são “boas de xícara”, ou seja, características de bebida típicas dos robustas se expressam como um sempre inconveniente toque picante na língua, devido ao maior teor de alcalóides, bem como certa aspereza. Mas, como deve ficar bem claro, esse tipo de resposta depende também em que Território a lavoura de café está!

Sendo um produto com DNAs de diferentes espécies, uma ou outra pode prevalecer em razão das condições climáticas. Ou seja, mais uma vez as características do Território tem influência decisiva “na xícara”.

Observe a segunda, foto com atenção!

Esta é uma flor de um cafeeiro Maragogipe de uma lavoura emPiatãChapada Diamantina, BA. Desta variedade, sua semente é conhecida como Grão Gigante ou Café Elefante, pois em geral tem um tamanho muito maior do que a média!

Estas plantas foram encontradas inicialmente na Bahia e é considerada uma, digamos, variação feita pela Natureza de variedades antigas como o Typica, que é a que foi inicialmente introduzida no Brasil via o Estado do Pará pelo folclóricoSargento-Mór Palheta.

A foto ao lado é de uma lavoura da variedade Typica, que costumo chamar de “Mãe de Todos”, em MulunguMaciço do Baturité, CE. Nesta região, que fica muito próxima à linha do Equador, o modelo de produção é o Agro Florestal, quando as lavouras são sombreadas. Apesar dos 800 m de altitude e do clima ameno, vale lembrar que a incidência dos raios ultravioletas é muito intensa e que sem o sombreamento feito por diversos tipos de árvores, o cultivo e produção do café seria praticamente impossível. Neste caso, houve uma adaptação do Território para a produção de uma variedade antiga.

Devido à busca da Produtividade combinada com Resistência a Doenças, a Qualidade na Xícara ficou quase esquecida. No entanto, um dos maiores geneticistas que o Mundo do Café já teve, Dr. Alcides de Carvalho do IAC, que deixou discípulos tão geniais quanto, como o Dr. Luiz Carlos Fazuoli, sempre teve uma queda particular pela “Qualidade na Xícara”. Algumas das variedades que hoje são consideradas verdadeiras “fábricas” de excepcionais bebidas como o Catuaí Amarelo 62 ou o Icatu Amarelo 3282,  fazem parte dessa maravilhosa história.

Ao lado, outra variedade que oferece excelentes xícaras: Mundo Novo Amarelo 4266. Planta com arquitetura (forma) muito parecida com o Mundo Novo Vermelho das linhagens 374, por exemplo, tem em sua carga genética muito do Bourbon Amarelo. A lavoura onde estas plantas estão é remanescente da geada de 75 e está em São Manuel, SP.

Ver estas plantas intactas e produtivas foi um dos grandes momentos para mim neste ano!

Territórios – 1

Thiago Sousa

Certamente você já ouviu a palavra Terroir, tão pronunciada ultimamente. De origem francesa, esta palavra pode ser traduzida por Território.

Desde os tempos antigos já se sabia que havia uma estreita relação entre os produtos agrícolas e onde eram produzidos. São bons exemplos as famosasEspeciarias, entre elas o Cravo da Índia e a Canela, que saíam da distante Índia para fazer parte de receitas de pratos servidos à nobreza européia. Sim, os indianos sempre tiveram queda especial para as especiarias, bastante ver como sua rica culinária sempre combina de forma exuberante um conjunto delas.

Tem relação com sua cultura, muito mística, com os aromas intensos que auxiliam na ambientação para a prática da meditação e até do Yoga.  Hoje, como outro bom exemplo, o Tchai é uma bebida que pode ser considerada bastante popular, muito difundida mundo afora pela gigantesca rede Starbucks.

De forma sistematizada, a noção da relação entre Território e Produtos Agropecuários se formou na Europa. Desde o Jamón da Espanha até o arroz cultivado no vale do Rio Pó, passando pelas quase incontáveis regiões vinícolas e produtoras de queijo, a lista é p’ra lá de longa…

Foi o vinho o primeiro produto agrícola a ter um processo deDenominação de Origem. Ao contrário do que muita gente pensa, a primeira Denominação de Origem foi para o Vinho Verde de Portugal no início do Século XX, vindo depois a impressionante série de origens vinhos franceses. Estes foram mais eficientes em propagar pelo mundo que seus vinhos, além do prestígio que já desfrutavam, tinham produção com território definido.

De qualquer forma, os processos foram bastante semelhantes, desde a criação de um organismo que coordenasse os serviços de certificação dos vinhos produzidos, atestando não apenas sua qualidade como também o processo utilizado. Este foi o ponto mais importante para que um modelo de criação do que podemos chamar deTerritórios de Produção pudesse ganhar espaço.

Falar em Terroir é relacionar as condições geográficas, como o local de produção, o clima e o solo, além dos aspectos botânicos e, não menos importante, o papel do produtor. Tudo tem de funcionar bem, harmonicamente. No caso do café, o namoro com as Denominações Geográficas é algo recente.

Apesar de ter sido a primeira região produtora no mundo a se organizar para obter uma Denominação Geográfica, o Cerrado Mineiro perdeu essa oportunidade ao receber uma Indicação de Procedência pelo INPI quase 6 meses após a região de Vera Cruz, no México.

Um dos requisitos mais importantes para uma região receber a Indicação de Procedência, no caso específico do Brasil, a Notoriedade, que é o reconhecimento pelo mercado de um atributo que seja relacionado diretamente com uma determinada origem, tem grande peso, assim como acontece para a Denominação de Origem, dada pela WIPO.  Apesar de sua história recente, o Cerrado Mineiro construiu a partir das boas condições climáticas a fama de origem produtora de cafés de boa qualidade dentro do Brasil, confundindo, por vezes, a origemcom o conceito de qualidade superior.

Se uma região com o Cerrado Mineiro, mesmo que demarcada e reconhecida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, com uma gigantesca área abrangendo 55 municípios, obteve sua IP – Indicação de Procedência, uma micro região poderia conseguir algo semelhante mais facilmente. Foi justamente esta linha de pensamento que norteou a demarcação da Micro Região da Face Mineira da Serra da Mantiqueira, liderada pela APROCAM – Associação dos Produtores de Café da Mantiqueira, na hoje renomada Carmo de Minas. Sua IP foi concedida neste ano de 2011, após quase 6 anos de tramitação do processo junto ao INPI.

E sobre sua notoriedade? Bem, cafés que são cultivados numa área particularmente montanhosa, a belíssima Serra da Mantiqueira, com o adicional de dividir um dos mais ricos mananciais de água mineral do Brasil, só poderiam resultar em bebidas de boa complexidade de notas de sabor, intensos aromas e quase sempre exuberante acidez cítrica.

Tudo isso é resultado da combinação que um Território pode proporcionar.

Sobre as fotos: 1- lavouras em São Roque, montanhas do Espírito Santo; 2 -lavoura sombreada em modelo agroflorestal em Piatã, Chapada Diamantina, BA; 3 – Selo do Café do Cerrado, hoje substituído pelo Selo da Região do Cerrado Mineiro; 4 – Selo de Origem para os Cafés da Mantiqueira.

Fjordland: O significado da sustentabilidade

Thiago Sousa

Sustentabilidade é palavra que hoje é muito pronunciada em todos os cantos, quando muitos tentam criar um vínculo com coisas que fazem ou produzem. Nessa esteira, pode-se encontrar desde grupos financeiros a indústrias de pneus, de fazendas a empresas de cosméticos. Diversas empresas e corporações tem hoje departamentos de Ações de Sustentabilidade, quando através de intrincadas equações matemáticas tentam calcular o número de árvores que devem ser plantadas enquanto seus executivos andam em beberrões carros de mastondônticos motores V6!

 O conceito de Sustentabilidade é muito mais profundo do que um simples punhado de frases feitas pode fazer supor. Há muito mais de ações efetivas e atitudes coerentes do que pirotecnia!

Existe forte ligação com a valorização da produção e consumo local, da compreensão dos ciclos da Natureza, no respeito ao que a Terra pode nos proporcionar. Nestes últimos tempos, ao fazer eventuais balanços das inúmeras viagens que faço para visitar e conhecer diferentes origens de café (e agora de cacau, além das cachaças e vinho…) mais me convenço da importância de se aprender a “conversar com a Natureza”. Clima, solo, as plantas e o toque do homem. Em síntese, este conjunto recebe o nome de origem francesa Terroir, que pode ser traduzida simplesmente por Território.

Parte de um extenso roteiro de visitas, acabei recentemente conhecendo em Pedra Azul, em Domingos Martins, nas belas montanhas do Espírito Santo, um dos empreendimentos que mais me marcou.

Encravadas aos pés da imponente Pedra Azul, impressionante formação rochosa de quase 800 metros de altura, existem algumas aconchegantes pousadas ao longo da Estrada do Lagarto formando um charmoso roteiro que lembra paisagens do norte europeu. Relativamente próxima de Vitória, esta localidade tem se tornado importante polo turístico voltada às atividades ecológicas. E dentre os diversos empreendimentos, um deles merece destaque muito especial. Trata-se da Fjordland ou Cavalgada Ecológica.

É antes de tudo um projeto que tem como marca registrada um profundo respeito à Natureza, sua conservação e a preocupação em difundir esses conceitos junto à comunidade. O nome Fjordland serve para lembrar a origem norueguesa dos proprietários, que são os grandes mentores dessa filosofia. Com pouco mais de 12 anos de existência, o seu maior mérito está na impressionante recuperação das áreas antes exploradas por pecuária que quase exauriu o solo, além de ter provocado grande degradação.

Sob a batuta do agrônomo Edimar Binotti, o projeto envolveu desde a escolha de árvores para recomposição das florestas, a implantação de cafeicultura orgânica consorciada com palmito e o uso de eucaliptos do local para as belas construções com os tetos gramados, como se encontram em países como a Noruega e Suécia. O processo de produção da compostagem merece um post à parte.

 A fazenda é certificada como Orgânica e Biodinâmica, bem como a produção em Sistema Agro Florestal do café e palmito. Dentre as variedades empregadas estava a IAPAR-59.

Para minha surpresa, a arquitetura das plantas é completamente diferente da que em geral vemos no Norte do Paraná, onde foi muito cultivada em lavouras super-adensadas (até 10.000 plantas por hectare!) como parte de um programa de recuperação da cafeicultura daquele Estado depois das grandes geadas. Empregando-se colheita seletiva, os frutos impressionam pelo seu tamanho e posso adiantar que podem produzir muito saborosos lotes de café!

Na cafeteria da fazenda, que leva o nome Heimen Coffee,  produtos cultivados na Fjordland são oferecidos fresquinhos como o palmito em diversas versões, das quais fiquei fã de uma inesquecível quiche, folhas para saladas e o café preparado pelo barista Vagner Uliana e sua equipe. É nesse momento que podemos compreender o significado da palavra Sustentabilidade!

Uma xícara para cafés muito especiais…

Thiago Sousa

O Café, como se diz, percorre um longo caminho “da Lavoura até a Xícara”. Pensar que de uma lavoura que pode estar em uma das diversas origens brasileiras, por exemplo, cujas plantas são cultivadas por pessoas que podem fazer parte de uma história centenária, os frutos colhidos chegam finalmente aos consumidores depois de torrados e cuidadosamente extraídos. Mas, um personagem importante nesta história toda é justamente a Xícara!

Um dos trabalhos mais importantes para o desenvolvimento do mercado de vinhos foi o de criação das taças. Diferentes materiais foram pesquisados, bem como os diversos estudos para encontrar a melhor geometria para cada tipo de vinho.

No café não é diferente. Apesar de que esta é uma bebida muito mais, digamos, democrática quanto aos materiais que podem compor uma xícara, indo desde a tradicional porcelana até o moderno vidro especial como os da venerada Bodum, sem esquecermos das tradicionais canecas de ferro esmaltadas como muito usadas pelo interior afora do Brasil.

Por outro lado, os formatos em geral são mais conservadores, sendo dois os mais utilizados: os cilíndricos e os curvos (= hiperbólicos), mais usados em xícaras para espresso.

Observe que as xícaras para o onipresente Cafezinho (sim, o tipicamente brasileiro!) tem parede fina e pode ganhar variações do formato curvo. No entanto, as xícaras de espresso em geral tem parede mais grossa e em sua parte interna o fundo é idealmente curvo, sem cantos vivos. Tudo isso para que o crema sem mantenha belo e intenso por mais tempo, uma vez que ele é dependente da temperatura (sim, se houver um súbito resfriamento, mais rapidamente o crema se abre!).

Um dos designs mais clássicos para xícaras de espresso é o da italiana illy, que há décadas lança anualmente séries assinadas por badalados artistas e que é alvo de colecionadores em todo o mundo. Seu formato é o mais copiado no mundo, o que é indicativo de que é um verdadeiro objeto de desejo por todo “louco” por café!

Mas, desenvolver uma xícara para café não é algo simples,apesar de ser um dos sonhos de muitos deste hoje vibrante mercado.

A escolha do material é o primeiro ponto fundamental. A maior parte dos serviços de café são a quente como o Cafezinho, oEspresso, o Ibriq, na French Press e assim por diante. Portanto, um dos desafios para a seleção do material é descobrir quais são aqueles que tem boa capacidade de manter a temperatura. Tem, ainda, que ser de fácil manipulação ou de industrialização.

Outro ponto fundamental é o seu design ou geometria.

Há quase um ano atrás conheci a talentosa ceramista e Companheira de Viagem Gisele Gandolfi, daMuriqui Cerâmica, de São Paulo. Conversa vai, conversa vem e é claro, o café acabou sendo parte dos assuntos. Até que vimos que poderíamos iniciar um projeto a quatro mãos. Haviam conceitos que eu tinha em mente para uma xícara, principalmente em sua geometria e aplicação, como você pode ver num dos diversos esboços que fiz.

O material eleito? Bem, para uma ceramista, nada como o toque natural da cerâmica de alto forno! Material da Mãe Terra, que permite unir pigmentos também naturais ao barro, dando forma aos devaneios geométricos…

Foram muitos desenhos, discussões e tentativas até se chegar à AYUMI, que é o nome desta xícara, nome japonês que significa “Quem Caminha para Frente, Quem Sempre Evolui”. Você pode conhecer mais com a Gisele, que certamente vai também lhe cativar com suas boas histórias, pelo www.muriquiceramica.com.br ou ir diretamente ao seu show room, agendando pelo 11-3875-2926.

Em cada boca, uma sentença…

Thiago Sousa

O ser humano tem por natureza procurar padrões em tudo que o cerca, muito disso em razão de uma incansável busca de tudo que possa lhe transmitir sensação de segurança. Afinal, quando vemos algo que nos soa familiar, sentimo-nos confortáveis, abrigados como pássaros no ninho.

Um exemplo interessante é o que encontramos na Música. Da Renascença até o início do Romantismo, por exemplo, a estrutura musical predominante se caracterizava por uma sequência harmônica denominada Consonante, que são sons que transmitem sensação de repouso. Se você ouvir peças desse período, perceberá que algumas sequências são até, digamos, previsíveis. No final do período Romântico estruturas harmônicas diferentes começaram a pulular por inspirados autores como Beethoven e Tchaikowsky, que passaram a empregar com mais frequência os chamados acordes Dissonantes, que são aqueles que nos passam idéia de movimento. O Jazz é, por sinal, o estilo musical que mais abusa criativamente da Harmonia Dissonante, empregando acordes impensáveis para um Bach ou Pachebel.

Fica claro que quando um determinado padrão se impõe por um período muito longo, é esperado um movimento de inconformismo, geralmente tímido no início, que cresce rapidamente porque mais pessoas começam a buscar novas luzes, permitindo, assim, leituras diferentes para uma mesma obra. Dessa forma, novas interpretações podem ser adicionadas também!

É o que acontece com nossos sentidos para perceber gostosuras, o Olfato e o Paladar. Nossa vida é uma verdadeira Jornada Sensorial, que começa nos primeiros dias de nossa vida, com os aromas e sabores mais simples como o cheiro da nossa mãe e o seu precioso leite, ganhando sofisticação e complexidade com os anos.

Parte do que costumo chamar de Educação Sensorial se deve a nós mesmos, uma vez quesomos verdadeiros Equipamentos de Avaliação Sensorial, que variam em função do ”Fabricante”, “Ano de Fabricação”, “Modelo” e “Acessórios”…

Como todo bom equipamento, saímos com o ajuste básico de fábrica, principalmente em duas peças muito importantes: Nariz e Boca. Ambas são compostas de um impressionante conjunto de sensores, o Conjunto Olfativo e o Conjunto Gustativo, previamente definidos pelo “fabricante”. Ou seja, a quantidade de Células Olfativas e dePapilas Gustativas é definida geneticamente, ainda no momento do “projeto do equipamento”.

Nossa língua é como nossas digitais ou a íris: ela é única! 

Não existem duas pessoas com o mesmo desenho da língua, formado pela quase infinito número de combinações entre as Papilas FiliformesFungiformes e Caliciformes!

Na foto acima, você pode ver uma língua com uma enorme quantidade de Papilas Fungiformes, em formação típica de pessoa que tem grande sensibilidade para o Sabor Amargo. Sim, é possível fazer uma Leitura Lingual (como disse a Companheira de Viagem Roberta Malta, numa tirada divertida!) e ter idéia dos sabores favoritos de cada pessoa.

A Educação Sensorial é um processo de acúmulo contínuo de experiências e que torna o equipamento mais eficiente na medida que ele é mais exigido. Motor de carro novo precisa de um período de amaciamento para, então, poder ter o seu melhor desempenho. E esse amaciamento depende exclusivamente do piloto e sua habilidade.

Pessoas que se interessam por novas experiências, que buscam descobrir novas leituras de uma mesma obra ou, no nosso caso, de uma bebida ou comida, deixam para trás o simples ato de mastigar e engolir e adentram no maravilhoso mundo da degustação. Degustar é isso: é perceber, é interpretar e, dependendo, se deleitar. Tudo depende de começar: experimentar, comparar e não se acomodar.

Seja para café ou outras bebidas, comida e todas as guloseimas da vida!

Um toque final: não se acanhe se você não perceber “notas florais como alfazema francesa” ou “sabor como frutas silvestres da Noruega”. Afinal, só conseguimos reconhecer aquilo que já tivemos contato. Caso contrário, as tais ”frutas silvestres” podem nos lembrar as amoras do quintal do vizinho…

O importante é que ao levar à boca uma xícara de café, a interpretação deve simplesmente ser gostei,gostei em parte ou não gostei. Mesmo porque, gosto é um julgamento estritamente pessoal. Por isso, em cada boca, uma sentença!

Cafés do Baturité: Da história e das variedades

Thiago Sousa

A história da cafeicultura no Maciço do Baturité tem um enredo particularmente interessante desde o seu princípio.

Se lembrarmos que o café chegou ao Brasil via o Pará, é razoável pensar que Estados mais próximos se tornassem rota de propagação dessa preciosa planta, principalmente se levarmos em conta as condições de deslocamento que existiam na época. (Tudo bem, sabemos que em alguns Estados as estradas ainda continuam tão ruins como fossem ainda do tempo do Brasil Imperial…)

Imagine, então, uma linha traçada por um gigantesco compasso centrado no Pará, mais precisamente em Belém, e com abertura até a cidade de  Fortaleza, onde fica o Maciço. Ao girar para o Sul, percebe-se que este pedaço de circunferência mal passa pelo Oeste da Bahia e norte de Goiás. Ou seja, fica muito claro que dessa linha até o Rio de Janeiro a distância é enorme!

Alguns levantamentos apontam que as primeiras sementes vieram da França diretamente para a Serra da Meruoca, já no Século XIX, o que faria supor que a variedade pudesse ser daIlha de Reunião: em outras palavras, o sempre veneradoBourbon. No entanto, outros asseguram que as primeiras plantas de café vieram do Pará diretamente para o Sitio Bagaço, que tivemos a oportunidade de visitar. Neste caso, seria muito mais provável que fosse a variedade Typica.

De qualquer forma, o microclima reinante no Maciço ajuda bastante a adaptação do cafeeiro a começar pela boa característica de solo que observamos. Por estar localizado muito próximo a linha do Equador (pouca mais de 4o Latitude Sul), o sol é impiedosamente escaldante, tornando-se necessária a adoção de sombreamento para a lavoura. Segundo registros, esta técnica foi adotada já nos primeiros plantios, porém descontinuada por volta de 1970 em razão da escolha de um modelo de cafeicultura intensiva, que requer maior uso de fertilizantes químicos. Ah, e detalhe: o plantio feito à pleno sol, contrariando, digamos, a sabedoria dos antigos cafeicultores.

Dez anos foram suficientes para que os produtores decidissem retomar o plantio sombreado, dado o estrago que os raios solares muito intensos fizeram e ainda faziam no que restou das lavouras de café sob insolação direta.

Visitamos duas propriedades: os Sítios Bem-Te-Vi eBagaço. O Bem-Te-Vi, do Sérgio Patrício, empresário dedica-se mais à pecuária leiteira, mas tem no café uma nova paixão. Como toda pessoa nova no ramo, sem qualquer tipo de amarras anteriores nem tradição, vem testando soluções diferentes da praticada na região como o uso da irrigação para socorrer nos momentos de seca inesperada, variedades modernas (Paraíso, fruto de pesquisa da EPAMIG) e adubação química. A lavoura está sombreada em sua maior parte e justamente a pequena área sem o conforto que as copas do ingazeiro podem oferecer, literalmente foi dizimada pela insolação. Mesmo assim, sua produtividade ainda é baixa em razão da pequena quantidade de plantas por área, muito abaixo do recomendável e, também,  pela distribuição pouco homogênea das árvores para o sombreamento.

Enquanto isso, no centenário Sítio Bagaço, hoje do poderoso Grupo Edson Queiroz, as lavouras estão quase sob uma pequena floresta de grande biodiversidade. A casa sede é grandiosa, reflexo de um tempo de riqueza experimentada durante o auge da cafeicultura no Baturité. Máquinas de benefício muito antigas, construídas em madeira, ainda estão em funcionamento no pequeno armazém daquele sítio.

Para nossa surpresa, ao entrar na lavoura sombreada por árvores centenárias,  encontramos plantas cujos frutos nos parecem muito mais próximos à variedade Typica, dado seu formato ovalado e longo.

Ver esses frutos atiçou minha imaginação e paladar!

Mas, ficou evidente que o café não é a cultura a quem eles, do Sítio Bagaço, dão a maior atenção. Talvez receba menos até que o chuchu, que estava em plena colheita.

Para boa parte dos produtores do Baturité, o sentimento que se tem é o de que produzir café é algo que beira o sacrifício.

Das belezas do Baturité

Thiago Sousa

Que o Brasil é um país cheio de surpresas, disso não há dúvida!

Um bom exemplo disso está no Ceará, Estado geralmente associado ao seu Verde Mar, sempre deslumbrante, ou ao castigadamente árido sertão cantado por seus cantadores tradicionais.

Minha ida ao Ceará foi para conhecer uma região ainda mais surpreendente, uma vez que não tem nada a ver com a orla das suas belas praias e nem com paisagens desérticas. O destino era o Maciço do Baturité, cerca de 110 km distante de Fortaleza, onde está uma das cafeiculturas mais antigas do Brasil e, de quebra, a mais próxima da linha do Equador.

Uma viagem de pouco menos de duas horas, pois boa parte se desenrola entre subidas e descidas tortuosas, mas que a partir de Fortaleza é, como disse o Companheiro de Viagem Ricardo Moura, jornalista da EMBRAPA Agroindústria Tropical, um cardápio completo das paisagens cearences: a Praia, o Sertão e a Floresta Tropical! 

A parte do Sertão que atravessamos não é propriamente o do Semi Árido, pois é bem mais bem servido de chuvas, permitindo o plantio em larga escala do cajueiro. A partir da pequena cidade de Redenção, que recebeu este nome por ter sido a primeira região brasileira onde os escravos foram libertados pelos seus senhorios antes da Lei Áurea, inicia-se a subida do Maciço do Baturité. A paisagem muda rapidamente, tendo presença de árvores de grande porte e uma paisagem que lembra muito a Mata Atlântica que conhecemos no Sudeste Brasileiro. Segundo os especialistas, essa cadeia, bem como outras próximas, mescla plantas típicas da Amazônia com as da Mata Atlântica.

A cidade de Baturité é a maior das que compõem este maciço com pouco mais de 30 mil habitantes, sendo o seu Portal por estar nas áreas baixas. Os nomes dos municípios dessa micro região serrana são de origem indígenas, soando divertidos:  Pacoti,GuaramirangaMulungu e Baturité

Do alto da serra, a pouco mais de 800 metros de altitude acima do mar, a vista é maravilhosa. Com uma elevação tão brusca no meio do Sertão do Semi Árido, o micro clima é muito mais ameno que no litoral, que somado à proximidade com Fortaleza, fez dessa área uma escolha natural para aqueles que querem fugir do calor. Para os cearences é o lugar perfeito para poder usar agasalhos, algo impensável na sempre ensolarada e quente orla marítma.  

Desse grupo de cidades, certamente a mais charmosa é Guaramiranga.

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Pequena, com pouco mais de 4 mil habitantes, foi moldada pelos prefeitos para ser essencialmente turística. Possui uma boa infraestrutura hoteleira, com muitas elegantes pousadas, e um povo afeito a receber as pessoas. Para alavancar o turismo, foi feito um grande trabalho para a preservação da cultura local, seu artesanato, culinária e festividades. Tivemos a sorte de que era a época de São Pedro, com ótimos grupos tocando forró e muitas delícias como o munguzá, cuscuz de milho e o baião de dois com feijão de corda. Delícia!

Para se ter idéia, num dos butecos, podia ouvir jazz e blues de alto nível jogando sinuca e bebendo a cachaça da região… Num dos eventos de jazz, um dos músicos que brilhou foi o excepcional guitarristaStanley Jordan

E foi em Guaramiranga que nos encontramos com os cafeicultores da região e vários Companheiros de Viagem para o Simpósio de Revitalização do Cultivo de Café Agroflorestal do Maciço do Baturité.Mas, isto é o que vou comentar no próximo post

Sobre flores, frutos, casca e conhecimento

Thiago Sousa

O triunfo do barista campeão de El Salvador, Alejandro Mendez, no último WBC – World Barista Championship que aconteceu em Bogotá, Colombia, ainda hoje é tema de comentários entre o pessoal do café.

Afinal, experientes baristas de países com presença tradicional neste campeonato alinharam-se na arena para mostrar técnica e criatividade em xícaras de café e parecia improvável que um barista de um país produtor de café levasse o título de campeão do WBC 2011.

Como se sabe, durante 15 tensos minutos cada competidor tem de preparar um espresso, um cappuccino e uma bebida de assinatura sem ingrediente alcoólico para cada juiz sensorial. Essa apresentação é fruto de um longo trabalho de preparação que vai desde a seleção dos grãos de café para as bebidas, ingredientes e concepção sensorial, além da trilha sonora que dá o toque especial à performance. Portanto, é um período em que diversos profissionais se unem apoiando e treinando o barista em cada etapa.

Baristas com certa experiência em competições, como era também o caso do Alejandro, sabem que alguns detalhes são importantes como o comportamento de seu blend na xícara, a interação com o leite (é claro que sem se esquecer da sua qualidade!) e com os outros ingredientes na bebida de assinatura. Portanto, uma combinação de técnica, que é desenvolvida através de uma boa e quase sempre longa vivência em balcão junto às máquinas e moinhos, que pode ser simplesmente traduzida por intimidade com esses elementos.No entanto, a criação da bebida de assinatura necessita de um outro elemento que acaba sendo decisivo quando há um alto nível técnico entre os competidores: uma inspirada criatividade!

E isso não faltou ao Alejandro, somando-se, de quebra, um grande conhecimento técnico que revela muito refinamento. O que a princípio parecia ser uma sandice, se mostrou uma pequena obra prima com toques de maestria. 

Sua bebida de assinatura era uma genial composição de infusões e extração de diferentes partes e fases do fruto do cafeeiro!

Uma infusão das flores como um chá de flores brancas.

O cafeeiro é um primo distante da Gardênia, ambos rubiaceas, e suas flores tem um intenso aroma, que por vezes lembra o jamim pela sua doçura.

E uma bebida usando a polpa do fruto? Muito criativo!

Lembrando que a polpa da fruta madura do cafeeiro tem grande doçura e muitas substâncias de sabor, preparar um licor dela é como preparar um de jaboticaba. Sim, isso mesmo! E com uma vantagem adicional, que é dada pela extensa oferta de variedades de cafeeiros entre vermelhos e amarelos… 

 Usar a casca como base de bebida, pode?

Em alguns países, caso do Yemen, a casca é destinada para o preparo de uma bebida chamada Qeishr. As regiões produtoras de café daquele país ficam em áreas de raras chuvas e baixa umidade do ar, de forma que os grãos são colhidos quando entram em sua fase passa, apresentando, impressionantemente, cascas sem qualquer tipo de contaminação por fungos,  somando-se o fato do quase inexistente emprego de agroquímicos.

O Qeishr é usualmente composto pela adição de especiarias como o cardamomo e canela, cujas receitas são guardadas a 7 chaves pelos diversos, digamos, Mestres de Blends de Qeishr!

Pelo fato de ser um produto (a casca) que origina uma bebida muito apreciada (o Qeishr), o comércio da casca é regular. No entanto, os dois produtos são distintos, bem como suas respectivas bebidas: Bun(café por infusão, como você pode ver na foto acima, no copo à esquerda) é Bun, enquanto que Qeishr (no copo do centro) é Qeishr. Uma questão de lógica e respeito ao consumidor. 

Ah, para finalizar a explicação sobre a última foto: à direita um copo com Bun e leite. Uma média yemeni

WBC 2011, Bogotá: um mundo cada vez mais plano…

Thiago Sousa

A História do Café tem algumas características muito interessantes, tendo em grande parte uma mística que envolve poder, conhecimento e prazer, desde os primórdios de sua comercialização, há mais de 700 anos no sul da Península Arábica. Os comerciantes do Yemen, por exemplo, já sabiam da importância em manter o domínio da produção dessa valiosa semente, sendo que somente podiam ser comercializadas para outros países as chamadas sementes inférteis, aquelas sem a casca interna denominada pergaminho.

Os países produtores estão localizados entre os Trópicos de Câncer e Capricórnio, onde, por coincidência estão os países mais pobres. Costuma-se agrupá-los nos seguintes blocos: Sudeste Asiático, Ilhas do Pacífico, África, América Central e América do Sul. Por outro lado, os países consumidores, em sua grande parte países ricos, ficam nas regiões de clima temperado e frio, como os da América do Norte, Europa e o Japão.

O domínio econômico na cadeia do café, assim como acontece na absoluta maioria dos produtos agrícolas, sempre se deu a partir dos elos de comercialização, tanto aqueles especializados na aquisição da matéria-prima ou café cru (= Green Coffee) quanto no produto torrado. Em geral, todos os padrões de produto são determinados por entidades internacionais ligadas aos países compradores, como aqueles que sediam grandes  corporações comerciais e de serviços como a Starbucks e Nestlé.

Porém, algumas entidades surgiram e passaram a desempenhar importante papel na difusão do conhecimento em toda a cadeia do café, fazendo diminuir sensivelmente a distância entre produtores e consumidores, além de criar um ambiente de grande interação entre todos. A partir de iniciativas da SCAA – Specialty Coffee Association of America com o seu Barista’s Guild e da SCAE – Specialty Coffee Association of Europe, eventos como o WBC – World Barista Championship ganhou maior proximidade entre as pessoas das duas pontas extremas, construindo um mundo cada vez mais unido.

Uma notável evolução pode ser observada, por exemplo, na competição mundial de baristas. Saudável crescimento do número competidores, sempre campeões de seus respectivos países, vem acontecendo de forma consistente, demonstrando o quanto a paixão pelo café se alastrou por todo o mundo. Por outro lado, competidores de países produtores tem alcançado posições de destaque, como foi o caso do guatemalteco Raul Rodas, vice-campeão em 2010, em Londres, UK.

Isto é uma demonstração de como o mundo do café se tornou plano!

Produtores, consumidores, mestres de torra, baristas, cafeterias, juízes degustadores e torrefações, enfim, estão se alinhando em conhecimento e vivências, instituindo uma verdadeira fraternidade global.

E em 2011, o WBC ofereceu dois notáveis acontecimentos. O primeiro: a realização da competição num pais produtor, no caso a Colômbia, sempre referência no quesito organização entre este bloco de países. O segundo, declarar como vencedor entre os melhores baristas do mundo o salvadorenhoAlejandro Mendez.

Alejandro Mendez, que sagrou-se campeão neste 05 de junho ao totalizar 710,5 pontos, ficou à frente de fortíssimos concorrentes como o norte americano Pete Licata, que obteve 659,5 pontos, e o australiano Matt Perger, com 659 pontos. Incrível, não?!

É, o mundo do café tornou-se definitivamente plano…